A Constituição é o documento político-jurídico fundamental, e, por conseguinte, o texto jurídico-penal de maior relevância, seja porque é hierarquicamente superior a todos os demais, seja porque dispõe sobre os princípios, os limites e os fins do Estado e do Direito que o conforma. Os limites do direito penal são, portanto, os limites do próprio Estado.1 O direito penal é assim um capítulo da Constituição, um seu desdobramento.
Justamente por isso, a interpretação dos conceitos e institutos penais deve partir da Constituição, por ser o alfa e o ômega, o começo e o fim do ordenamento jurídico, e, pois, competir-lhe a fixação dos pressupostos de criação, vigência e execução do resto do ordenamento jurídico, convertendo-se em elemento de unidade.2
Os princípios estabelecem, pois, as condições de legitimação da jurisdição penal.
Para a compreensão do direito constitucional penal, é de suma importância ter-se em conta os tratados e acordos internacionais, bem como as decisões dos tribunais internacionais, notadamente quando ampliem a proteção dos direitos fundamentais (CF, art. 5°, LXXVIII, §§2° e 4°).
Os princípios penais são princípios constitucionais. A maior parte dos princípios consta explicitamente do texto constitucional, a exemplo dos princípios de legalidade, de irretroatividade e de individualização da pena. Mas outros há – implícitos – que resultam da interpretação dos valores que a própria Constituição consagra, como é o caso dos princípios de proporcionalidade e de lesividade.
Tais princípios representam limitações importantes ao poder punitivo estatal, pois constituem autênticas garantias individuais – políticas e jurídicas – oponíveis ao próprio Estado. A Constituição pretende proteger o indivíduo duplamente, portanto: por meio do direito penal e contra o direito penal.3
Como surgiram historicamente e permanecem constitucionalmente como garantias individuais – e não como garantias sociais ou estatais -, não se pode perder de vista que estão destinados à proteção do cidadão contra possíveis reações públicas ou privadas arbitrárias, e não para pretextar atuações abusivas em nome da segurança pública, da defesa social ou de outras metáforas semelhantes. Justo por isso é que a lei não pode retroagir para prejudicar o réu, embora possa retroagir para favorecê-lo.
Mas, se, por um lado, os princípios constituem limites à intervenção do Estado (função de garantia), por outro, funcionam também como condições de legitimação da intervenção penal (função legitimadora), razão pela qual tanto servem à legitimação quanto à deslegitimação do sistema penal. Não surpreende, assim, que a acusação e a defesa não raro argumentem a partir de um mesmo princípio e formulem pretensões antitéticas, inclusive, a demonstrar que o conteúdo essencial de um princípio não é dado pelo próprio princípio, mas pelos sujeitos que interpretam (caráter retórico dos princípios).
Já vimos, aliás, que as leis, assim também os princípios, a rigor nada dizem: nós é que dizemos que as leis e princípios dizem algo. Obviamente dizemos coisas muito distintas conforme as nossas necessidades, reais ou imaginárias, conscientes ou inconscientes, as quais variam tanto quanto o nosso humor. Nós somos a lei, nós somos a Constituição.
Naturalmente que a previsão, no plano formal (legal), de princípios democráticos não significa que tenhamos um direito de fato democrático, seja porque a teoria e a prática jurídica são inconfundíveis, seja porque a legislação constitui uma condição necessária, mas não suficiente, de realização dos direitos fundamentais, seja porque de nada servem ordenamentos jurídicos democráticos sem instituições, órgãos e pessoas democraticamente estruturados, comprometidos e dispostos a atuar segundo o sistema democrático, seja porque a democracia não é uma coisa, mas um conjunto de relações, permanentemente em mutação.
Cabe notar, por fim, que a Constituição, além de consagrar extensa lista de direitos e garantias individuais, prevê também mandados de criminalização e/ou penalização (art. 5º, XLI, XLII, XLIII, XLIV; 7º, X; 29-A, §§ 2º e 3º; 225, § 4º) e veda a punição de certas condutas (art. 53), isto é, estabelece mandados de não criminalização ou não penalização etc.4