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Notas sobre a competência da justiça federal

1)introdução

A justiça federal é competente para julgar as ações penais relativas aos crimes (não as contravenções) que ofendam bens, serviços e interesses diretos da União, de suas autarquias e empresas públicas (CF, art. 109, IV), a exemplo de moeda falsa, tráfico internacional de drogas etc. Havendo violação a interesse apenas indireto da União, a competência será da justiça estadual ou distrital (v.g., tráfico interno de droga).

Apesar de ser uma justiça comum, se houver conexão ou continência entre crime federal e estadual, a competência da justiça federal prevalecerá (Súmula 122 do STJ1), atraindo o julgamento dos delitos conexos (v.g., moeda falsa e porte ilegal de arma). Ainda que o juiz federal venha a absolver o réu do crime federal, poderá condená-lo pelo delito estadual, por força da perpetuatio jurisdictionis (CPP, art. 812).

O fato de a investigação ser conduzida pela Polícia Federal, cujas atribuições constitucionais são mais amplas (CF, art. 144, §1°, I3), não implica, necessariamente, competência da justiça federal. Pode também ocorrer de um inquérito presidido pela polícia civil dos estados ser da competência da justiça federal.

2)Crime político e terrorismo

A justiça federal é competente para o julgamento dos crimes políticos, que são os assim definidos na Lei de Segurança Nacional (Lei n° 7.170/83), praticados com motivação política e com fins políticos.

Com o advento da Constituição de 1988, foi revogado (não recepcionado) o artigo 30 da citada lei, que conferia à justiça militar tal competência.

Da decisão proferida pelo juiz federal (condenatória ou absolutória) cabe recurso ordinário para o STF (CF, art. 102, II, b4), e não apelação para o tribunal regional federal, como seria lógico.

Também os crimes de terrorismo são de competência da justiça federal (Lei n° 13.260/2016, artigo 115), embora haja quem defenda a inconstitucionalidade dessa previsão legal, por ampliar indevidamente a competência constitucional da justiça federal6.

3)Crimes praticados contra a União

A justiça federal é competente para julgar os crimes praticados em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas a competência da justiça especial (militar e eleitoral), aí compreendidos os órgãos da administração direta e indireta (ministérios, conselhos etc.), relativos ao Poder Executivo Federal, Poder Judiciário Federal, Ministério Público da União etc. Delitos cometidos contra o Poder Judiciário e o Ministério Público do DF não competem à justiça federal.

Também os delitos cometidos contra autarquias públicas federais (INSS etc.) são da competência da Justiça Federal. Idem, contra as empresas públicas, porque, apesar de serem pessoas jurídicas de direito privado, integram a administração indireta da União e são compostas de patrimônio exclusivo da União (Caixa Econômica Federal etc.).

Também por isso – incidência de interesse direto da União -, são de sua competência os delitos praticados por e contra funcionários públicos federais no exercício da função (peculato, corrupção etc.). Se o delito não tiver relação direta com as atribuições do cargo, é de competência da justiça estadual.

Embora raro, vão a júri federal os delitos dolosos contra a vida praticados por ou contra funcionário público federal no exercício de suas funções (Súmula 147 do STJ7).

Apesar de não referidos explicitamente, são também de sua competência os delitos praticados contra fundações públicas federais (UnB etc.).

Mas não lhe cabe julgar os crimes cometidos contra sociedades de economia mista (Banco do Brasil, Petrobras etc.), concessionárias e permissionárias de serviço público federal, nos quais há ofensa a interesse indireto da União.

4)Lavagem de capitais

Como regra, são crimes da competência da justiça estadual. Com efeito, os crimes previstos na Lei n° 9.613/98 só são da competência federal se o delito antecedente lhe competir (sistema financeiro nacional, tráfico internacional de drogas etc.). Caso contrário, a competência é da justiça estadual.

O art. 2º , III, da Lei, diz que os delitos nela previstos são da competência da justiça federal apenas: a)quando praticados contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira, ou em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas; b)quando a infração penal antecedente for de competência da justiça federal.

5)Crimes ambientais

Normalmente, são de competência da justiça estadual.

Os crimes ambientais só são de competência federal se ofenderem bem, serviço e interesse direto da União, tais como: 1)extração ilegal de recursos minerais, por se tratar de bem da União (CF, 20, IX); 2)pesca ilegal em mar territorial, bem da União; 3)tráfico internacional de animais silvestres; 4)praticados em parques nacionais de preservação ambiental.

6)Uso de documento falso

Segundo a Súmula 546 do STJ, a competência para processar e julgar o crime de uso de documento falso (CP, art. 304) é firmada em razão da entidade ou órgão ao qual foi apresentado o documento público, não importando a qualificação do órgão expedidor.

Já a falsificação competirá à justiça federal sempre que ofender bens, serviços e interesses da União, de suas entidades autárquicas e empresas públicas, a exemplo da falsificação de moeda (CP, art. 289).

