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Princípio da insignificância no crime de contrabando

 

Como é sabido, o STF vem admitindo o princípio da insignificância no crime de contrabando ou descaminho sempre que o valor consolidado do tributo devido não exceder a R$ 10.000,00 (dez mil reais), com base com base na Lei nº 10.522/2002, art. 20, que previu o arquivamento das execuções fiscais de débitos de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).

 

Parece-nos, porém, que o precedente não é aplicável, em princípio, ao contrabando. Com efeito, o crime previsto no art. 334, caput, do Código Penal (contrabando ou descaminho), pode ser praticado de duas formas distintas, a saber: a) importar ou exportar mercadoria proibida (contrabando); ou b) iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria (descaminho).

 

Efetivamente, a jurisprudência (não só do STF) tem admitido a aplicação do princípio da insignificância para a segunda hipótese (descaminho) sempre que o valor do tributo devido não exceder R$ 10.000,00, nos termos do art. 20 da Lei n.º 10.522/02.

 

O mesmo, porém, não vem ocorrendo quanto à primeira hipótese (contrabando), conforme se vê abaixo:

 

PENAL. CONTRABANDO DE GASOLINA. ART. 334 DO CÓDIGO PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO APLICAÇÃO. DESCABIMENTO DA INCIDÊNCIA DA LEI Nº 11.672/2008.

  1. A hipótese versada nos autos – importação de gasolina da Venezuela – não é de descaminho, mas de contrabando, não sendo aplicável, in casu, o princípio da insignificância.

2. Manutenção do acórdão, com retorno dos autos à Presidência do Tribunal, para exame da admissibilidade do recurso especial. (grifo nosso) (ACR 200742000020502, DESEMBARGADOR FEDERAL HILTON QUEIROZ, TRF1 – QUARTA TURMA, 30/07/2010)

 

PENAL – CRIME DE CONTRABANDO – MERCADORIA PROIBIDA – ARTS. 177, III, E 238 DA CF/88, ART. 4º, III, DA LEI 9.478/97 E ART. 1º DA PORTARIA ANP 314/2001 – ART. 334, CAPUT E §§ 1º, C, E 2º, DO CÓDIGO PENAL – IMPORTAÇÃO DE GASOLINA ORIUNDA DA VENEZUELA, DESACOMPANHADA DE DOCUMENTAÇÃO FISCAL E DE PROVA DE SUBMISSÃO A REGULAR PROCEDIMENTO DE IMPORTAÇÃO, PARA FINS DE REVENDA, NO TERRITÓRIO NACIONAL – MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – INAPLICABILIDADE AO CRIME DE CONTRABANDO – DOSIMETRIA – PENA FIXADA NO MÍNIMO LEGAL.

(…) II – A elementar “mercadoria proibida”, constante da primeira parte do art. 334 do Código Penal, caracteriza o delito de contrabando e abarca a gasolina automotiva, cuja importação é proibida – por constituir monopólio da União (arts. 177, III, e 238 da CF/88 e art. 4º, III, da Lei 9.478/97) -, salvo prévia e expressa autorização da ANP – Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, concedida somente aos produtores ou importadores, tal como definido na legislação aplicável e normas regulamentadoras (Portaria ANP 314/2001, art. 1º), ex vi do disposto nos arts. 177, III, e 238 da Constituição Federal, e na Lei nº 9.478/97, vedada, assim, toda e qualquer prática informal de tal natureza, por se tratar de “mercadoria proibida”.

(…) IV – O princípio da insignificância é inaplicável ao crime de contrabando, que não se restringe ao caráter pecuniário, privilegiando-se, quanto a tal delito, a natureza da mercadoria, em detrimento de seu valor econômico. Precedentes do STJ (HC 45.099/AC, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima) e do TRF/1ª Região (ACR 2007.42.00.002546-0/RR, Rel. Desembargador Federal Cândido Ribeiro; RCCR 2004.35.00.020535-1/GO, Rel. Desembargador Federal Mário César Ribeiro; HC 2008.01.00.000054-5/AM, Rel. Desembargador Federal Hilton Queiroz).

