José Osterno Campos de Araújo
Procurador Regional da República
Mestre em Ciências Criminais
Professor do UniCEUB
Este texto parte de três premissas.
2. A primeira: dolo é vontade e consciência de realizar os elementos objetivos do tipo penal, destacando-se, no conceito, o elemento volitivo (querer fazer) e o elemento intelectivo (saber o que faz).
3. A segunda: classifica-se o dolo, de acordo com a melhor doutrina1, em: 1) dolo direto; e 2) dolo eventual; subdividindo-se o dolo direto em: 1.1) dolo direto de 1º grau ou intenção; e 1.2) dolo direto de 2º grau ou dolo de consequências necessárias ou, tão somente, dolo necessário.
4. A terceira: (escrevi alhures)2 tenho por: a) dolo direto de 1º grau ou intenção – a atuação do agente que persegue como meta um resultado típico (do qual tem consciência, pressuposto lógico da vontade), querendo-o, pois, diretamente; b) dolo direto de 2º grau ou dolo de consequências necessárias ou, tão somente, dolo necessário3 – a atuação do agente que, perseguindo como meta um resultado (típico ou não)4, representa como certo outro resultado típico concomitante e, não obstante, o aceita como consequência necessária do seu atuar, do qual não se abstém. Nesta hipótese, quer o agente, ainda que mediatamente, o resultado típico não perseguido, embora previsto como certo, já que, se verdadeiramente não o quisesse, abster-se-ia de atuar no encalço do resultado perseguido5; e c) dolo eventual – a atuação do agente que aceita, como consequência possível do seu atuar, um resultado típico por ele representado. Aqui, o agente quer, também mediatamente, o resultado típico que representa.
5. Postas tais premissas, retorna-se, então, à pergunta – título deste texto: “O que faz direto o dolo direto?”, a qual poderia ser substituída, neste termos: “Por que o dolo eventual não pode ser chamado de dolo direto de 3º grau?”.
6. Noutro dizer: qual (ou quais) a característica (ou características) que faz (ou que fazem) direto o dolo direto?
7. A resposta passa, por certo, pela análise, seja do elemento volitivo, seja do elemento intelectivo do dolo, tomados cada qual em relação ao resultado típico produzido com a atuação do agente.
8. 1ª hipótese (centrada no elemento volitivo): é a relação vontade e resultado6 que dá a característica de direto ao dolo direto? A resposta afirmativa conduz a se ter por dolo direto tão somente a intenção ou dolo direto de 1º grau, com exclusão do dolo de consequências necessárias, conclusão escorada no fato de se observar um esmaecimento ou atenuação do elemento volitivo, quando se vai do dolo direto de 1º grau (em que a vontade é maior e o querer é imediato ou direto), ao dolo eventual (em que a vontade é menor e o querer é mediato ou indireto), passando-se pelo dolo direto de 2º grau (em que a vontade é média e o querer é também mediato ou indireto).
9. 2ª hipótese (centrada no elemento intelectivo): é a relação representação e resultado7 que, em verdade, dá o timbre de direto ao dolo, já que: a) toda vez que o agente representa como certo (ou quase certo)8 o resultado típico, em face da sua atuação, terá agido com dolo direto – de primeiro grau, ao perseguir o resultado típico como meta, ou de segundo grau, ao ter o resultado típico como consequência necessária – e b) nas vezes em que o agente representa o resultado típico tão somente como ‘possível’ consequência do seu agir, ter-se-á, então, uma conduta com dolo eventual.
10. A conclusão a que se chega, então, é: a) a caracterização do dolo como direto varia, de acordo com o elemento considerado como preponderante; b) a consideração do elemento volitivo como preponderante permite classificar-se o dolo em: 1) dolo direto, aqui englobado somente a intenção ou dolo direto de 1º grau (em que o querer é direto); 2) dolo de consequências necessárias (em que o querer é indireto), afastando-se, pois, a nominação dolo direto de 2º grau; e 3) dolo eventual (em que, também, o querer é indireto); e c) já a consideração do elemento intelectivo como preponderante faz pertinente a classificação (em voga, na maioria da doutrina) do dolo em: 1) intenção ou dolo direto de 1º grau (em que a representação do resultado é tida como certa ou quase certa); b) dolo direto de consequências necessárias ou dolo direto de 2º grau (em que, também, a representação do resultado é tida como certa ou quase certa); e 3) dolo eventual (em que a representação do resultado é tida tão somente como possível e, jamais, como certa ou quase certa).
