Consumação e tentativa nos crimes contra a honra

18 de dezembro de 2012

De acordo com a doutrina, a consumação dos crimes de calúnia e difamação dá-se quando o fato imputado chega ao conhecimento de terceiro, não bastando, para tanto, que só o ofendido saiba da ofensa que lhe é feita. O mesmo não ocorreria com a injúria, que se consumaria tão logo o fato chegasse ao conhecimento da própria vítima ou de terceiro.

Esse entendimento tem como pressuposto a já assinalada distinção entre honra objetiva e honra subjetiva: a calúnia e a difamação ofenderiam a primeira, logo, dependeriam, para consumarem-se, do conhecimento de terceiro; já a injúria atingiria a segunda e, portanto, bastaria que a própria vítima ou terceiro dela tivesse ciência.

Nesse exato sentido, escreve Hungria: “a calúnia se consuma desde que a falsa imputação é ouvida, lida ou percebida por uma só pessoa que seja, diversa do sujeito passivo”. Aliás, é curioso que mesmo Cezar Roberto Bitencourt, que combate a distinção entre honra objetiva e subjetiva, insista nesse aspecto:

É indispensável que a imputação chegue ao conhecimento de outra pessoa que não o ofendido, pois é a reputação de que o imputado goza na comunidade que deve ser lesada, e essa lesão somente existirá se alguém tomar conhecimento da imputação desonrosa. Com efeito, a reputação de alguém não é atingida e especialmente comprometida por fatos que sejam conhecidos somente por quem se diz ofendido. A opinião pessoal do ofendido, a sua valoração exclusiva, é insuficiente para caracterizar ao crime de difamação, pois, a exemplo da calúnia, não é o aspecto interno da honra que é lesado pelo crime.1

Não estamos de acordo com isso, porque, conforme vimos, a mencionada distinção entre honra objetiva e subjetiva é inconsistente.

Primeiro, porque, para fins de proteção da honra, o que importa, em princípio, não é o que um grupo de pessoas pensa do indivíduo ofendido, que, embora importante, é secundário, nem a verossimilhança e lesividade da ofensa que lhe é feita, mas o juízo que a própria vítima faz de si mesmo e como reage à imputação desonrosa que recai sobre ele.

Como observa Tomás S. Vives Antón e outros, “assentada a ideia de que a honra interna, como dignidade da pessoa, é o fator determinante da proteção jurídica, desencadeia o que García-Pablos denominou um processo de socialização do conceito de honra. A honra é assim reconhecida a toda pessoa pelo só fato de ser pessoa e se desliga, por força do princípio da igualidade, das concepções aristocráticas, plutocráticas ou meritocráticas. As peculiaridades representadas pela linhagem, posição social e econômica ou os méritos perderam a importância que tiveram no passado. O direito à honra, tal como o configura a Constituição, corresponde a todos e há de ter, por conseguinte, um conteúdo geral”.2

Segundo, porque, se a consumação é a realização integral dos elementos do tipo, pouco importa, para tanto, se o crime, seja ele qual for, chegou ou não ao conhecimento de terceiro. E mais: somos todos perfeitamente caluniáveis, difamáveis e injuriáveis independentemente dessa circunstância.

E, do ponto de vista de quem sofre a desonra, é de todo irrelevante a classificação jurídico-penal dada aos fatos, que constitui uma questão técnica de somenos importância. Aliás, nem sempre é fácil distinguir, no caso concreto, um delito de outro, sobretudo a difamação da injúria.

Finalmente, se é possível a consumação do delito mesmo quando a vítima ignore eventualmente a ofensa que lhe é feita, não se compreenderia porque a consumação não ocorresse quando a própria vítima tivesse direto e pessoal conhecimento do ato desonroso.

A publicidade do fato desonroso não é, pois, um elemento essencial, mas acidental dos crimes contra a honra.

Finalmente, se tais delitos são formais, conforme é corrente na doutrina, que, por isso, consumam-se independentemente de efetivo dano à honra, carece de fundamento, também por isso, semelhante exigência.

Consequentemente, a consumação da calúnia e da difamação não pode ficar condicionada ao conhecimento do fato por terceiro. Basta, com efeito, que a própria vítima ou qualquer outra pessoa tenha ciência da ofensa sofrida para que o delito se realize plenamente.

Nesse exato sentido, escreve, aliás, Francisco Muñoz Conde, a propósito dos crimes de injúria e calúnia previstos no Código Penal espanhol (arts. 208, 1 e 205):

Para a sua consumação, a injúria tem que chegar ao conhecimento do injuriado; cabe, portanto, a tentativa, sobretudo nas injúrias por escrito. Se se considera, ao contrário, que não faz falta esse conhecimento, o delito se consuma com a mera exteriorização da injúria, sendo suficiente que haja chegado aos ouvidos dos demais, ainda que não sabia ainda o injuriado. Creio preferível a primeira opinião. O delito se consuma, em princípio, quando a injúria chega a ser conhecida pleo injuriado.3

Quanto à calúnia, que o autor considera uma forma agravada de injúria, a consumação se daria exatamente do mesmo modo.4

Em suma: para nós, a calúnia, a difamação e a injúria consumam-se exatamente da mesma forma: quando qualquer pessoa, o ofendido, inclusive, toma conhecimento do ato ofensivo ou desonroso. Assim, por exemplo, quem envia emails a outrem, imputando-lhe fatos caluniosos, difamatórios ou injuriosos, caluniando-o, difamando-o ou injuriando-o gravemente, consuma tais delitos tão logo cheguem ao conhecimento da própria vítima ou de terceiro.