V – Apelação provida. (grifo nosso) (ACR 200742000010296, DESEMBARGADORA FEDERAL ASSUSETE MAGALHÃES, TRF1 – TERCEIRA TURMA, 30/04/2010)

 

PENAL E PROCESSUAL PENAL. CONTRABANDO (ART. 334, § 3º, C/C ART. 29, AMBOS DO CP). CRIME CONSUMADO. TRANSPORTE AÉREO. PERDA DAS MERCADORIAS. CONSECTÁRIO LEGAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. PENA BEM APLICADA. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. NULIDADE DA SENTENÇA NÃO VERIFICADA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. APELAÇÕES IMPROVIDAS.

(…) 4. Inaplicável o princípio da insignificância, vez que a objetividade jurídica do crime de contrabando não está calcada no interesse arrecadador do Fisco, mas no direito da Administração de controlar o ingresso e saída de produtos no território nacional, visando preservar questões correlatas à segurança, saúde, proteção de indústria nacional, dentre outras.

(…) (grifo nosso) (ACR 199736000042327, JUIZ FEDERAL NEY BARROS BELLO FILHO (CONV.), TRF1 – QUARTA TURMA, 03/08/2007)

 

PENAL. PROCESSO PENAL. CONTRABANDO. GASOLINA. ART. 334, DO CÓDIGO PENAL. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. DOSIMETRIA. MAUS ANTECEDENTES NÃO CONFIGURADOS. REFORMA. PERDIMENTO DE AUTOMÓVEL. INSUBSISTÊNCIA DA SENTENÇA NESSA PARTE. APELAÇÃO CRIMINAL PARCIALMENTE PROVIDA.

  1. A importação da mercadoria apreendida – gasolina – em quantidade que vai a “Aproximadamente 370 litros do combustível gasolina” (cf. Auto de Apresentação e Apreensão de fls. 16/17), subsume-se ao delito de contrabando, e não ao de descaminho. Precedente jurisprudencial da Terceira Turma deste Tribunal Regional Federal.

(…) 3. Tratando-se a hipótese em julgamento de crime de contrabando, não há que se cogitar na não restou configuração do dolo específico consistente no ânimo de iludir, no todo ou em parte, o pagamento do imposto devido, tendo em vista que tal requisito integra o delito de descaminho.

4. No que se refere à aplicabilidade do princípio da insignificância ao caso em comento, ressalte-se, conforme acima explicitado, que os fatos narrados no presente processo não se subsumem ao delito de descaminho, mas, sim, ao de contrabando de gasolina, razão pela qual não há que se falar, in casu, na incidência do acima mencionado princípio da insignificância. Precedentes jurisprudenciais da Quarta Turma deste Tribunal Regional Federal.

(…) 9. Apelação criminal parcialmente provida. (grifo nosso) (ACR 200642000019309, DESEMBARGADOR FEDERAL I’TALO FIORAVANTI SABO MENDES, TRF1 – QUARTA TURMA, 11/09/2009)

 

 

A distinção poderia parecer à primeira vista insustentável, visto que o art. 334, caput, do CP, tratou o contrabando e o descaminho num só e mesmo artigo, inclusive com o mesmo nomen juris: contrabando ou descaminho.

 

No entanto, a distinção levada a efeito pelos tribunais é, ao menos para esse efeito específico (incidência do princípio da insignificância), legítima.

 

Primeiro, porque, diversamente do descaminho, em que o tipo pressupõe a simples sonegação dolosa de tributo, no contrabando, ao contrário, a internação do produto em território nacional é taxativamente proibida, razão pela qual é impossível apurar o valor do tributo devido.

 

Segundo, porque, diversamente do descaminho, não há como o agente pagar o tributo devido e assim obter a liberação da mercadoria apreendida.

 

Não se está a afirmar, com isso, que o crime de contrabando não possa admitir eventualmente a adoção do princípio da insignificância; mas, sim, que o parâmetro que vem servindo de base para o descaminho (R$ 10.000,00) não é aplicável no particular, em virtude de se tratar de uma fundamentação jurídica específica do descaminho.

 

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