1)Introdução
De acordo com o art. 5°, LXIX, da Constituição, conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.
Já o art. 1o da Lei n° 12.016/2009 dispõe que será concedido mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.
O mandado de segurança é, pois, uma ação constitucional destinada à proteção pronta e eficaz de direitos individuais ou coletivos lesados ou ameaçados de lesão por ação ou omissão do poder público.
É uma ação subsidiária relativamente ao habeas corpus e ao habeas data, já que pressupõe o não cabimento daquelas ações, que têm prioridade sobre o mandado de segurança.
Assim, somente quando não for cabível o habeas corpus ou o habeas data, caberá mandado de segurança, que pode ser impetrado, por exemplo, nas seguintes hipóteses: a)para admitir o assistente de acusação; b)contra busca e apreensão de bens; c)em favor da pessoa jurídica que responda por crime ambiental etc. É comum também usá-lo para permitir o acesso do advogado aos autos do inquérito, embora cabia aqui também reclamação (art. 988 do CPC) etc.
À semelhança do habeas corpus, o mandado de segurança pode ser ajuizado quando já consumada a violação ao direito ou na iminência de ser consumada (preventivamente), podendo servir à defesa de direito individual ou coletivo.
Poderá ser requerido por qualquer pessoa física ou jurídica, nacional ou estrangeira, titular de direito líquido e certo, contra qualquer ato ilegal de autoridade pública. Quando proposto pelo Ministério Público em matéria penal, é imperativa a citação do réu ou investigado como litisconsorte passivo necessário, sob pena de extinção do processo. Nesse sentido é o enunciado da Súmula 701 do STF: No mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público contra decisão proferida em processo penal, é obrigatória a citação do réu como litisconsorte passivo. A extinção do processo por falta de citação do litisconsorte no prazo assinado está prevista na Súmula 631 do STF.
Como se exige ato de autoridade pública, não cabe mandado de segurança contra ato de agente privado, nem contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público (art. 1°, §2°, da Lei 12.016/2009).
No entanto, equiparam-se às autoridades, para os efeitos da lei, os representantes ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas, bem como os dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de atribuições do poder público, somente no que disser respeito a essas atribuições.
Considera-se autoridade coatora aquela que tenha praticado o ato impugnado ou da qual emane a ordem para a sua prática.
2)Direito líquido e certo?
A lei exige que se trate de direito líquido e certo. A rigor, não é o direito que tem de ser líquido e certo, mas os fatos que o amparam. São os fatos, não o direito, que devem ser líquidos e certos. Afinal, o direito não preexiste à interpretação – isto é, à decisão do caso concreto -, mas é dela resultado. O direito pode, portanto, ser incerto, mas não os fatos que o constituem, que devem ser certos e incontroversos, isto é, comprovados documentalmente já com a petição inicial, não se admitindo dilação probatória. Evidentemente, se os fatos são incertos, também incerto será o direito invocado com base neles. Por sua vez, um fato certo/provado pode significar um direito certo, incerto ou inexistente.
Daí dizer a Súmula 625 do STF que: Controvérsia sobre matéria de direito não impede a concessão de mandado de segurança. Assim, por exemplo, se o advogado alega que lhe foi recusado arbitrariamente o acesso aos autos do inquérito policial, tal alegação há de vir comprovada com a petição inicial e com os documentos que a instruem, ainda que o alegado direito de acessar determinada prova seja incerto ou controverso.
De todo modo, segundo uma famosa definição de Hely Lopes Meirelles, “Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não tiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais. Quando a lei alude a direito líquido e certo, está exigindo que esse direito se apresente com todos os requisitos para seu reconhecimento e exercício no momento da impetração. Em última análise, direito líquido e certo é direito comprovado de plano. Se depender de comprovação posterior, não é líquido nem certo, para fins de segurança”[1] .
Apesar de não admitir dilação probatória, quando o documento necessário à prova do alegado se encontrar em repartição ou estabelecimento público ou em poder de autoridade que se recuse a fornecê-lo por certidão ou de terceiro, o juiz ordenará, preliminarmente, por ofício, a exibição desse documento em original ou em cópia autêntica e marcará, para o cumprimento da ordem, o prazo de 10 (dez) dias (art. 6°, §1°, da Lei).
