É comum o juiz, ao condenar o réu por tráfico de drogas, agravar a pena-base e afastar o privilégio do art. 33, §4°, da Lei n° 11.343/2006, com base no mesmo fundamento jurídico: a reincidência (CP, art. 63). Segundo o artigo 33, §4°, da Lei:
“Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa”.
A jurisprudência do STJ é no sentido de que não há bis in idem na hipótese.
Temos, porém, que, ao agravar a pena e excluir o privilégio legal com base na mesma circunstância legal – a reincidência – há, sim, bis in idem. Afinal, negar a aplicação de uma causa de diminuição de pena não deixa de ser um modo de majorá-la, ainda que de forma indireta ou reflexa. Existe aí, portanto, um duplo prejuízo ao condenado com o mesmo fundamento jurídico-penal.
Como se sabe, não é lícito punir, mais de uma vez, uma mesma conduta (ação
ou omissão) com um mesmo fundamento jurídico-penal, sob pena de violação ao princípio ne bis in idem, que tem tríplice dimensão: penal, processual e executória. O princípio está previsto, entre outros, no artigo 14, 7, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos: “Ninguém poderá ser processado ou punido por um delito pelo qual já foi absolvido ou condenado por sentença passada em julgado, em conformidade com a lei e os procedimentos
penais de cada país”. E no Pacto de São José da Costa Rica, cujo artigo. 8°, 4, diz: “O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos”.
Trata-se de proibição que resulta diretamente dos princípios da proporcionalidade e legalidade das penas, a evitar múltipla valoração e punição do mesmo fato com idêntico fundamento jurídico.
Incide, portanto, na espécie, mutatis mutandis, a Súmula 241 desse Superior Tribunal de Justiça, que dispõe: “a reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial”.
Mas, se há bis in idem, como corrigi-lo? Existem ao menos duas soluções possíveis: a)não agravar a pena na segunda fase – aqui a reincidência não incide – e negar o privilégio na terceira fase – aqui a reincidência incide; b)agravar a pena na segunda fase – aqui a reincidência incide – e reconhecer o privilégio na terceira fase – aqui a reincidência não incide.
Claramente, a solução da letra b é, em tese, mais favorável ao réu, já que, embora a pena-base seja aumentada em razão da reincidência, terá ele direito à redução de pena de 1/6 a 2/3. Dizemos em tese, porque a proposta mais benéfica dependerá do percentual de aumento que incidirá para a agravante e o privilégio concretamente.
Temos que há de prevalecer a solução mais favorável ao réu (favor rei): reconhecendo-se o privilégio legal na terceira fase e agravada a pena na segunda fase, em virtude da reincidência.
Na hipótese da letra a – menos vantajosa para o condenado – aplicar-se-ia, mutatis mutandis, a solução preconizada pela Súmula 241 desse STJ: “a reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial”. Como se vê, segundo o enunciado, a agravante prevalece sobre a circunstância judicial.
Por fim, é importante notar que o Código Penal é omisso a respeito do tema. Claramente, não é aplicável ao caso o art. 68, parágrafo único, do CP, já que aqui não há concurso de causas de aumento ou de diminuição. Eis a redação do art. 68, parágrafo único, do CP:
“No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua”.