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Prescrição de crime permanente que permanece?

Texto escrito por Giovane Santin e Paulo Queiroz

Nos crimes permanentes, cuja consumação se dilata no tempo enquanto persiste a violação ao bem jurídico por decisão do autor do fato típico, a contagem do prazo prescricional da pretensão punitiva só tem início a partir da cessação da permanência (CP, art. 111, III).

Pode ocorrer, porém, de a atividade criminosa perdurar mesmo após a instauração do inquérito policial ou do processo penal. Assim, por exemplo, se no sequestro ou na extorsão mediante sequestro, o crime persistir mesmo após a prisão em flagrante de alguns dos autores do delito.

Qual será então o termo inicial da prescrição da pretensão punitiva? Ou é irrelevante a instauração da investigação ou do processo penal?

O tema é dos mais controvertidos na doutrina e na jurisprudência.

De acordo com a jurisprudência dominante, somente a instauração do processo penal (não a investigação) é capaz de interromper a permanência do delito, mais exatamente a decisão de recebimento da denúncia/queixa, pois constitui causa interruptiva do prazo prescricional (CP, art. 117, I), razão pela qual há de regulá-la na hipótese de não cessação da permanência[1]. Aqui, portanto, o termo inicial da prescrição coincidiria com a sua interrupção legal.

Apesar disso, a permanência pode configurar novo crime, que deverá ser investigado e processado na forma da lei. Haveria aqui concurso material de crimes. Em tese, poder-se-ia até cogitar de continuidade de crime permanente (CP, art. 71), já que, embora sejam classificações distintas, não são incompatíveis.

No entanto, há precedente do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a instauração do inquérito policial (não só o recebimento da denúncia/queixa) implica a cessação da permanência para fins prescricionais quando a situação concreta de fato evidencia que a instauração do inquérito policial coincidiu com a ruptura, no tempo, da permanência da atividade criminosa: é o que sucederá, particularmente, quando o procedimento policial tenha origem na prisão em flagrante dos agentes”.[2]

De modo diverso, o STF já decidiu também, quanto ao crime de sequestro ou desaparecimento forçado de pessoas, que, se as vítimas jamais forem encontradas com ou sem vida, o prazo prescricional não corre, pois não se pode concluir pela cessação da atividade criminosa[3].

Por sua vez, Ney Fayet Júnior considera que nada disso é juridicamente relevante para fins prescricionais, pois nem o inquérito nem o processo são capazes de fazer cessar a permanência e dar início à contagem do prazo prescricional se o agente continuar praticando o crime. Para Fayet Júnior, o que de fato importa é o dia em que findar a permanência com a cessação da atividade criminosa.[4]

Temos que, se, por um lado, não é possível falar de cessação da atividade criminosa, já que o crime de fato persiste, por outro, não se pode ignorar que a decisão de recebimento da denúncia/queixa constitui causa legal de interrupção da prescrição. Assim, o termo inicial da prescrição deverá ser a data do recebimento da denúncia/queixa, relativamente às infrações objeto da denúncia/queixa.

Por fim, temos que, no caso de coautoria ou de participação (CP, art. 29), como no exemplo inicialmente dado, a cessação da atividade criminosa relativamente a alguns dos coautores ou partícipes do crime implicará o início do prazo prescricional para estes, qualquer que seja o motivo da cessação da permanência: prisão em flagrante, acordo de colaboração premiada etc., ainda que o delito persista quanto aos demais agentes, sob pena de violação ao princípio da responsabilidade penal pessoal ou intranscendência. Aqui teríamos dois termos iniciais distintos: o termo inicial para os investigados/acusados que já foram presos etc., e aquele para os autores que permanecerem na prática do crime. O mesmo ocorreria, mutatis mutandis, em relação às causas interruptivas, suspensivas da prescrição etc.

[1] EDcl no REsp 1459944/SC, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 28/06/2016, DJe 01/08/2016. No mesmo sentido: SCHMIDT. Andrei Zenkner. Da Prescrição Penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 79.

[2] HC 71368, Relator: Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgado em 06/12/1994, DJ 03-03-1995.

[3] Conforme informativo 627, de 20 de maio de 2011.

[4] Ney Fayet Júnior (Coord.), Karina Brack. Prescrição Penal: temas atuais e controvertidos: doutrina e jurisprudência. Volume 2. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 124 e 126.

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