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Direito e analogia

É comum dar-se à analogia, no direito e fora dele, tratamento secundário, por se pressupor, em geral, que o meio mais apropriado para a interpretação/aplicação do direito é a subsunção, em nome da segurança jurídica principalmente. Afirma-se assim que a analogia só é admitida no direito penal quando for para beneficiar o réu (in bonam partem), jamais para prejudicá-lo (in malam partem); distingue-se ainda analogia de interpretação analógica, que seriam institutos distintos.

Ocorre, no entanto, que, se, conforme vimos, um conceito surge da postulação de identidade de coisas não idênticas, força é convir que a analogia não constitui um elemento acidental, mas essencial ao conhecimento, porque os juízos sobre o belo, o justo ou o legal são construídos em verdade a partir de comparações, de analogias, isto é, recorrendo-se, conscientemente ou não, a experiências (sempre novas) de beleza, de justiça e de legalidade, uma vez que algo é belo, justo ou legal em relação (comparação) a alguma outra coisa. Nossos juízos de valor são juízos analógicos.

Significa dizer que a analogia está assim subjacente a nossos juízos éticos, estéticos, jurídicos etc., ainda quando dele não nos apercebemos, de modo que, quando afirmamos, por exemplo, que algo ou alguém é bom ou ruim, partimos sempre de nossas referências/experiências (permanentemente em mutação) sobre tais assuntos; e se eventualmente somos questionados ou contestados sobre o juízo que expressamos a esse respeito, não raro dizemos que “não tem comparação”, “é incomparável”, “não há nada igual” etc.

Exatamente por isso, isto é, formamos nossos juízos a partir de experiências analógicas, é que, com freqüência, o que antes julgávamos belo ou justo julgamos agora feio ou ultrapassado ou injusto e vice-versa. É que mudam nossos objetos de comparação, mudam as nossas experiências, mudam os nossos juízos sobre as coisas, mudamos enfim nós mesmos. Naturalmente que isso não significa que coisas antigas se tornem necessariamente piores ou desinteressantes com o passar do tempo, embora possam se tornar ultrapassadas (v.g., arquitetura, veículos etc).

Mas a analogia é essencial ao conhecimento, jurídico em especial, por um outro motivo: ao recorrerem, na fundamentação de suas decisões, a precedentes judiciais ou doutrina, juizes e tribunais, a pretexto de fazerem subsunção, se valem em realidade de analogia, pois as situações em comparação nunca são idênticas, mas mais ou menos semelhantes. Dito de outro modo: os precedentes e situações a que se referem nunca são absolutamente iguais nem absolutamente desiguais, e sim, mais ou menos análogos; e quando as semelhanças prevalecem sobre as dessemelhanças – e isso requer um juízo de valor sempre questionável -, damos-lhe tratamento unitário; caso contrário, damos-lhe solução diversa. Exemplo: o fato de alguém se assenhorear de coisa alheia se assemelha ao furto, à apropriação indébita, ao estelionato etc.; se julgamos que, comparado a outros tantos casos similares, o mais adequado é considerá-lo como uma forma de furto é porque as suas características o aproximam mais deste do que dos outros tipos legais de crime.

Por isso que os casos habituais de subsunção são em verdade casos de analogia, pois, conforme assinala Arthur Kaufmann, só se poderia separar logicamente subsunção e analogia, se existisse uma fronteira lógica entre igualdade e semelhança, mas tal fronteira não existe, porque a igualdade material é sempre mera semelhança e a igualdade formal não ocorre na realidade existindo apenas no domínio dos números e sinais matemáticos(lógico-formais)1.

Mas não só juízes e tribunais recorrem, explícita ou implicitamente, à analogia. Com efeito, também o legislador dela se vale, porque a feitura de uma lei é um processo de equiparação entre a idéia de direito e as possíveis futuras situações da vida, sendo que a determinação do direito é um processo de equiparação entre a norma legal e a situação de fato real2.

Por fim, não faz sentido falar de interpretação analogia, por se tratar de mais um caso de analogia.

NOTAS

    1 Filosofia do Direito, cit., p. 186.
    2 Filosofia do Direito, idem, p. 187.

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