Ceticismo absoluto: necessidade de arte e ilusão.
Todo conhecimento surge por meio de separação, delimitação e abreviação; não há conhecimento absoluto de uma totalidade;
O imenso consenso dos homens acerca das coisas comprova a uniformidade de seu aparato perceptivo;
As abstrações são metonímias, isto é, permutações de causa e efeito. Mas todo conceito é uma metonímia, sendo que, nos conceitos, o conhecer termina por se antecipar. A “verdade” converte-se num poder, assim que a liberamos como abstração;
Por “verdadeiro” compreende-se, antes de mais nada, aquilo que usualmente consiste na metáfora habitual – portanto, somente uma ilusão que se tornou familiar por meio do uso freqüente e que já não é mais sentida como ilusão: metáfora esquecida, isto é, uma metáfora da qual se esqueceu que é uma metáfora;
Metáfora significa tratar como igual algo que, num dado ponto, foi reconhecido como semelhante;
De onde vem, no inteiro universo, o phatos da verdade? Ele não aspira à verdade, mas à crença, à confiança em algo;
Não há um impulso ao conhecimento e à verdade, mas tão-somente um impulso à crença na verdade;
O que é uma palavra? A reprodução de um estímulo nervoso em sons;
O ser sensível precisa da ilusão para viver;
Lutar por uma verdade é totalmente distinto de lutar pela verdade;
O homem é um animal extremamente patético e toma suas propriedades por algo de suma importância, como se os eixos do universo girassem nele;
O conhecer é tão-somente um operar com as metáforas prediletas, e, a ser assim, nada mais que uma imitação do imitar sensível;
Em rigor, todo conhecer possui apenas a forma da tautologia e é vazio. Todo conhecimento por nós promovido consiste numa identificação do não idêntico, do semelhante, quer dizer, trata-se de algo essencialmente ilógico.
O que é, pois, a verdade? Um exército móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, numa palavra, uma soma de relações humanas que foram realçadas poética e retoricamente, transpostas e adornadas, e que, após uma longa utilização, parecem a um povo consolidadas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões das quais se esqueceu que elas assim o são, metáforas que se tornaram desgastadas e sem força sensível, moedas que perderam seu troquel e agora são levadas em conta apenas como metal, e não como moedas.
Extraídas do livro Sobre a Verdade e Mentira. S.Paulo: Hedra, 2008.