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Seis conceitos de crime

Do ponto de vista doutrinário, a infração penal pode ser definida sob seis aspectos ao menos: formal, material, formal-material, analítico, definitorial e interpretativo.

Formalmente, infração penal é somente o que a lei disser que é, já que não há crime nem pena sem lei que o defina, ex vi do princípio da legalidade. Justamente por isso é que o homicídio, o roubo e o estupro constituem crime: a lei assim os define. Do ponto de vista formal, crime é, portanto, todo fato que a lei proíbe sob a ameaça de uma pena.1

Do ponto de vista material, crime é uma conduta individual e socialmente danosa ou gravemente lesiva de bem jurídico, visto que, por implicar as maiores violências (em tese) sobre a liberdade do cidadão, segue-se que só faz sentido definir como delito condutas que não possam ser objeto (exclusivamente) de outras formas menos lesivas de prevenção e controle social, aí incluída, inclusive, a intervenção do direito público e privado.

Mas a postulação de um conceito material não significa que é possível pensar um conceito ontológico (pré-jurídico) de crime, como pretendeu o positivismo criminológico, especialmente Garofalo, que concebeu a ideia de um delito natural, que seria a “lesão daquela parte do sentido moral que consiste nos sentimentos altruístas fundamentais (piedade e probidade) segundo a medida média em que se encontram as raças humanas superiores, cuja medida é necessária para a adaptação do indivíduo à sociedade”2, como se fosse possível pensar o crime para além do tempo do espaço3.

Já o conceito formal-material, que reconhece a insuficiência dos critérios formal e material, quando considerados isoladamente, funde-os num só, para declarar, como fez Francesco Carrara, que o crime é “a infração da lei do Estado, promulgada para proteger a segurança dos cidadãos, e que resulta de um ato externo do homem, positivo ou negativo, moralmente imputável e socialmente danoso”4. O aspecto formal está (principalmente) na expressão infração da lei do Estado; e o material, no ato socialmente danoso.

Formal-materialmente, portanto, crime é uma infração especialmente lesiva ao ordenamento jurídico-penal.

E do ponto de vista analítico, que é um desdobramento do conceito formal-material, crime é um fato típico, ilícito e culpável.

Já o conceito definitorial é dado pela teoria do etiquetamento (labeling approach).

Para essa teoria, o delito, que não tem consistência material, é o resultado, não tanto da lei, mas dos processos de reação social, que constroem a conduta desviada, de modo que a conduta não é desviada em si mesma, e sim em razão de um controle social de reação e seleção. O crime é, por conseguinte, uma construção social arbitrária resultante dos processos de criminalização primária (a lei etc.) e secundária, a cargo do sistema de justiça criminal (polícia etc.).

Com efeito, de acordo com Howard Becker, “os grupos sociais criam os desvios ao fazerem as regras cuja infração constitui desvio e ao aplicarem essas regras a pessoas particulares e rotulá-las como marginais e desviantes. Desse ponto de vista, o desvio não é uma qualidade do ato que a pessoa comete, mas uma consequência da aplicação, por outras pessoas, de regras e sanções a um transgressor. O desviante é alguém a quem aquele rótulo foi aplicado com sucesso; comportamento desviante é o comportamento que as pessoas rotulam como tal”.5

Apesar de reconhecer a importância da teoria do etiquetamento e adotá-la, García-Pablos tem que ela faz depender exclusivamente da seletividade do controle social a noção de delito (eficácia construtiva do controle social), vício metodológico que impede qualquer análise teórica sobre a essência do comportamento criminal e fatores etiológicos relevantes deste.6

Finalmente, cabe falar de um conceito interpretativo de crime, reafirmando-se que não existem fenômenos criminosos, típicos, antijurídicos e culpáveis, mas uma interpretação criminalizante, tipificante, antijuridicizante e culpabilizante dos fenômenos. Fundimos aqui as contribuições de Nietzsche e Becker.

1. Aníbal Bruno, Direito Penal. Parte Geral. Tomo 1. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2003, p. 173.

2. Criminología (citado por García-Pablos, Criminologia, cit., p. 124).

3. Como assinala García-Pablos, não existe uma conduta desviada in se ou per se, nem se pode elaborar a priori um seu catálogo, pois um comportamento é definido como desviado na medida em que se aparta das expectativas sociais cambiantes, da maioria social, ou seja, a desviação não reside na conduta mesma, senão nas demais (Derecho penal, cit., p. 15).

4. Programa de derecho criminal. Parte general. Bogotá: Editorial Temis, 1978, § 21.

5. Outsiders, studies in the sociology of deviance, cap. 1, in Uma teoria da ação coletiva, trad. Márcia Bandeira de M. L. Nunes, Rio de Janeiro: Zahar, 1957, p. 53 e s.

6. Derecho penal, cit.

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