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Bis in idem na fixação da pena do crime de tráfico privilegiado

Com alguma frequência, juízes e tribunais, ao procederem à individualização da pena no crime de tráfico privilegiado (Lei n° 11.343/2006, art. 33, §4°), recorrem, quando da fixação da pena-base e da redução do §4°, às mesmas circunstâncias judiciais do art. 59 do CP e da Lei (primariedade, bons antecedentes e natureza/quantidade da droga). O art. 33, §4°, da Lei, prevê o seguinte:

Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

Eis uma decisão judicial que serve de exemplo:

Ainda que se pudesse excluir da dosimetria a conduta social, sua pena-base não poderia ser fixada no mínimo legal, em razão da quantidade de droga apreendida – treze quilos e trinta e cinco gramas de cocaína -, conforme Auto de Apresentação e Apreensão de fls. 18/19 e Laudos de fls. 20/22 e 67/70. Daí dever ser levada em conta, à luz do art. 42 da lei 11.343/2006 c/c art. 59 do Código Penal, a expressiva quantidade da droga apreendida, além de sua natureza altamente nociva, para majorar a pena-base acima do mínimo legal. O Laudo de exame em substância de fls. 67/70 concluiu que se trata de cocaína na forma de base livre, espécie de droga das mais perniciosas e de alta nocividade, além de se tratar de pasta base de cocaína, que, após o seu refino, multiplica a sua quantidade, alcançando, em sua eventual distribuição, número maior de pessoas.

A expressiva quantidade e a natureza da droga (pasta base de cocaína) exigem a majoração da pena-base, em face do disposto no art. 42 da Lei 11.343/2006, in verbis:

Art. 42. O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente.

Assim sendo, in casu, merece reforma a sentença, no que toca ao quantum de diminuição de pena, previsto no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006, pois, nos termos do art. 59 do Código Penal e do art. 42 da Lei 11.343/2006, não se pode desconsiderar a conduta social negativa do réu, a elevada quantidade de droga apreendida em seu poder (mais de 13 Kg de pasta base de cocaína) além da sua natureza, droga da mais alta nocividade. Tais aspectos são efetivamente desfavoráveis ao condenado e recomendam a fixação da fração de redução de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, em 1/3 (um terço), pouco acima do mínimo (1/6).

 

Essa reconsideração das circunstâncias judiciais constitui bis in idem?

Temos que sim.

Com efeito, se, para a fixação da pena-base acima do mínimo legal previsto, o juiz se valeu, justamente, da natureza/quantidade da droga e da conduta desfavorável, não poderia reconsiderar tais circunstâncias num segundo momento, para efeito de aplicar a redução do art. 33, § 4°, da Lei, no mínimo legal previsto.

Aliás, se levarmos o princípio em questão às últimas consequências, teremos em realidade de reconhecer que, a rigor, os próprios pressupostos de aplicação do art. 33, § 4°, da Lei (primariedade, bons antecedentes etc.) encerram bis in idem, uma vez que já figuram também como circunstâncias judiciais para fixação da pena-base (CP, art. 59), razão pela qual teríamos de decretar a invalidade pura e simples do privilégio em causa.

De todo modo, o bis in idem é manifesto, já que houve dupla valoração das mesmas circunstâncias judiciais na individualização da pena.

Além do mais, o art. 33, § 4°, da Lei, não faz qualquer referência, nem se compreenderia que o fizesse, à natureza/quantidade da droga para efeito de avaliação do grau de diminuição de pena. Justamente por isso, a redução haverá de se valer de outros elementos, embora a lei não os refira expressamente, sempre que não impliquem dupla valoração da mesma circunstância judicial.

Incide, pois, na espécie, mutatis mutandis, a súmula 241 do Superior Tribunal de Justiça, que dispõe: “a reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial”.

Apesar disso, é de reconhecer-se que, à falta de indicação legal dos critérios que orientem, precisamente, a atividade judicial na fixação dos limites máximos e mínimos da causa de diminuição do art. 33, § 4°, da Lei, cumpre ao juiz fazê-lo com prudência, segundo a livre margem de apreciação inerente ao processo de individualização da pena. Justamente por isso, o juiz não está obrigado a aplicá-las necessariamente no máximo legal, podendo sempre se mover entre os limites máximos e mínimos previstos.

Enfim, o eventual reconhecimento de bis in idem não conduz, forçosamente, à redução da pena para o mínimo legal previsto.

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