Nem sempre a sentença transita em julgado para a acusação e defesa na mesma data. E quando houver divergência a esse respeito, a prescrição terá como termo inicial o dia em que a sentença transitou em julgado para a acusação. O dia do trânsito em julgado para a defesa é irrelevante para efeito de prescrição.
De acordo com o art. 112, I, primeira parte, do Código Penal, a prescrição da pretensão executória começa a correr do dia em que transita em julgado a sentença condenatória para a acusação.
Discute-se se esse trânsito em julgado da sentença para a acusação é a data em que precluiu o direito de a acusação apelar ou o dia do trânsito em julgado definitivo da decisão no tribunal, quando houver interposição de recurso.
Exemplo: condenado por lesão corporal grave (CP, art. 129, § 1º, a) a 4 (quatro) anos de reclusão, precluso o direito de a acusação apelar em 28/05/2000, somente o réu apela e o seu apelo é improvido pelo tribunal, ocorrendo trânsito em julgado definitivo do acórdão em 30/05/2008. O prazo prescricional é de 08 (oito) anos, nos termos do art. 109, IV, do CP.
Nesse caso, o termo inicial da condenação é aquele em que houve preclusão do direito de apelar em primeiro grau (28/05/2000) ou a data em que a sentença passou em julgado para acusação em segundo grau (30/05/2008)? Se considerarmos o primeiro termo inicial, haverá prescrição; se consideramos o segundo, não.
Pois bem, parte da doutrina tem que o termo inicial da prescrição é o dia da preclusão do direito de apelar, razão pela qual teria havido prescrição, visto que decorreram mais de 8 (oito) anos desde então.
O equívoco é evidente.
É que a prescrição da pretensão executória há de pressupor, efetivamente, o trânsito em julgado da sentença para a acusação em todas as instâncias, motivo pelo qual somente a partir do momento em que a condenação se constituir como título executivo e autorizar a execução da respectiva pena é que se poderá cogitar de prescrição.
No exemplo citado, o termo inicial da prescrição é, pois, 30/05/2008. Não houve prescrição, portanto.
Primeiro, porque, por força do princípio da presunção de inocência, ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Exatamente por isso, o cumprimento da pena não pode dar-se antes disso, embora o processo possa eventualmente comportar prisão provisória. Naturalmente que o trânsito em julgado pressupõe o exaurimento de todos os recursos possíveis da acusação e da defesa. Antes disso, não cabe falar, por conseguinte, de prescrição da pretensão executória, que exige a constituição definitiva da sentença como título executivo judicial contra o respectivo condenado.
Além disso, não faria sentido algum que, embora vedada a execução provisória da pena contra o réu, o prazo prescricional da pretensão executória pudesse fluir normalmente. E mais, não sendo possível a execução provisória da sentença pendente de recurso, não há cogitar de inércia da acusação e, consequentemente, de prescrição, a qual constitui uma pena cominada à negligência estatal.
Segundo, porque, se assim não for, estimular-se-ia a interposição de recursos com fins prescricionais e meramente procrastinatórios, quer da acusação, visando a evitar a prescrição, quer da defesa, a fim de consumá-la.
Terceiro, porque o entendimento contrário ao aqui defendido confunde, claramente, o trânsito em julgado da decisão com a simples preclusão do direito de apelar, conceitos absolutamente distintos.
Finalmente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal caminha no sentido da consolidação desse entendimento, conforme se vê do precedente abaixo (HC nº 86.125-3/SP, Relatora Min. Ellen Gracie):
(…) O que releva no caso é que, entre os marcos interruptivos da prescrição – data do crime, recebimento da denúncia, sentença condenatória recorrível –, não decorreu o prazo de prescrição da pretensão punitiva. E, na hipótese dos autos, o acórdão que confirmou a condenação foi proferido antes do prazo de dois anos contados da data da publicação da sentença condenatória, último marco interruptivo da prescrição. O aresto confirmatório da condenação, é certo, não é marco interruptivo de prescrição. Mas, se ele surge antes de fluído o prazo prescricional, que fora interrompido com o advento da sentença condenatória recorrível, não há mais cogitar de prescrição da pretensão punitiva. O órgão de segundo grau de jurisdição atuou a tempo e modo. O estado não descurou de sua função jurisdicional. Está encerrada, portanto, a fase da prescrição da pretensão punitiva. Outra fase – a da prescrição da pretensão executória – terá início. E a partir do trânsito em julgado. Recursos especiais e extraordinários eventualmente interpostos, quando muito, protrairão o início da contagem dessa nova modalidade de prescrição que tem a ver com a pretensão executória, mas não afetam, porque já exaurida, a prescrição da pretensão punitiva.
No caso, transitando em julgado em 04.11.04 a decisão monocrática que negou seguimento ao agravo de instrumento interposto contra o indeferimento do recurso extraordinário, teve início a contagem do prazo da prescrição executória. Esse prazo ainda não se encerrou. E desse tipo de prescrição não cuidou a inicial.
2. Não custa lembrar, a propósito do tem em discussão, que o trânsito em julgado, da condenação é marco divisório de suas espécies de prescrição. Com o trânsito em julgado termina a fase da pretensão punitiva. E tem início a fase da prescrição executória.
Em suma, o termo inicial da prescrição da pretensão executória é o dia do trânsito em julgado da sentença para a acusação. Mas isso não quer dizer, necessariamente, preclusão do direito de apelar, pois, ainda que tal ocorra, há sempre a possibilidade de interposição de múltiplos recursos (da acusação e da defesa) nas instâncias superiores (tribunal de justiça etc.), motivo pelo qual só depois do julgamento definitivo de todos os recursos interpostos (quando houver) é que se poderá cogitar de prescrição da pretensão executória, visto que só aí a sentença terá definitivamente transitado em julgado e se convertido em título executivo judicial em favor do Estado.
Não se deve, pois, confundir trânsito em julgado da sentença com preclusão do direito de apelar ou recorrer, visto que a prescrição da pretensão executória pressupõe irrecorribilidade da decisão e a consequente constituição do título executivo judicial, além da inércia estatal.