Honra objetiva e subjetiva?

5 de dezembro de 2012

      A doutrina constuma distinguir honra objetiva e honra subjetiva; a primeira é a imagem (reputação social) que as pessoas fazem do indivíduo; a segunda é o conceito que o próprio sujeito tem de si.

 

Todavia, uma tal diferenciação carece de fundamento, quer porque a lei não faz distinção no particular, quer porque a honra compreende tanto o sentimento objetivo quanto o subjetivo sobre a dignidade. Além disso, o que se quer realmente proteger penalmente é a pretensão de respeito à honra, inerente à própria personalidade, razão pela qual a separação resulta artificial e desnecessária.

 

Como bem observa Heleno Cláudio Fragoso, essa distinção esquemática não existe, porque em quaisquer dos crimes contra a honra o que se atinge, em suma, é pretensão ao respeito, interpenetrando-se os aspectos sentimentais e ético-sociais da honra.1

 

No mesmo sentido, Cezar Roberto Bitencourt afirma que “não nos parece adequado nem dogmaticamente acertado distinguir honra objetiva e subjetiva, o que não passa de adjetivação limitada, imprecisa e superficial, na medida em que não atinge a essência do bem juridicamente protegido.”2

 

Aliás, a maior prova da desrazão dessa distinção entre honra objetiva e subjetiva reside no seguinte: mesmo que o indivíduo tenha a reputação social de um canalha e ele, inclusive, considere-se como tal, ainda assim fará jus à proteção legal da honra, quer porque não existem pessoas absolutamente desonradas ou absolutamente vis, quer porque a Constituição assegura-lhe a inviolabilidade, quer porque a negação da honra em caráter absoluto importaria em grave violação da dignidade humana. Afinal, tratar-se-ia a pessoa humana, não como pessoa mesma, mas como coisa, como res.3

 

Ademais, raramente admitimos que outras pessoas falem de nós o que nós mesmos pensamos a nosso respeito.

 

Em suma, apesar de a ação penal depender, como regra, de iniciativa do ofendido, e é de todo razoável quem assim seja, a proteção constitucional da honra não está juridicamente condicionada nem à imagem que o indivíduo faz de si mesmo, nem à sua reputação social.

 

Consequentemente, é infundada a afirmação (comum na doutrina) de que a calúnia e a difamação ofendem a honra objetiva e que a injúria viola a honra subjetiva, mesmo porque tais delitos atingem o indivíduo exatamente da mesma forma e causam o mesmo desconforto e sofrimento moral.

 

Também por isso, não faz sentido algum condicionar, como pretende a doutrina, a consumação dos crimes de calúnia e difamação à circunstância de a imputação desonrosa chegar imperiosamente ao conhecimento de terceiro, que não a própria vítima da ofensa.4

 

1

Lições, cit., p. 129-130.

 

2

Tratado de Direito Penal, v.2. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 281.

 

3

Como escreve Aníbal Bruno, a honra, que o direito penal protege contra a ofensa ou ameaça, é um bem jurídico que se atribui a todo homem, bem imaterial, incorporado à sua pessoa, variável segundo condições individuais e sociais, que pode ser diminuído, mas não de todo eliminado (…). Medidas punitivas como a declaração de infâmia ou a morte civil, com a desonra e a perda total da capacidade jurídica, não se conciliam com o direito moderno. Por mais baixo que tenha caído o indivíduo, haverá sempre em algum recanto do seu mundo moral um resto de dignidade, que a calúnia, a difamação ou a injúria poderão ofender e que o direito não deve deixar ao desamparo. Crimes contra a pessoa. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1979, p.272 e 274..

 

4

Exceção a isso é Heleno Cláudio Fragoso que afirma, quanto à difamação, “o crime se consuma desde que a imputação desonrosa chegue ao conhecimento do ofendido ou de qualquer outra pessoa”, Lições, cit., p. 137.

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7 Comentários

  1. Prezado Dr. Paulo, interessante a discussão e concordo que independe, em termos, de ser difamado para mim ou outrem.
    Consideremos a seguinte situação (claro que de uma possibilidade de ocorrência quase nula):
    A, homem, vai a um recinto fechado com luzes coloridas controlados por um dimer, com B, mulher. No entanto, após os procedimentos iniciais, percebe que o essencial para a consumação do ato (ver seu membro erétil) não ocorre.
    Diante disso, temos duas situações
    1) B, utilizando uma alcunha por demais perversa, diz: -Nossa! Você é brocha!
    2) B, utilizando uma alcunha por demais perversa, diz, AGORA PARA TODOS OS CONHECIDOS EM COMUM: -Nossa! Ele é brocha!
    Nas duas situações a honra de A foi ofendida. Há crime em alguma delas, considerando que o fato é verdade? Haveria alguma diferenciação quanto ao enquadramento penal?

