Nem sempre é fácil ou possível distinguir erro de tipo de erro de proibição, especialmente em se tratando de tipos penais que referem, expressamente, os assim chamados elementos normativos do tipo, tais como: “indevidamente”, “falsamente”, “sem justa causa” etc.
Para uns, trata-se de erro de tipo; para outros, erro de proibição. E há ainda quem entenda que ora é um, ora é outro.
Parece-nos que esses tipos penais demonstram, em verdade, a inconsistência da mencionada distinção. Porque, no fundo, erro de tipo e erro de proibição são uma só e mesma coisa: variações de um erro de interpretação. Afinal, errar sobre o tipo é errar sobre a proibição que o tipo encerra (e vice-versa).
De todo modo, temos, primeiro, que haverá erro de tipo sempre que faltar ao agente a representação exata do fato, relativamente a um tipo penal determinado. E, para esse fim, é irrelevante se se trata de elementos valorativos (normativos, segundo a doutrina) ou não valorativos do tipo (objetivos e descritivos).
Segundo, é infundada a pretendida distinção entre elementos descritivos, objetivos e normativos, visto que todos são inevitavelmente valorativos: uns mais, outros menos. Afinal, o sentido dos textos legais não é dado pelos próprios textos, mas por nós, ao atribuirmos um determinado sentido. Ademais, com a normativização levada a efeito pela moderna teoria da imputação objetiva, no âmbito da própria tipicidade, já não faz muito sentido falar, também por isso, de elementos não normativos do tipo.
Em suma, se o erro recai sobre os elementos do tipo, explícitos ou implícitos, pouco importando o quão precisos ou imprecisos sejam, cuidar-se-á de erro de tipo. Assim, por exemplo, quanto ao art. 154 do Código (violação de segredo profissional), que define como crime o ato de “revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem”, faltará o dolo quer o agente acredite que é devida a revelação, quer ignore o caráter de segredo, quer faça a revelação com o fim de beneficiar o ofendido.2
E haverá erro de proibição, quando, fora do caso anterior, o autor acreditar que pratica uma conduta conforme o direito, mas que, em verdade, constitui infração penal. O erro de proibição tem, pois, natureza residual, relativamente ao erro de tipo.
O mesmo raciocínio vale, mutatis mutandis, para os tipos penais em branco, que são aqueles que, por serem incompletos, remetem, parcialmente, a complementação do preceito principal para uma outra norma, ora de mesmo grau hierárquico (tipos homogêneos), ora de grau hierárquico inferior (tipos heterogêneos).
1Vontade de poder. São Paulo: Contraponto, 2008.
2De modo diverso, Cezar Bitencourt escreve textualmente: “se o profissional, médico, por exemplo, revela segredo do paciente, mas, sinceramente, acreditando que não lhe causará nenhum dano, pelo contrário, até lhe trará algum benefício, numa reunião científica, em um congresso de medicina, revela a doença de que o paciente é portador, esperando obter benefício dessa revelação, nem imaginando que isso possa, de algum modo, por alguma circunstância que ele desconhece, trazer prejuízo para o paciente, nesse caso, esse erro se refere a uma condição do tipo. Se, ao contrário, imaginar que a divulgação que faz realiza com justa causa, então o erro será sobre a ilicitude, descaracterizando-a da culpabilidade. Por exemplo, o médico está pleiteando o pagamento de honorários, que o paciente está lhe recusando, e imagina que para fundamentar o pagamento de honorários tem de explicitar o tipo de tratamento que realizou e o tipo de enfermidade do paciente. Por isso, nem pensa que está quebrando o sigilo com justa causa. Aqui não seria na realidade um erro sobre a constituição do tipo – sem justa causa -, mas sobre a ilicitude da conduta.” Tratado de direito penal. São Paulo: Saraiva, 2103, p. 516.