7)Execução penal

A competência do juiz da execução depende da natureza do estabelecimento prisional onde se dá a execução: se federal, cabe à justiça federal decidir sobre os temas suscitados; se estadual, à justiça estadual. É irrelevante, portanto, se a sentença condenatória foi proferida pelo juízo federal ou estadual.

8)Contravenções

Somente os crimes, não as contravenções, são de competência da justiça federal. As contravenções serão julgadas pela justiça estadual ainda que praticadas contra bens, serviços ou interesses diretos da União.

Se existir conexão entre crime federal e contravenção, haverá separação de processos.

Apesar disso, pode ocorrer de a justiça federal (TRF) julgar contravenção se e quando praticada por autoridade com prerrogativa de foro (juiz federal, procurador da república etc.) no exercício da função.

Tampouco atos infracionais cometidos contra bens, serviços ou interesse da União são de competência da justiça federal, mas estadual ou distrital.

9)Crimes praticados por e contra indígenas

Os crimes praticados por ou contra índios só serão da competência da justiça federal se forem motivados por disputa por terra indígena ou que se pretenda como tal (CF, art. 109, XI8). Idem, se o delito for cometido contra a FUNAI (Fundação Nacional do Índio).

Fora desse contexto, a competência será da justiça estadual, conforme dispõe a Súmula 140 do STJ: compete à justiça estadual processar e julgar índios.

10)Crime praticado a bordo de navio ou aeronave

Aos juízes federais compete processar e julgar os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da justiça militar (CF, art. 109, IX).

Para tanto, o delito tem de ser praticado a bordo, isto é, no interior do navio ou aeronave, não antes ou depois de neles ingressar. Além disso, a embarcação há de se encontrar em situação de deslocamento internacional ou de potencial deslocamento, devendo ser capaz de navegar em alto-mar. Delitos cometidos em barcos de pequeno porte (não navios) e sem essa capacidade são de competência da justiça estadual.

Quanto ao crime cometido a bordo de aeronave, é irrelevante se está em território nacional ou em situação de deslocamento internacional, pois em ambos os casos a justiça federal é competente. Também não importa se aeronave está em solo ou no ar quando do cometimento do crime.

11)Crime previsto em tratado

Competem à justiça federal (CF, art. 109, V) “os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente”.

Nesse caso, competência federal exige dois requisitos: a)que haja previsão do crime tratado ou convenção internacional; b)que o crime tenha se iniciado no Brasil o resultado tenha ocorrido no estrangeiro ou o contrário.

A previsão em tratado internacional é, pois, uma condição necessária, mas não suficiente para firmar a competência da justiça federal, a exemplo da tortura e de outros tantos crimes que, embora previstos em convenção internacional, forem praticados em território nacional ou no exterior.

Sem o caráter de transnacionalidade (crime à distância), a competência será da justiça estadual.

Tampouco a internacionalidade do delito é suficiente, razão pela qual, se faltar previsão em tratado internacional, a justiça federal não será competente para julgá-lo.

Crimes cometidos no estrangeiro são de competência da justiça brasileira (federal ou estadual) se incidirem as hipóteses de extraterritorialidade incondicionada ou condicionada de que trata o artigo 7° do CP. Quando o delito ferir interesse direto da União ou envolver acordo de cooperação internacional (v.g., acordo de transferência), a competência será da justiça federal. Nesse sentido, recente precedente (2018) do STJ (CC n° 154656/MG, relator Ministro Ribeiro Dantas), relativo a brasileiro que cometeu crime em Portugal e cuja extradição foi negada pelo Brasil.

12)Incidente de deslocamento de competência

Por fim, cabe à justiça federal decidir o incidente de deslocamento de competência a que se refere o artigo 109, §5°, da CF:

Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.

1Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, a, do Código de Processo Penal.

2Art. 81. Verificada a reunião dos processos por conexão ou continência, ainda que no processo da sua competência própria venha o juiz ou tribunal a proferir sentença absolutória ou que desclassifique a infração para outra que não se inclua na sua competência, continuará competente em relação aos demais processos.

Parágrafo único. Reconhecida inicialmente ao júri a competência por conexão ou continência, o juiz, se vier a desclassificar a infração ou impronunciar ou absolver o acusado, de maneira que exclua a competência do júri, remeterá o processo ao juízo competente.

3Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:

I – apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei.

4Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

II – julgar, em recurso ordinário:

b) o crime político.

5Art. 11. Para todos os efeitos legais, considera-se que os crimes previstos nesta Lei são praticados contra o interesse da União, cabendo à Polícia Federal a investigação criminal, em sede de inquérito policial, e à Justiça Federal o seu processamento e julgamento, nos termos do inciso IV do art. 109 da Constituição Federal.

6Nesse sentido, Renato Brasileiro de Lima. Manual de processo penal. Salvador: editorajuspodivm, 2018.

7Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função.

8Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

XI – a disputa sobre direitos indígenas.

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