  2. Dr.º Paulo Queiroz,

    Acabei de adquirir teu livro de Direito Penal – Parte Geral, 8ª Ed. e não consigo parar de ler! És a um tempo um técnico de primeira, mas um escritor de primeira tb. Fui, em tempos idos, aluno do prof. Álvaro Mayrink e junto com alguns outros poucos já te coloquei neste conjunto, que para mim é uma faixa especial. Parabéns.
    Conquanto o tema aqui revelado, sempre tive esta questão comigo, em qualquer das searas do direito, inclusive. Tentando criar simetrias, tivemos a oportunidade de analisar a obra de direito civil Do Negócio Jurídico do saudoso professor Antonio Junqueira de Azevedo, e nesta obra ele apresenta uma tese, com espeque na doutrina alemã, com a qual concordo totalmente, de que no decorrer da relação contratual não apresenta nenhum significado prático a questão da vontade das partes, mas tão somente a importância histórica de que não ocorreu vício de consentimento na origem da avença. Trata esta tese exatamente de que o elemento subjetivo seria absorvido pelo objetivo que é a regular relação contratual, ainda que com crise posterior a emissão da vontade. No caso em tela a simetria me parece perfeita, uma vez que a também a ofensa tem gradação que vai do mais subjetivo ao mais objetivo, não somente a honra, ou seja o objeto jurídico agredido, e a importância do tema perpassa, como sempre pelos subprodutos do princípio da intervenção mínima, com a qual o julgador, por último na cadeia processual questionadora, se perguntará se a honra e a ofensa tomaram vulto necessário a ser considerada justa causa para a ação penal. Neste sentido, completamente desarrazoado se pretender cindir tanto a honra como a ofensa em elementos subjetivos e/ou objetivos improváveis, em verdade. Sempre que terceiro observa, deverá dar a maior objetivação possível, posto que os elemento anímico é instantâneo e mutável e, pior, de interpretação ainda mais volúvel. Assim, entendo que a apreensão do dano social da ofensa é que deveria ser até mesmo periciada para se poder determinar de forma objetiva se a extensão do dano é compatível com a tutela penal. com isto, outra similitude com a teoria civil preteritamente apontada, a de que, a vontade do agente, como a honra subjetiva que moveu a vítima á ação penal, somente podem dar início à demanda, mas não tem como basear o julgamento de mérito.

  3. Caro Marcos André: muitíssimo obrigado pela mensagem; fico feliz que esteja gostando do livro. A analogia com o direito civil jamais me ocorrera. Vou refletir a respeito. Espero conhecê-lo em breve. Abraço, Paulo Queiroz.

  4. Concordo plenamente com o Sr., prof. Paulo Queiroz. Não há que se fazer distinção entre honra subjetiva ou objetiva, porquanto independentemente do grau de lesão sofrido pelo sujeito, o que o Direito Penal e a Constituição Federal visam resguardar é a sua dignidade humana. Destarte, com espeque nos fundamentos aduzidos na nossa carta maior, deve-se conferir integral proteção aos direitos da personalidade do sujeito, sendo desnecessária a discussão acerca do atributo subjetivo/objetivo.

  5. Muito bom o artigo, entretanto, ainda me confundo em relacão a diferenca prática, ou seja, gostaria de pubkicacões de exemplos de difamacão e injúria. Por exemplo pode haver casos que representem difamacão e injúria ao mesmo tempo. Chamar alguém de maconheiro é difamacão ou injúrria.

  6. DR. PAULO

    MEUS CUMPRIMENTOS PELO BELÍSSIMA E ELOQUENTE RESENHA, NO ENTANTO HÁ QUESTIONAMENTO QUE FIQUEI UM TANTO CURIOSA.

    SE UMA PESSOA COM ANTECEDENTES CRIMINAIS, SE É DE CONHECIMENTO GERAL, E O MESMO NÃO TEM UMA BOA CONDUTA. E OUTREM O DIFAMA, SEI QUE NÃO SE ENQUADRA COMO INJÚRIA. A PRÁTICA DO OUTREM SERIA MESMO DIFAMAÇÃO

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