Não há ideia mais obscura, perigosa, controvertida e irracional do que Deus. Tudo foi e é praticado em nome de Deus: conquistar territórios, criar e extinguir estados e religiões, declarar a guerra e a paz, amar e odiar, escravizar e libertar.
Desde sempre houve quem combatesse em nome de Deus. Não surpreende que grupos terroristas apelem a Deus como fundamento para suas ações. O mesmo argumento foi usado nas guerras religiosas, no extermínio dos cátaros, na noite de São Bartolomeu, nas cruzadas e na inquisição.
Desde que foi criado o substantivo DEUS, a humanidade não se cansa de conjugar o verbo MATAR. Se Deus existe, tudo está permitido. Ou proibido.
Queiramos ou não, tudo é legitimável – logo, também deslegitimável – em nome de Deus.
Deus serve para praticamente tudo: aceitar uma doença incurável, conformar-se com uma vida miserável e lutar por uma vida melhor, extorquir crentes ingênuos, converter almas, chacinar “infiéis”.
Mas Deus não é fiel ou infiel, justo ou injusto, bom ou mau, pio ou ímpio, moral ou imoral. Fidelidade, justiça, bondade, piedade, moralidade são conceitos humanos, criados segundo os nossos interesses. Como atributos humanos variam no tempo e no espaço e não têm valor absoluto, mas relativo, perspectivo.
Ou bem reconhecemos que Deus não existe ou bem aceitamos que Ele – ou eles – existe, mas que nada pode ser dito – e feito – sobre Ele, contra ou favor. Em suma, Deus nada tem a ver com as nossas ações, boas ou más, que tudo fazemos por nós. Deus e o diabo são inocentes, mas não quem os invoca.
Mas Deus é um argumento poderosíssimo; e, quando mais desesperados e miseráveis são os povos e indivíduos, mais forte é o argumento divino. Não por acaso vítimas e algozes clamam pelo mesmo Deus: compartilham do mesmo desespero.
Quem nos salvará do Salvador? Como argumentar contra alguém que pratica o terror em nome de Deus? O que dizer para o adepto de uma seita que adere ao suicídio coletivo como seu juízo final?
Inútil será tentar demonstrar que nunca houve Adão e Eva ou uma torre de Babel que deu origem a todos os idiomas que conhecemos, que Deus jamais falou com Balaão por meio de um jumento, que Josué não fez o sol parar, a não ser metaforicamente. Será inútil dizer que tudo isso são fábulas, algumas incrivelmente infantis. Será inútil notar que religião é mitologia com outro nome. Que toda nova religião é um plágio de outra mais antiga, adaptada a uma nova realidade social.
Credo quia absurdum? Não é fácil dissuadir o louco de sua loucura.