De acordo com a doutrina, a consumação dos crimes de calúnia e difamação dá-se quando o fato imputado chega ao conhecimento de terceiro, não bastando, para tanto, que só o ofendido saiba da ofensa que lhe é feita. O mesmo não ocorreria com a injúria, que se consumaria tão logo o fato chegasse ao conhecimento da própria vítima ou de terceiro.
Esse entendimento tem como pressuposto a já assinalada distinção entre honra objetiva e honra subjetiva: a calúnia e a difamação ofenderiam a primeira, logo, dependeriam, para consumarem-se, do conhecimento de terceiro; já a injúria atingiria a segunda e, portanto, bastaria que a própria vítima ou terceiro dela tivesse ciência.
Nesse exato sentido, escreve Hungria: “a calúnia se consuma desde que a falsa imputação é ouvida, lida ou percebida por uma só pessoa que seja, diversa do sujeito passivo”. Aliás, é curioso que mesmo Cezar Roberto Bitencourt, que combate a distinção entre honra objetiva e subjetiva, insista nesse aspecto:
É indispensável que a imputação chegue ao conhecimento de outra pessoa que não o ofendido, pois é a reputação de que o imputado goza na comunidade que deve ser lesada, e essa lesão somente existirá se alguém tomar conhecimento da imputação desonrosa. Com efeito, a reputação de alguém não é atingida e especialmente comprometida por fatos que sejam conhecidos somente por quem se diz ofendido. A opinião pessoal do ofendido, a sua valoração exclusiva, é insuficiente para caracterizar ao crime de difamação, pois, a exemplo da calúnia, não é o aspecto interno da honra que é lesado pelo crime.1
Não estamos de acordo com isso, porque, conforme vimos, a mencionada distinção entre honra objetiva e subjetiva é inconsistente.
Primeiro, porque, para fins de proteção da honra, o que importa, em princípio, não é o que um grupo de pessoas pensa do indivíduo ofendido, que, embora importante, é secundário, nem a verossimilhança e lesividade da ofensa que lhe é feita, mas o juízo que a própria vítima faz de si mesmo e como reage à imputação desonrosa que recai sobre ele.
Como observa Tomás S. Vives Antón e outros, “assentada a ideia de que a honra interna, como dignidade da pessoa, é o fator determinante da proteção jurídica, desencadeia o que García-Pablos denominou um processo de socialização do conceito de honra. A honra é assim reconhecida a toda pessoa pelo só fato de ser pessoa e se desliga, por força do princípio da igualidade, das concepções aristocráticas, plutocráticas ou meritocráticas. As peculiaridades representadas pela linhagem, posição social e econômica ou os méritos perderam a importância que tiveram no passado. O direito à honra, tal como o configura a Constituição, corresponde a todos e há de ter, por conseguinte, um conteúdo geral”.2
Segundo, porque, se a consumação é a realização integral dos elementos do tipo, pouco importa, para tanto, se o crime, seja ele qual for, chegou ou não ao conhecimento de terceiro. E mais: somos todos perfeitamente caluniáveis, difamáveis e injuriáveis independentemente dessa circunstância.
E, do ponto de vista de quem sofre a desonra, é de todo irrelevante a classificação jurídico-penal dada aos fatos, que constitui uma questão técnica de somenos importância. Aliás, nem sempre é fácil distinguir, no caso concreto, um delito de outro, sobretudo a difamação da injúria.
Finalmente, se é possível a consumação do delito mesmo quando a vítima ignore eventualmente a ofensa que lhe é feita, não se compreenderia porque a consumação não ocorresse quando a própria vítima tivesse direto e pessoal conhecimento do ato desonroso.
A publicidade do fato desonroso não é, pois, um elemento essencial, mas acidental dos crimes contra a honra.
Finalmente, se tais delitos são formais, conforme é corrente na doutrina, que, por isso, consumam-se independentemente de efetivo dano à honra, carece de fundamento, também por isso, semelhante exigência.
Consequentemente, a consumação da calúnia e da difamação não pode ficar condicionada ao conhecimento do fato por terceiro. Basta, com efeito, que a própria vítima ou qualquer outra pessoa tenha ciência da ofensa sofrida para que o delito se realize plenamente.
Nesse exato sentido, escreve, aliás, Francisco Muñoz Conde, a propósito dos crimes de injúria e calúnia previstos no Código Penal espanhol (arts. 208, 1 e 205):
Para a sua consumação, a injúria tem que chegar ao conhecimento do injuriado; cabe, portanto, a tentativa, sobretudo nas injúrias por escrito. Se se considera, ao contrário, que não faz falta esse conhecimento, o delito se consuma com a mera exteriorização da injúria, sendo suficiente que haja chegado aos ouvidos dos demais, ainda que não sabia ainda o injuriado. Creio preferível a primeira opinião. O delito se consuma, em princípio, quando a injúria chega a ser conhecida pleo injuriado.3
Quanto à calúnia, que o autor considera uma forma agravada de injúria, a consumação se daria exatamente do mesmo modo.4
Em suma: para nós, a calúnia, a difamação e a injúria consumam-se exatamente da mesma forma: quando qualquer pessoa, o ofendido, inclusive, toma conhecimento do ato ofensivo ou desonroso. Assim, por exemplo, quem envia emails a outrem, imputando-lhe fatos caluniosos, difamatórios ou injuriosos, caluniando-o, difamando-o ou injuriando-o gravemente, consuma tais delitos tão logo cheguem ao conhecimento da própria vítima ou de terceiro.
A tentativa é possível, mas dificilmente assumirá relevância jurídico-penal.
Não o é, porém, quando se tratar de calúnia, difamação ou injúria na forma verbal, porque ou as palavras ofensivas são proferidas, e o delito estará consumado, ou tal não ocorre, e crime alguma haverá.
A lição de Carrara permanece atualíssima no particular:
Na injúria verbal não é possível cogitar de tentativa porque é impossível imaginar um começo de execução anterior à consumação e que subsista sem ela, requisito que é comum a todos os delitos cometidos por meio da palavra, pois, ou são proferidas as palavras injuriosas e o delito estará consumado, ou ainda não o foram e então não há tentativa punível, quer dizer, porque ainda não foi exteriorizada a intenção por meio de um ato executivo adequado, já que o agente se deteve por sua própria vontade.5
Tratado, cit., p. 304.
2Cit., p. 337.
3Programa de derecho penal, cit., p.302.
4Idem, p.307.
Derecho Penal, parte especial, v. 5, p. 193-194. Bogotá: Temis, 1973.