A tentativa é possível, mas dificilmente assumirá relevância jurídico-penal.

Não o é, porém, quando se tratar de calúnia, difamação ou injúria na forma verbal, porque ou as palavras ofensivas são proferidas, e o delito estará consumado, ou tal não ocorre, e crime alguma haverá.

A lição de Carrara permanece atualíssima no particular:

Na injúria verbal não é possível cogitar de tentativa porque é impossível imaginar um começo de execução anterior à consumação e que subsista sem ela, requisito que é comum a todos os delitos cometidos por meio da palavra, pois, ou são proferidas as palavras injuriosas e o delito estará consumado, ou ainda não o foram e então não há tentativa punível, quer dizer, porque ainda não foi exteriorizada a intenção por meio de um ato executivo adequado, já que o agente se deteve por sua própria vontade.5

1

Tratado, cit., p. 304.

2Cit., p. 337.

3Programa de derecho penal, cit., p.302.

4Idem, p.307.

5

Derecho Penal, parte especial, v. 5, p. 193-194. Bogotá: Temis, 1973.

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6 Comentários

  1. Grandioso Dr. Paulo excelente tema tratado pelo senhor, quero desejar um ano repleto de paz, harmonia, que todos seus objetivos venham ser realizado!
    Forte abraço LGOB .

  2. Dr. Paulo.

    Bom dia,

    Estou separada do meu marido mas nos damos bem mesmo após a separação. A separação aconteceu principalmente por causa dos inúmeros ataques que sofri durante 14 anos da família dele que é cujo os membros são todos mulheres, tipo ex mulher, filha, mãe e duas irmãs solteironas, sofri ataque de todas, no momento estou passando uns dias na minha ex casa onde ele ficou morando e elas estão sabendo que estou aqui, procurei nesses anos todos nunca me igualar a elas não sendo jamais desrespeitosa com elas, mas elas sentem muita raiva de mim porque nunca dei confiança a elas, mas na verdade tudo passou do limite eu não aguentei mais cinco pessoas lutando para que eu me separasse, fiquei até mesmo doente, com síndrome do pânico, um stress absurdo, insônia, e depressão, tomo medicamentos para o pânico e depressão. durante esses dias que estou na minha ex casa com o meu ex marido que sempre ficou dividido mas diz que me ama, aconteceu uma chuva muito forte aqui no Rio dia 16/01/ 2014 e ele ficou na rua sem conseguir chegar em casa, fiquei muito nervosa por esse motivo e também por causa dos raios e o telefone convencional não parava de tocar então resolvi atender e falei alo, alo, de repente do outro lado da linha uma mulher completamente irada falou quem é a puta que está ai? isso aos gritos eu reconheci a voz era a irmã de mais velha, eu respondi Valéria aqui não tem nenhuma puta e me respeite, ela desligou na minha cara não falou mais nada, eu liguei para a outra irmã dele e falei o que ela havia feito, e ela ficou quieta, logo que o meu ex chegou contei para ele, ele ligou para a Valéria mas ela fugiu dele, nos dois passamos mal por conta disso. ambos nem conseguimos dormir direito mesmo com calmante. O que posso fazer judicialmente contra esse tipo de abuso? pois não temos paz.

    Grata.

    Ione.

  3. ola dr paulo,venho por meio deste buscar orientacao pois ha alguns dias venho sendo vitima injuria calunia e difamacao por parte de algumas vizinhas que me seguem de carro durante minhas caminhadas, constragimento em lojas por vendedores que me seguem,o que devo fazer conta pro marido delas,levar ao conhecimento da administracao da vila pois resido em condominio fechado que por sua vez tem regras e normas.devo constituir provas , quais por favor me ajude o que devo fazer.aguardo resposta obrigada.

  4. concorri a um pleito dentro dos prazos legais. OUTRO morador instigado pelo rep.do cons.fiscal nao se inscreveu dentro do prazo e foi pedir ao sindico q abrisse p que ele concorresse comigo.
    durante reuniao, eles juntaram um grupo e o juridico do condoninio disse q eu era a candidata unica.Entrei com recurso. .E com recurso e o juridico deu seu parecer. Agora se eles quiserem terao que procurAR a justica.

    No dia da minha posse, o respresentante do conselho fiscal encabeçou um abaixo assinado cujo cabeçalho afirmava:contra a posse da sindica fulana.
    Eu me senti envergonhada por causa de tanta confusaõ.Não fiz nada e me senti constrangida. Durante essa assembleia , o juru=idico afirmou q não valia nada esse abaixo assinado,Ele disse que como estava empossada iria fazer outro.Eu pergunto :o que foi q eu fiz.
    o candidato estavA TB INADINPLENTE.Enfim me senti envergonhada durante a assembleia e renunciei.Mas acho que o candidato foi instruido pelo representante do conselho fiscal,Estou c abaixo assinado e tem ate menores que assinaram,Os que não assinaram o documento me informaram que eles presionaram mesmo p que assinassem.Fui caluniada e difamada e não fiz nada,Eles alegaram democracia,Isso tudo prestes uma cirurgia, Enfim não tenho cara de sair do meu apto,

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