Discute-se se a qualificadora prevista no art. 121, §2°, I, do CP, é aplicável ao mandante e ao mandatário do homicídio ou somente ao mandatário, aquele que executa o crime.
O tema é controverso tanto na doutrina quanto na jurisprudência[PQ1] .
Temos que todos que tomam parte num crime de homicídio mediante paga ou promessa de recompensa, e não só os executores do crime, respondem pela qualificadora prevista no art. 121, §2°, I, do CP, visto que este artigo não faz distinção no particular, como se vê aqui:
Homicídio simples
Art. 121. Matar alguém:
Pena – reclusão, de seis a vinte anos.
Caso de diminuição de pena
§1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
Homicídio qualificado
§ 2° Se o homicídio é cometido:
I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe.
Como se vê da transcrição, ao qualificar o homicídio mediante paga, o Código Penal não distinguiu autor, coautor e partícipe. Disse simplesmente que o homicídio é qualificado se for cometido mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe. A lei poderia tratar diferentemente tais hipóteses, mas não o fez.
E de fato não faria muito sentido que o mandante, isto é, aquele que instiga, motiva e paga pela execução de um delito e, portanto, teve um papel fundamental no seu cometimento, tivesse um tratamento penal mais brando (homicídio simples), diferentemente dos executores, que responderiam por homicídio qualificado.
Afinal, a torpeza do motivo é a mesma para quem paga e para quem recebe pagamento para a execução de um delito, tanto é assim que o art. 62, II, IV, do CP, agrava a pena de quem “executa o crime, ou nele participa, mediante paga ou promessa de recompensa.”.
Já o art. 121, §2°, I, primeira parte, do CP, como vimos, qualifica o homicídio quando cometido “mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe”, sem fazer distinção entre autores, coautores, partícipes, executores etc. Age, pois, torpemente tanto quem paga quanto quem recebe pagamento para matar alguém.
Como se sabe, “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade” (CP, art. 29, caput), e, no caso, o grau de reprovabilidade da conduta é o mesmo para todos que participaram do crime. Por que a conduta do mandante do homicídio seria menos grave do que a do mandatário, se ambos fizeram parte do mesmo pacto macabro? Por que, por exemplo, um empresário que paga para matar sua esposa seria menos culpável do que o pistoleiro que a executa? Pagar para matar é tão grave e tão reprovável quanto matar mediante pagamento.
É importante notar que, contrariamente ao que defende parte da doutrina, não está em discussão a comunicabilidade das circunstâncias de caráter pessoal (CP, art. 30), como seria o parentesco, a reincidência etc. O que está em causa aqui é a exata interpretação do art. 121, §2°, I, do CP; tema diverso, portanto.
Justamente por isso, é irrelevante indagar se o motivo torpe é uma circunstância essencial (elementar) ou acidental do crime de homicídio, se é uma circunstância de caráter pessoal ou não.
Além disso, o tema da comunicabilidade das circunstâncias só tem lugar quando os coautores ou partícipes do crime não ostentam uma condição pessoal exclusiva do autor (v.g., ser funcionário público no peculato, ser mãe no infanticídio, ser ascendente ou descendente no homicídio etc.). Aqui, porém, o pagamento ou promessa de pagamento é comum ao mandante e ao executor do delito.
Em resumo, tanto o mandante quanto o mandatário respondem por homicídio qualificado mediante paga ou promessa de recompensa.
Nesse sentido escrevem Cézar Roberto Bitencourt, Paulo César Busato, Damásio de Jesus, Júlio Fabbrini Mirabete e Álvaro Mayrink da Costa:
Paga ou promessa de recompensa é prevista na Parte Geral do Código como agravante genérica (art. 62, VI), e, na Parte Especial, assume a condição de qualificadora na hipótese do crime de homicídio. Nos crimes contra a honra, a paga ou promessa de recompensa é excepcionalmente elevada à condição de causa de aumento de pena. Trata-se do chamado crime mercenário, que sempre revela maior torpeza do agente, tornando-o merecedor de maior reprovação penal. Nesse caso, em que a pena aplicada deve ser dobrada, mandante e executor respondem igualmente pelo crime com pena majorada. Fundamenta a majoração de pena a vileza do comportamento mercenário dos agentes. Bitencourt, Cezar Roberto. Código penal comentado – 10. ed. – São Paulo: Saraiva, 2019.
Os crimes ditos mercenários realmente merecem uma maior reprovabilidade. A agravante se dirige ao executor material do delito, àquele que se move criminosamente impelido pela ganância. Os casos de homicídio mercenário não sofrem o acréscimo da agravante, pois ela constitui uma qualificadora. Outrossim, convém lembrar que, no homicídio, diversamente do que acontece com a agravante genérica aqui estudada, a qualificadora se transmite para o mandante, para aquele que oferece a recompensa ou promove a paga. BUSATO, Paulo César. Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2013. p. 901-902. Motivo torpe é o moralmente reprovável, demonstrativo de depravação espiritual do sujeito.