De acordo com Rômulo Moreira, excepcionalmente, é possível a juntada posterior de documentos se, com as informações da autoridade coatora ou mesmo com a contestação do litisconsorte, novos fatos forem abordados. Assim, a doutrina e a jurisprudência permitem, nestes casos excepcionais, privilegiando o princípio do contraditório, que documentos novos sejam juntados para contrapor àqueles novos argumentos trazidos nas informações ou na respectiva contestação[2].
3)Hipóteses de não cabimento do mandado de segurança
Embora os recursos e decisões judiciais sejam passíveis de impugnação por meio de mandado de segurança, a lei estabelece algumas condições para que isso ocorra. Como regra, tais atos são perfeitamente impugnáveis, salvo se não forem imediatamente executáveis.
Com efeito, segundo o art. 5° da Lei, não se concederá mandado de segurança quando se tratar: a)de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução; b)de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo; c)de decisão judicial transitada em julgado.
O mandado de segurança contra ato administrativo ou decisão judicial pressupõe que não haja previsão de recurso ou que o recurso previsto admita apenas o efeito devolutivo. O writ of mandamus será então admitido para dar efeito suspensivo ao recurso e, pois, sobrestar a imediata execução da decisão recorrida.
O mandado de segurança pode ser utilizado também quando o efeito suspensivo previsto em lei estiver condicionado ao pagamento de caução. De acordo com a Súmula Vinculante n° 21, é inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo.
Praticado o ato administrativo, o impetrante poderá impetrar de imediato o mandado de segurança, não precisando esperar a conclusão do respectivo processo. Ou seja, o impetrante não é obrigado a recorrer administrativamente; mas, se o fizer, e este recurso por ele interposto dispuser de efeito suspensivo sem exigência de caução, não haverá violação passível de writ, que, se proposto, será indeferido. Faltar-lhe-á interesse de agir.
A lei não repete a vedação prevista para o habeas corpus quanto a punições disciplinares. Apesar disso, vale aqui, mutatis mutandis, o que já foi dito sobre aquela ação constitucional.
Não caberá o writ quando tiver ocorrido trânsito em julgado da sentença, a qual poderá ser impugnada por revisão criminal ou habeas corpus. A despeito disso, é possível impetrá-lo para discutir o próprio trânsito em julgado, que pode ter sido reconhecido injustamente. Admite-se, ainda, contra sentença teratológica, mesmo com trânsito em julgado, sobretudo quando fira direito de terceiro (Súmula 202 do STJ).
Também não cabe mandado de segurança contra lei em tese (Súmula 266 do STF), visto que não se presta à realização do controle (abstrato) de constitucionalidade das leis e dos atos normativos em geral, que há de ser feito na forma da Constituição. Não obstante isso, é possível impetrá-lo contra ato administrativo concreto fundado em lei que se pretende inconstitucional. Assim, embora não seja possível questionar abstratamente, por exemplo, a lei que instituiu o regime disciplinar diferenciado, é cabível mandado de segurança ou habeas corpus (individual ou coletivo) contra ato administrativo ou judicial concreto que o impôs a determinado preso ou presos.
Como escrevem Aylton Bonomo Júnior e Hermes Zaneti Júnior, tratando-se de lei em sentido formal e de atos normativos infralegais, com características de concretude, especificidade e pessoalidade, como são equivalentes a um ato administrativo nos seus resultados imediatos, sendo autoaplicáveis independentemente do agente executor, caberá mandado de segurança, pois presente ato concreto de autoridade, sendo que a ação será dirigida, em verdade, contra um ato administrativo. O mesmo ocorrerá com leis proibitivas e impositivas de obrigações, sempre que puderem violar diretamente direito individual[3].
4)Prazo para impetração
O direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á decorridos 120 (cento e vinte) dias, contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado (art. 23 da Lei).
