De acordo com a doutrina, fato típico é toda conduta (ação ou omissão) descrita em lei como infração penal (crime ou contravenção). Tipicidade é, pois, a relação de subsunção entre um comportamento e o tipo legal de crime.[1] Matar, roubar, estuprar são fatos típicos, portanto.
Embora a definição não esteja incorreta, é extremamente restritiva; logo, imprecisa.
Com efeito, sugere que a tipicidade seja uma simples descrição ou constatação, quando, em verdade, é uma valoração complexa, que envolve aspectos dogmáticos e político-criminais.
Consequentemente, não é um ato descritivo, mas valorativo, atributivo. Não se trata de constatar algo preexistente, mas de defini-lo socialmente, por meio do processo interpretativo. Afinal, não existem fenômenos jurídicos, nem jurídico-penais, mas uma interpretação jurídica e jurídico-penal dos fenômenos. Por conseguinte, não existem fenômenos criminosos, e sim uma interpretação criminalizante dos fenômenos; e, pois, tipificante, antijuridicizante e culpabilizante. A tipicidade não é um dado, mas um constructo.[2]
Ademais, ao se decidir pela tipicidade de um fato, não se trata de subsumir uma conduta à norma, mas de fazer analogia, pois o direito não é um saber lógico, mas analógico[3]. Sim, porque nenhum crime é absolutamente igual a outro, nem absolutamente desigual, mas mais ou menos semelhante, análogo. Também por isso, o que a doutrina chama de interpretação analógica é analogia com outro nome. E, por óbvio, o que diz ser simples integração é igualmente interpretação.
Justamente por isso, o juízo sobre a tipicidade de um comportamento encerra, em verdade, uma valoração complexa, que visa a determinar, entre outras coisas: 1)o tipo ou tipos penais que incidem no caso, isto é, dar a exata definição jurídico-penal do fato, aí incluída a análise sobre se há unidade ou concurso de crimes (material, formal ou continuidade delitiva); 2)se o tipo penal de que se trata é conforme a Constituição e em que termos o é; 3)o âmbito de proteção ou de incidência do tipo, isto é, determinar o que ele de fato proíbe e não proíbe; 4)se a conduta criou um risco proibido juridicamente relevante e se houve realização desse risco no resultado (causalidade e imputação objetiva); 5)se a conduta é significativa ou não (princípio da insignificância); 6)a que título o fato é punível, se doloso ou culposo (imputação subjetiva); 7)havendo consentimento do ofendido, determinar se é válido e quais são suas consequências; 8)se incidem excludentes de tipicidade (erro de tipo etc.); 9)a condição legal do agente (autor, coautor ou partícipe); 10)se há um fato/tipo consumado ou tentado; 11)se é também aplicável à pessoa jurídica.
De acordo com a teoria dos elementos negativos, a tipicidade exigiria, ainda, a apreciação da incidência de causas de justificação (legítima defesa etc.).
Em suma, o conteúdo da tipicidade penal foi de tal modo enriquecido nos últimos tempos que talvez não seja o caso de reformulá-lo apenas, mas de substituí-lo por algo mais preciso ou mesmo aboli-lo.
[1]Segundo Francisco de Assis Toledo, “Tipo é a descrição abstrata da ação proibida ou da ação permitida” e “a tipicidade é a subsunção, a justaposição, a adequação de uma conduta da vida real a um tipo legal de crime”. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 84.
[2]Paulo Queiroz. Curso de direito penal – parte geral. Salvador: Editorajuspodivm, 2014, 10ª edição.
[3]Arthur Kaufmann. Filosofia do direito. Lisboa: Calouste, 2004.