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Execução provisória da sentença e garantismo

Como é sabido, a execução penal somente deverá ter lugar após transitar em julgado a sentença condenatória, sob pena de violação do princípio da presunção legal de inocência (CF, art. 5°, LVII, LEP, art. 105, CPP, art. 675). A doutrina e a jurisprudência têm admitido, porém, a execução provisória em favor do condenado preso preventivamente (prisão em flagrante, prisão preventiva etc.), sempre que houver trânsito em julgado para a acusação, mas pender ainda de julgamento recurso da defesa1 , admissão absolutamente legítima, uma vez que em nada ofende o princípio em causa, instituído que é histórica e constitucionalmente em favor do indivíduo. Assim, por exemplo, se o réu, condenado à pena de seis anos de prisão, já se achar preso há três anos, não seria justo que, tendo a sentença passada em julgado para o Ministério Público, que se conformara com a decisão por lhe parecer razoável, fosse prejudicado pela demora na apreciação de recurso que ele mesmo interpôs. Ademais, havendo exclusivamente recurso da defesa, não há a possibilidade legal de reforma da decisão em seu desfavor (reformatio in pejus).

A jurisprudência tem ido além, inclusive, para a admitir em prejuízo do réu solto, quando pender de julgamento recurso especial ou extraordinário, por não terem efeito suspensivo (Súmula 267 do STJ2 ). Uma tal possibilidade – execução provisória contra o réu que aguardava o julgamento em liberdade – ofende, no entanto, o princípio da presunção legal de inocência, logo inconstitucional, por isso que, estando livre o sentenciado, a expedição de mandado de prisão deverá aguardar, necessariamente, o trânsito em julgado da sentença condenatória, salvo se for justificável cautelarmente, hipótese em que reclama fundamentação expressa.

Apesar disso, não se tem permitido a execução mesmo em favor do preso provisório quando houver recurso da acusação. Pensamos, no entanto, ser perfeitamente cabível a execução provisória ainda quando isso ocorra, sempre que estiver preso provisoriamente o réu e a apelação não persiga aumento de pena, quando, v.g., insurgir-se apenas contra a parte da sentença que haja absolvido, em caso de concurso de agentes, um dos co-réus, ou, ainda, quando só objetive a absolvição ou atenuação da pena do condenado. Dito de outro modo: até no caso de a sentença condenatória pender de recurso da acusação será de todo legítima a execução provisória, desde que o recurso que haja interposto não almeje a majoração da sanção, uma vez que a sua interposição não é incompatível com a execução provisória3 . Todavia, isso só poderá ser tolerado quando estiver preso o condenado, pois do contrário deverá permanecer livre enquanto não passar em julgado a sentença, afinal numa perspectiva garantista a execução provisória somente é admissível em seu favor, nunca em seu prejuízo.

Mas mesmo na presença de recurso da acusação que objetive majorar a pena, temos ser possível, excepcionalmente, a execução provisória, quando se verificar que o eventual provimento do apelo não tiver qualquer repercussão sobre o direito que se pretende ver reconhecido (direito à progressão, ao livramento condicional etc.). Assim, por exemplo, se o Ministério Público apelar para obter a aplicação de uma causa de aumento de pena de 1/3 sobre uma condenação de seis anos, caso em que a aumentaria para oito anos, tal circunstância em nada afetará o direito à obtenção de livramento condicional se o réu, primário e sem antecedentes criminais, já houver cumprido mais de 1/2 da pena, quando lhe bastava o cumprimento de mais de 1/3 (CP, art. 83, I). Sim, porque, ainda que, provido o recurso, a pena venha a ser aumentada para oito anos, o sentenciado já teria atingido mais de 1/3 dessa nova pena, fazendo jus, portanto, ao livramento condicional. Numa palavra: somente o recurso que possa alterar a situação do sentenciado, prejudicando o reconhecimento do direito que postula especificamente, pode ter o condão de inviabilizar a execução provisória, não o impedindo apelação que em nada modifique tal situação.

Resumo de tudo: a execução provisória deverá ser admitida sempre em favor do réu preso, jamais contra ele, quando: a)houver trânsito em julgado para a acusação, mas pender de julgamento recurso da defesa; b)o recurso da acusação visar à melhora da situação do réu; c)o recurso da acusação objetivar a majoração da pena, mas o seu possível resultado não tiver qualquer repercussão sobre o direito especificamente postulado pelo condenado. Contrariamente, em hipótese alguma a execução provisória deverá ser admitida em prejuízo do acusado, como, p.ex., se estiver legalmente solto. Semelhante tratamento preserva, a um tempo, os princípios da presunção de inocência e isonomia, conferindo aos condenados provisórios os benefícios já assegurados àqueles sentenciados definitivamente.

Admitida a execução provisória da sentença (LEP, art. 2°, parágrafo único), sempre em favor do condenado, não em seu desfavor, sob pena de violação do princípio da presunção legal de inocência, que é uma garantia instituída histórica e constitucionalmente em seu benefício, fará ele jus a todos os direitos previstos na Lei de Execução Penal, desde que atenda aos requisitos legais específicos: progressão de regime, remição, livramento condicional etc. Obviamente que, se no curso da execução, sobrevier acórdão que, provendo o recurso, absolva o acusado, será ele imediatamente posto em liberdade.


Notas de rodapé convertidas1. Nesse sentido, a Súmula 716 do STF dispõe: “admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória”. De modo semelhante, a Súmula 717.2. Dispõe a Súmula 267 do STJ: “a interposição de recurso, sem efeito suspensivo, contra decisão condenatória não obsta a expedição de mandado de prisão”. Há, no entanto, precedente recente do STJ, combatendo esta Súmula – HC 25.310, relator Min. Paulo Medina.

3. No sentido do texto, Sídio Rosa de Mesquita Júnior, Execução Criminal, S. Paulo, Atlas, 2005.

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