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Princípio da correlação e aplicação da pena

O assim chamada princípio da congruência ou correlação entre acusação, defesa e sentença é uma dimensão essencial do princípio do contraditório e ampla defesa e da inércia da jurisdição (ne procedat iudex ex oficio), inerentes ao sistema de tipo acusatório garantista, determina que haja um mínimo de conformação entre acusação e sentença.

Como regra, uma vez oferecida a denúncia ou queixa e, portanto, fixado o objeto do processo penal, não é possível alterá-lo, exceto nos casos de emandatio e mutatio libelli (CPP, arts. 383/418 e 384). Ou de aditamento na forma do art. 569 do CPP.

Quando, fora dessas hipóteses, surgirem novos fatos ou novos personagens (coautores ou partícipes) durante o processo, caberá ao MP (ou querelante): a)promover a necessária investigação; b)propor uma nova denúncia; c)aditar a denúncia já oferecida na forma do art. 569 do CPP.

A denúncia ou queixa deve narrar os fatos criminosos e sua exata definição jurídico-penal, com indicação do tipo penal violado e eventuais circunstâncias qualificadoras, causas de aumento de pena e agravantes etc., devendo a sentença limitar-se aos termos da acusação. De um modo geral, o juiz não pode, por conseguinte, deferir pedidos que não constem, explícita ou implicitamente, da denúncia ou das alegações finais, sob pena de violação ao princípio da correlação.

A interpretação do que foi ou não pedido pela acusação considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé, nos termos do art. 322, §2°, do CPC, aplicável subsidiariamente à espécie.

Assim, por exemplo, se a denúncia imputa homicídio simples, o juízo não poderá pronunciar o réu por homicídio qualificado, embora possa pronunciar por homicídio simples se a denúncia atribuir homicídio qualificado. Afinal, quem pode o mais (absolver etc.), há de poder o menos (acolher parcialmente a denúncia, desclassificar o crime etc.).

Como escreve Gustavo Badaró, “separadas as funções, cabe ao juiz, somente ao juiz, apenas julgar. A função de acusar deve ser reservada a órgão distinto do juiz. Assim, não poderá o juiz iniciar o processo, sendo-lhe vedado o exercício da ação. Do ne procedat iudex ex officio deriva que o juiz não pode prover sem que haja um pedido e, como consequência, daí decorre outro princípio: o juiz não pode prover diversamente do que lhe foi pedido. O ne procedat iudex ex officio nada mais é do que corolário ou consequência do direito de ação. E, reflexo de ambos, surge a vedação de o juiz pronunciar-se sobre algo que não integrou o objeto do processo, isto é, a proibição de que o juiz profira um provimento sobre matéria que não foi trazida ao processo quando uma das partes exerceu o direito de ação; o juiz agiria de ofício e violando a regra da inércia da jurisdição” (Correlação entre acusação e sentença. São Paulo: RT, 2013, p.39).

O princípio da correlação, que é também uma dimensão do princípio da legalidade penal, presta-se, pois, a evitar excessos do poder punitivo.

É bem verdade que o art. 385 do CPP permite que o juiz reconheça agravante (CP, arts. 61 e 62) mesmo de ofício, o que é compreensível em se tratando de um Código editado em plena Ditadura Vargas (1941). No entanto, com o advento do art. 3°-A do CPP, que adota expressamente o sistema acusatório de processo penal, parece evidente que isso não pode ocorrer mais.

Se não cabe reconhecer agravante de ofício, com maior razão não é possível admitir-se causa de aumento de pena sem provocação do Ministério Público. Aliás, embora autorize a incidência de agravante, o art. 385 do CPP não chega a tolerar a aplicação de majorante sem pedido do MP.

Também por isso, não é possível reconhecer concurso de crimes (formal, material e continuidade delitiva) quando claramente o MP propuser a condenação por crime único. Nem cabe reconhecer concurso de infrações mais gravoso (concurso material) quando a acusação propõe o mais brando (continuidade delitiva).

Por fim, é preciso aplicar ao processo penal (art. 3°) o art. 10 do CPC, que veda decisões que surpreendam o réu e, pois, inviabilizem o contraditório e a ampla defesa. Ei-lo:

O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

Afinal, se o processo é procedimento realizado em contraditório (Fazzalari), cumpre efetivá-lo maximamente.

Em suma, aplicar agravante, causa de aumento de pena ou concurso material de infrações de ofício é admitir pena sem o devido processo legal e ofender o princípio da legalidade das penas.

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