1)Introdução
O art. 315, §2°, do CPP repete ipsis litteris o art. 489, §1º, do CPC, ao estabelecer os requisitos mínimos para se considerar uma sentença como não motivada. Ao dispor que “não se considera fundamentada qualquer decisão judicial que..”, o Código não diz o que é uma decisão fundamentada, mas o que não o é. O que a lei faz é dar exemplos de decisão desmotivada/nula. Apesar disso, acaba por fixar os elementos mínimos da fundamentação.
Como as hipóteses são meramente exemplificativas, a decisão poderá carecer de fundamentação suficiente por mil razões, ainda que atenda o disposto no §2°. Ou seja, uma decisão conforme o art. 315, §2°, não necessariamente será uma decisão suficientemente motivada. O atendimento do disposto nesse artigo é só um indício de fundamentação.
A falta de fundamentação da decisão, que variará conforme a complexidade dos temas suscitados pelas partes, poderá comprometê-la no todo ou em parte. Assim, a sentença poderá estar suficientemente motivada quanto às questões principais de fato e de direito suscitadas pela acusação e defesa, mas carecer de fundamentação idônea, por exemplo, quanto à individualização da pena.
2)Hipóteses legais de falta ou de insuficiência de motivação
De acordo com o art. 315, §2º, do CPP: Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: 1)limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; 2)empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; 3)invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; 4)não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; 5)limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; 6)deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
Vejamos cada um dos casos separadamente.
Ao fundamentar a decisão, o juiz deve expor, ainda que sucintamente, as razões fáticas e jurídicas por que acolhe ou rejeita os pedidos formulados, citando os dispositivos legais que a amparam. A mera indicação, reprodução ou paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida, não constitui, por isso, motivação idônea. Assim, por exemplo, se se disser, sem mais, que recebe a denúncia porque estão atendidos os requisitos do art. 41 do CPP; que decreta a prisão preventiva porque está presente a garantia da ordem pública, na forma do art. 312 do CPP etc.
Também carecerá de motivação a decisão que empregar conceitos jurídicos indeterminados (dignidade da pessoa humana, justa causa, razoável duração do processo etc.) sem explicar o motivo concreto de sua incidência.
Em verdade, os conceitos em geral e os conceitos jurídicos em particular são mais ou menos indeterminados, isto é, mais ou menos abertos ou vagos, em virtude da abertura e vagueza da linguagem[1]. A indeterminação é inerente à natureza do próprio conceito. Não é fácil precisar, por exemplo, o que é dolo eventual, culpa consciente, inexigibilidade de conduta diversa, crime continuado etc.
De todo modo, quão mais vago e aberto for um conceito jurídico-penal tanto mais cuidadoso há de ser o juiz ao fundamentar a decisão. Não basta, por isso, invocar a garantia da ordem pública para decretar uma prisão preventiva, devendo o juiz expor os motivos que autorizam concretamente essa medida extrema.
É inválida ainda a decisão que invoca motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão, ou seja, a lei repudia decisões-padrão ou modelo, a exemplo das que dizem: “Mantenho a prisão preventiva por seus próprios e bem lançados fundamentos”; “considerando que a materialidade e a autoria delitivas ficaram amplamente comprovadas nos autos…”etc.
Também é nula a decisão que não enfrenta todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador. Ou seja, não basta que o juiz exponha as razões do seu convencimento. É necessário mais: que diga por que acolhe ou rejeita as alegações das partes.
A lei manda que o juiz aprecie todos os argumentos suscitados pelas partes (MP, defesa, querelante etc.), sob pena de nulidade da decisão. Mas somente os argumentos juridicamente relevantes e pertinentes devem ser necessariamente apreciados, isto é, aqueles capazes de mudar, no todo ou em parte, o conteúdo da decisão. Assim, alegações irrelevantes ou impertinentes ou que em nada alterariam a decisão não a comprometem.
De todo modo, como, do ponto de vista de quem o suscita, o argumento é sempre relevante e pertinente, e, pois, capaz de infirmar, em tese, a conclusão do julgado, é recomendável que juiz aprecie tudo, inclusive para demonstrar a sua irrelevância ou impertinência, quando for o caso.
A decisão não pode também limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos.
Embora a citação de precedentes seja comum e legítima, o juiz não pode, porém, limitar-se à sua transcrição, sem desenvolver uma argumentação consistente que demonstre a pertinência da sua invocação no caso concreto. Afinal, os casos penais nunca são absolutamente iguais ou absolutamente desiguais, mas mais ou menos semelhantes. O direito não é um saber lógico, mas analógico, já o dissemos.
Ainda que se trate de casos simples e já sumulados, o juiz deve expor minimamente as razões pelas quais acolhe ou rejeita os pedidos formulados. Assim, por exemplo, se a defesa pede a atenuação da pena com base na confissão espontânea, a sentença não deve se limitar a citar a Súmula 231 do STJ, que veda a aplicação da pena-base abaixo do mínimo legal previsto, devendo dar uma explicação mínima sobre o motivo de rechaçar a alegação.
Por fim, é inválida a decisão que deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
Quando o juiz afastar a aplicação de enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, maior deverá ser o cuidado na fundamentação da decisão, devendo demonstrar o motivo de sua não incidência concreta, seja porque contém uma singularidade que o distingue do caso-padrão, seja porque o precedente está superado, seja porque não está conforme os princípios constitucionais etc.
Assim, por exemplo, se entender que a Súmula 231 do STJ deve ser afastada para admitir-se a atenuação da pena em razão da confissão espontânea, apesar de a sentença já ter aplicado a pena-base no mínimo previsto.
[1] Ver Paulo Queiroz. Direito Penal, parte geral. Salvador: Juspodivm, 2020.