Fundamentação da dosimetria da pena

9 de agosto de 2022

Remissão ao artigo sobre a fundamentação das decisões. E ao artigo sobre erros frequentes na aplicação da pena.

Frequentemente, juízes e tribunais negligenciam a motivação da aplicação da pena. Não raro, dedicam um ou dois parágrafos à dosimetria e claramente violam o art. 315, §2°, do CPP.

É muito comum se afirmar, por exemplo, que “o réu é reincidente, razão pela qual aumento a pena de 1/6”, como se a reincidência fosse um tema óbvio e dispensasse maiores considerações.

Em muitos casos, porém, não há reincidência na forma da lei (CP, art. 63) ou já expirou o prazo legal de cinco anos. Ou a sentença anterior não gera reincidência por se tratar, por exemplo, de condenação por porte de droga para consumo pessoal (art. 28 da Lei n° 11.343/2.006), que não comina privativa da liberdade, razão pela qual não pode fundamentar agravamento de pena de prisão. O que a lei veda diretamente não pode ser admitido indiretamente, sob pena de violação aos princípios da legalidade e proporcionalidade das penas. Nesse sentido é a orientação do STF e STJ.

Muitas decisões nem sequer mencionam o percentual de aumento da pena (v.g., “acrescento 2 anos de reclusão sobre a pena-base em razão da reincidência”).

Outras simplesmente atenuam ou agravam a pena sem motivar minimamente o percentual adotado, embora variável. Assim, por exemplo, quando reduzem, na tentativa de crime (CP, art. 14, II), a pena de 1/3, 1/2 ou de 2/3, sem dizer o porquê dessa escolha. Algumas cometem erros matemáticos crassos, inclusive.

Mas o mais comum é valer-se de argumentos potestativos (argumentos de autoridade), não cognoscitivos, dificilmente verificáveis e refutáveis, tais como: “o réu tem personalidade desajustada”, “tem personalidade voltada para o crime”, é “agressivo”, “mostra-se renitente à sanção penal”, “é useiro e vezeiro no tráfico de drogas”, “é bastante conhecido nos meios policiais”, “não revela nenhum arrependimento”, “mostrou frieza extrema”, “não provou trabalho lícito” etc.

Já vimos também que é frequente a violação ao princípio ne bis in idem. Não faz sentido, por exemplo, afirmar-se que “a culpabilidade é acentuada porque o réu agiu com premeditação”, pois a premeditação é o próprio dolo (dolo direto de primeiro grau) inerente aos crimes dolosos, especialmente em crime de furto, estelionato, roubo, homicídio etc. Crime com premeditação é crime doloso. Crime sem premeditação é crime culposo ou é um acidente não punível penalmente. Ou é dolo eventual.

Ou, ainda, em delitos contra o patrimônio: “As consequências do crime são graves porque os bens subtraídos não foram recuperados”. Ocorre que a subtração (não recuperação, perda etc.) da coisa é o próprio resultado do delito na forma consumada. Se não houvesse a efetiva subtração da coisa, o crime seria tentado apenas ou incidiria circunstância atenuante em favor do condenado.

Por fim, no crime de roubo majorado – e outros – é comum a decisão se limitar a aplicar as causas de aumento de pena (v.g., emprego de arma de fogo e concurso de agentes) sem dar outra motivação que não a incidência mesma das majorantes. No entanto, segundo a Súmula 443 do STJ: O aumento na terceira fase de aplicação da pena no crime de roubo circunstanciado exige fundamentação concreta, não sendo suficiente para a sua exasperação a mera indicação do número de majorantes. A Súmula está conforme o art. 68, parágrafo único, do CP.

Em suma, a fundamentação da individualização da pena é um tema importantíssimo, razão pela qual deve feita – e examinada – com a máxima atenção, devendo cada fase de aplicação ser cuidadosamente elaborada e justificada, sob pena de anulação da decisão, no todo ou em parte. Mais: devemos levar a sério o que dispõe o art. 315, §2°, do CPP.

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Comentários

  1. Professor,
    O artigo 315 do CPP não se refere questão da prisão preventiva, já que está inserido neste capítulo do Código, bem como em razão da questão topográfica (principalmente agora que esta modalidade de interpretação é utilizada na questão do furto qualificado-majorado)?

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