Trata-se de prazo decadencial, segundo doutrina majoritária, que atinge o direito ao ajuizamento específico do writ, não impedindo o seu exercício por outras ações judiciais (art. 19 da Lei[4]). Como prazo decadencial, não prescricional, não há suspensão ou interrupção. Não obstante isso, quando o termo final ocorrer em dia em que seja feriado ou em que não haja expediente forense, haverá prorrogação do prazo para o primeiro dia útil.
Embora haja quem considere inconstitucional a fixação de prazo por meio de lei para a propositura do writ of mandamus, alegando que a Constituição nada previu no particular, a Súmula 632 do STF proclama que “é constitucional a lei que fixa o prazo de decadência para a impetração do mandado de segurança”.
O prazo começa a fluir a partir da ciência, pelo interessado, do ato impugnado, o que se dá com a sua publicação no Diário Oficial ou da intimação pessoal ao impetrante. Há precedentes no sentido de que a eventual reiteração do ato não implica a reabertura do prazo. O mesmo ocorre com o pedido de reconsideração, conforme Súmula 430 do STF: Pedido de reconsideração na via administrativa não interrompe o prazo para o mandado de segurança.
Quando destinado a corrigir omissão do poder público, o mandado de segurança poderá ser impetrado enquanto persistir a omissão.
5)Intervenção do Ministério Público como fiscal da lei
No mandado de segurança sobre matéria penal (individual ou coletivo), a intervenção do Ministério Público como fiscal da lei é sempre obrigatória, quer se refira à ação penal pública, quer se refira à ação penal privada. Quando o MP figurar como parte, a intervenção como custos legis é necessária em segundo grau.
De acordo com a Súmula 604 do STJ, o mandado de segurança não se presta a atribuir efeito suspensivo a recurso criminal interposto pelo Ministério Público. Assim, se o MP interpuser agravo em execução (que só tem efeito devolutivo) contra a decisão que concedeu livramento condicional ao réu, ele não poderá pretender conferir-lhe efeito suspensivo por meio de mandado de segurança, seja porque a liberdade é a regra e a culpa é a exceção, seja porque não existe um direito líquido e certo à prisão ou à revogação daquele benefício legal.
Quanto ao mandado de segurança em matéria civil, a intervenção do MP não depende do tipo de ação proposta, mas da natureza do direito em discussão. Assim, apesar do disposto no art. 12 da Lei 12.016/2009, o MP só deve intervir nos processos que discutam, na forma do art. 178 do CPC: a)interesse público ou social; b)interesse de incapaz; c)litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana.
Afinal, segundo o art. 127 da Constituição, incumbe ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
6)Recursos etc.
Da sentença, denegando ou concedendo o mandado, cabe apelação (art. 14 da Lei). Da decisão do juiz de primeiro grau que conceder ou denegar a liminar caberá agravo de instrumento (art. 7°, I).
Do indeferimento da inicial pelo juiz de primeiro grau caberá apelação e, quando a competência para o julgamento do mandado de segurança couber originariamente a um dos tribunais, do ato do relator caberá agravo para o órgão competente do tribunal que integre.
A sentença concessiva (não a denegatória) da segurança está sujeita a reexame necessário (art. 14, §1°). Embora haja precedentes no sentido de que o art. 496 do CPC não incide aqui, em virtude do princípio da especialidade (a lei de mandado de segurança, por ser especial, prevaleceria sobre a lei geral, o novo CPC), não vemos por que não limitar a remessa oficial àquelas hipóteses previstas no Código de Processo Civil. Aliás, em matéria penal o reexame necessário não faz sentido algum, especialmente quando o writ for concedido em favor do acusado. Aqui vale, mutatis mutandis, o que foi dito sobre o habeas corpus.
[1] Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, Habeas Data, 20ª Edição, Ed. Malheiros, São Paulo, págs. 34/35.
[2] https://jus.com.br/artigos/13336/a-lei-n-12-016-09-e-o-mandado-de-seguranca-em-materia-criminal.
[3] Mandado de segurança individual e coletivo. Salvador: Juspodivm, 2019, p.76.
[4] Art. 19. A sentença ou o acórdão que denegar mandado de segurança, sem decidir o mérito, não impedirá que o requerente, por ação própria, pleiteie os seus direitos e os respectivos efeitos patrimoniais.