11. Por fim, às duas perguntas, a primeira: “O que faz direto o dolo direto?”, e, a segunda: “Por que o dolo eventual não pode ser chamado de dolo direto de 3º grau?”, duas respostas, respectivamente: 1ª – a perspectiva sob a qual se vislumbre o dolo é que lhe dá, ou não, o timbre de direto: a do elemento intelectivo9 – que faz verdadeiro dolo direto o dolo direto de 2º grau; ou a do elemento volitivo – que parece retirar o timbre de direto ao dolo de consequências necessárias, no qual o querer é indireto; e 2ª – Não se pode chamar o dolo eventual de dolo direto de 3º grau10, porque a nomenclatura se apresenta inadequada, já que o dolo eventual nada tem de direto, seja sob a perspectiva da vontade (que é indireta), seja, ainda, sob a perspectiva da representação (a qual não tem o resultado por certo ou quase certo).
1 Queiroz, Paulo. Direito penal – parte geral. 5. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p. 204.
2 Araújo, José Osterno Campos de. Yanek, o poeta-terrorista de Camus, e o tipo doloso de crime. In www.pauloqueiroz.net.
3 Tenho preferência pela nomenclatura adotada na classificação de Germano Marques da Silva (1 – Dolo directo ou intenção; 2 – dolo necessário; e 3 – dolo eventual). Silva, Germano Marques da. Direito penal português – teoria do crime. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2012, p. 103.
4 Silva, Germano Marques da. Direito penal português – teoria do crime. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2012, p. 103. Para quem o fim (resultado) perseguido pelo agente, com sua atuação, pode ou não ser lícito (Ob. cit., p. 103).
5 Assim entende Luzón Peña, Diego-Manuel. Curso de derecho penal – parte general I. Madrid: Editorial Universitas, 1996, p. 412: “si el sujeto sabe que com su actuación encaminada a outro fin com seguridad va a producir también el hecho típico, entonces, le guste o no le guste, necessaria y forzosamente también quiere producir el hecho típico, porque no tiene más remedio que consentir o aceptar su segura realización com su actuación; si de verdad no quiere realizar el hecho típico, tiene que desistir o renunciar a su actuación”.
6 Carlos Creus nomina o dolo de consequências necessárias de: “Dolo indirecto o necessario”, embora ressalve ser “preferible la nomenclatura de la doctrina más moderna”, que tem o dolo necessário como dolo direto de 2º grau. Creus, Carlos. Derecho penal – parte general. 3. ed. 1. reimpresión. Buenos Aires: Editorial Astrea, p. 249.
7 Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de direito penal – parte geral 1. 14 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 288, para quem, a produção necessária dos efeitos colaterais, no dolo de consequências necessárias, “os situa, também, como objetos do dolo direto: não é a relação de imediatidade, mas a relação de necessidade que os inclui no dolo direto”.
8 No dolo necessário, “a realização do facto típico não é o objectivo imediato da conduta, mas o agente sabe que tal realização é uma consequência certa, ou quase certa, da sua conduta”. Carvalho, Américo Taipa de. Direito penal – parte geral, questões fundamentais, teoria geral do crime. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2008, p. 327. Já Juarez Cirino dos Santos, referindo-se ao dolo direto de 1º grau, afirma existir “dolo em disparar arma de fogo para matar alguém a grande distância, mas dentro do alcance da arma. Santos, Juarez Cirino dos. Direito penal – parte geral. 4. ed., rev. e ampl. Florianópolis: Conceito Editorial, 2010, p. 130. Por sua vez, é Luis Jiménez de Asúa quem afirma: “Por eso, el dolo de consecuencias necesarias no es un dolo eventual, ya que la producción de los efectos nos es aleatoria sino irremediable. Nosotros consideramos esta clase de dolo como una variedad del directo”. Asúa, Luis Jiménez de. La ley e el delito – principios de derecho penal. 5. ed., Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1967, p. 366.
9 Sob esta perspectiva, no dolo direto, o agente está seguro (ou quase seguro) da produção do resultado e, ainda assim, o quer, imediata (direta – dolo direto de 1º grau) ou mediatamente (indiretamente – dolo direto de 2º grau).
10 Não obstante, poder-se-ia nominá-lo tão somente de dolo de 3º grau (considerada a atenuação da vontade que se faz presente, quando se vai do dolo direto de 1º grau até o dolo eventual), apresentando-se, pois, a seguinte classificação do dolo: 1) dolo direto de 1º grau ou tão somente dolo de 1º grau; 2) dolo de consequências necessárias ou tão somente dolo de 2º grau; e 3) dolo eventual ou tão somente dolo de 3º grau.