Torpe é o motivo abjeto, desprezível. Ex.: matar alguém para adquirir-lhe a herança, por ódio de classe, vaidade e prazer de ver sofrer. A paga e a promessa de recompensa são motivos torpes. A paga difere da promessa de recompensa. Na paga, o recebimento é prévio, o que não ocorre na promessa de recompensa. Os dois sujeitos respondem pela forma qualificada: o que executou a conduta e o que pagou ou prometeu a recompensa. Damásio de Jesus. Parte especial: crimes contra a pessoa a crimes contra o patrimônio – arts. 121 a 183 do CP / Damásio de Jesus; atualização André Estefam. – Direito penal vol. 2 – 36. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 488.
Responde pelo crime qualificado não só quem recebe, mas também o mandante, o que paga ou promete a recompensa. Assim já se decidiu: O motivo torpe se caracteriza pela singela ocorrência de paga e, não obstante seja circunstância de caráter pessoal, comunica-se ao mandante, por ser elementar do crime (art. 30 do CP), bem como a qualquer outro coautor. Julio Fabbrini Mirabete, Renato N. Fabbrini Manual de Direito Penal Parte Especial. Arts. 121 a 234-B do CP, Volume 2, 31 ª Edição Revista e Atualizada até 31 de dezembro de 2013. São Paulo: Atlas – 2014, página 34.
No homicídio qualificado mediante paga ou promessa de recompensa elementar do tipo qualificado, é circunstância que não só atinge o accipens, mas também o solvens ou qualquer co-autor, pois o motivo torpe não é uma circunstância de caráter pessoal, comunica-se ao mandante, Por ser elementar. (…) Se há co-autoria necessária, uma vez aceito o pacto ou promessa de preço por parte do executor, os intervenientes ou mandantes responderão como co-autores de um injusto do tipo de homicídio qualificado pelo preço ou promessa remuneratória, não importando a motivação pessoal de quem manda ou de quem executa e, objetivamente, de que o injusto de homicídio foi cometido “mediante paga ou promessa de recompensa” (pouco importando o montante do preço em dinheiro ou outro bem, desde que apreciável economicamente). (…) A nosso sentir, a qualificadora do pretio pacto é aplicável aos participes, tanto ao mandante como aos mandatários, pois o preço é um elemento real e o objetivo, comunicando-se pelo mero conhecimento. Alvaro Mayrink. Direito Penal: Parte Especial – vol. 4. 6ª Ed.atual. e ampliada. Rio de Janeiro: Ed. Forense. 2008. pg.
Em sentido contrário, Heleno Cláudio Fragoso, entre outros. Para ele, a qualificação do crime mercenário se justifica pela ausência de razões pessoais por parte do executor e pelo motivo torpe que o leva ao delito, algo que não ocorre, em princípio, com o mandante, que busca a impunidade e a segurança, servindo-se de um terceiro. (Lições de direito penal. Parte especial, v. 1. Forense, 1995, 11ª edição, p. 40).
No sentido aqui proposto já decidiu o STJ:
RECURSO ESPECIAL. PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA. DECOTE DAS QUALIFICADORAS. IMPOSSIBILIDADE. PAGA OU PROMESSA DE RECOMPENSA. CARÁTER DÚPLICE. MOTIVO TORPE. VALORAÇÃO SUBJETIVA. COMPETÊNCIA DOS JURADOS. DISSIMULAÇÃO. DEFESA DA VÍTIMA. POSSÍVEL OBSTÁCULO. ANÁLISE PELO CONSELHO DE SENTENÇA. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
A qualificadora referente a paga ou promessa de recompensa possui caráter dúplice, aplicando-se tanto ao agente que promete ou efetua o pagamento quanto àquele que executa o crime. (REsp 1785797 / SP. Ministra LAURITA VAZ. SEXTA TURMA. Julgamento em 03/12/2019. DJe 17/12/2019)
PROCESSUAL PENAL E PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. VÍCIO NA QUESITAÇÃO. NULIDADE RELATIVA. PRECLUSÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ. COMUNICAÇÃO DA QUALIFICADORA DE PROMESSA DE PAGA AO AUTOR INTELECTUAL DO DELITO. POSSIBILIDADE. RECONHECIMENTO PELO CONSELHO DE SENTENÇA. FALTA DE ALEGAÇÃO DE QUE A DECISÃO DOS JURADOS FOI CONTRÁRIA ÀS PROVAS DOS AUTOS. FUNDAMENTOS INATACADOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 182/STJ. DOSIMETRIA. PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS NEGATIVAS. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE NA FIXAÇÃO DA SANÇÃO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
3. No homicídio mercenário, a qualificadora da paga ou promessa de recompensa é elementar do tipo qualificado, comunicando-se ao mandante do delito. (AgInt no REsp 1681816 / GO. Ministro Nefi Cordeiro. Sexta Turma. Julgamento em 03/05/2018. DJe 15/05/2018).