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Sobre a concessão de livramento condicional e o limite de trinta anos

Sobre a concessão de livramento condicional e o limite de trinta anos

 

Como é sabido, o Código Penal (art. 75), em conformidade com o princípio constitucional proibitivo de penas perpétuas (CF, art. 5°, XLVII, b), estabelece que o cumprimento da pena privativa da liberdade não poderá ser superior a 30 (trinta) anos1, devendo, na hipótese de condenação a penas privativas da liberdade cuja soma exceda a este limite, proceder-se à unificação para atendê-lo (§1°).

 

Segundo a Exposição de Motivos da Lei 7.209/84 (item 61), a adoção deste limite objetivou alimentar no condenado “a esperança de liberdade e a aceitação da disciplina, pressupostos essenciais da eficácia do tratamento penal”. Em realidade, porém, o legislador, ao fazê-lo, atende a uma exigência político-criminal, coerente com os fins da pena e com o princípio da proporcionalidade, entendendo que toda pena que exceder a este limite é absolutamente desnecessária e contrária à idéia de prevenção geral e especial – subsidiárias – de futuros delitos.

 

 

Pode-se dizer, assim, que, por força de lei, pena perpétua é toda pena que ultrapasse trinta anos. Tratando-se de contravenção, a duração máxima da pena de prisão simples não poderá, em caso algum, ser superior a cinco anos (LCP, art. 10).

 

 

Pois bem, ainda hoje, lavra funda divergência na doutrina e na jurisprudência sobre se tal limite deve, ou não, servir de parâmetro para a concessão de “benefícios” legais, como o livramento condicional, o indulto, a progressão de regime, a remição etc. Para uns2, deve ser considerada a pena efetivamente aplicada (60, 100 anos, conforme o caso); para outros, a pena máxima de trinta anos. De acordo com a primeira posição, se o réu, por exemplo, foi condenado a 60 anos, e for primário e não-hediondos os crimes, somente poderia ter direito a livramento condicional após cumprir, no mínimo, mais de 20 anos, isto é, mais de 1/3 da pena. Já para a segunda posição, o sentenciado teria que, na mesma hipótese, cumprir tão-só mais de 1/3 de trinta anos (pena unificada), ou seja, mais de 10 anos.

 

 

O primeiro entendimento, embora ainda largamente defendido, é claramente antigarantista e, pois, de todo inaceitável, por várias razões.

 

 

Inicialmente, porque, se se considerar que, para efeito de livramento condicional, por exemplo, seja tomado em conta o tempo de pena aplicado, estar-se-ia submetendo, em verdade, o condenado a cumprir, pela via indireta, pena superior a trinta anos, mesmo porque, como se sabe, o livramento condicional constitui uma forma, sob condição, de cumprimento da pena. Enfim, sujeitar-se-á o réu a cumprir pela via oblíqua o que é vedado pela via direta, em afronta ao princípio da legalidade das penas, inclusive.

 

 

Por outro lado, ao contrário do que afirma, e.g., Rogério Greco3, com adotar tal postura, não se ofende o princípio da isonomia, mesmo porque, ao estabelecer o limite máximo de trinta anos, o legislador igualou todos que se encontrem nesta situação, pouco importando se condenados a 33, 66 ou 99 anos, devendo todos, sem exceção e indistintamente, cumprir tão-só o máximo de trinta anos, de modo que, a ser coerente, dever-se-ia insurgir-se não contra tal interpretação do instituto, mas contra a sua adoção e existência mesma.

 

 

Por último, a lei não faz qualquer ressalva no particular, de sorte que, ao ser desprezado o limite de trinta anos, faz-se analogia in malam partem, violando-se, também por este motivo, o princípio da legalidade. Finalmente, a prevalecer semelhante entendimento, inviabilizar-se-ia, na execução, a individualização da pena, pois que nenhuma utilidade teria, v.g., o trabalho para efeito de remição, tampouco a excelência comportamental para efeito de progressão, relativamente ao condenado por pena de 100 ou 200 anos. O mesmo se deve dizer do livramento condicional, pois, a se exigir que o cálculo seja feito com base na pena aplicada, ficará impossibilitada a sua concessão em muitos casos.

 

 

1No sentido de que a pena de prisão não deve exceder a 10 anos, Ferrajoli, Derecho y razón, Ed. Trotta, Madrid, 1995. Conforme informa Salo de Carvalho, o limite máximo da pena de prisão na França, Bélgica, Suíça, Noruega, Luxemburgo e Grécia é de 20 anos; Dinamarca e Islândia, 16 anos; Alemanha, Hungria e Polônia, 15 anos; Finlândia, 12 anos; Suécia, 10 anos, Pena e Garantias, p. 208, Ed. Lumen Juris, Rio, 2001.

 

2Nesse sentido, Damásio, Cézar Bitencourt, Rogério Greco, entre outros. No sentido contrário, dentre outros, Mirabete, Delmanto e Alberto Silva Franco e outros, que escrevem textualmente: “Não há, assim, cogitar de dois parâmetros autônomos: um para estabelecer o máximo de tempo de duração das penas privativas de liberdade (pena unificada) e outro para o cálculo do prazo dos benefícios legais (total de penas não unificadas). Se o intento do legislador fosse o de exclusivamente fixar o limite máximo de cumprimento das penas privativas da liberdade, constituiria um verdadeiro contra-senso unificar penas privativas da liberdade para um só fim e, ao mesmo tempo, manter uma dualidade de penas para os demais fins. “Unificar”, como observa Júlio Fabbrini Mirabete, “quer dizer transformar várias penas em uma só”, in Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, v.1, t.1, RT, 6ª edição, S. Paulo, 1997

 

3Curso de Direito Penal, p. 606, Ed. Impetus, Rio, 2002. Assinala este autor, textualmente: “A nosso ver, entendemos que a razão se encontra com a nossa Corte Maior. Conforme já argumentamos acima, se adotássemos a unificação como regra geral para todos os cálculos, além de ser o teto máximo de cumprimento da pena, estaríamos ofendendo o princípio da isonomia, que determina, simplificadamente, que os iguais sejam tratados igualmente, bem como que os desiguais tenham tratamento desigual. Não podemos comparar aquele condenado a duzentos e cinqüenta anos de reclusão com aquele que praticou um número bem menor de crimes e fora condenado a trinta anos”.

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