1)DERRIDA
Montaigne falava de fato, são suas palavras, de um “fundamento místico” da autoridade das leis: “Ora, as leis se mantêm em crédito, não porque elas são justas, mas porque são leis. É o fundamento místico de sua autoridade, elas não têm outro […]. Quem a elas obedece porque são justas não lhes obedece justamente pelo que deve” – p. 21
Ora, a operação de fundar, inaugurar, justificar o direito, fazer a lei, consistiria num golpe de força, numa violência performativa e portanto interpretativa que, nela mesma, não é nem justa nem injusta, e que nenhuma justiça, nenhum direito prévio e anteriormente fundador, nenhuma fundação preexistente, por definição, poderia nem garantir nem contradizer ou invalidar. – p. 24
Na estrutura que assim descrevo, o direito é essencialmente desconstruível, ou porque ele é fundado, isto é, construído sobre camadas textuais interpretáveis e transformáveis ( e esta é a história do direito, a possível e necessária transformação por vezes a melhora do direito), ou porque seu fundamento último, por definição, não é fundado. – p. 26
Mas acredito que não há justiça sem essa experiência da aporia, por impossível que seja. A justiça é uma experiência do impossível. […] O direito não é a justiça. – p. 30
Para ser justa, a decisão de um juiz, por exemplo, deve não apenas seguir uma regra de direito ou uma lei geral, mas deve assumi-la, aprová-la, confirmar seu valor, por um ato de interpretação reinstaurador, como se a lei não existisse anteriormente, como se o juiz a inventasse ele mesmo em cada caso. […]. Em suma, para que uma decisão seja justa e responsável, é preciso que, em seu momento próprio, se houver um, ela seja ao mesmo tempo regrada e sem regra, consertadora da lei e suficientemente destruidora ou suspensiva da lei para dever reinventá-la em cada caso, re-justificá-la, reinventá-la pelo menos na reafirmação e na confirmação nova e livre de seu princípio. Cada caso é um caso, cada decisão é diferente e requer uma interpretação absolutamente única, que nenhuma regra existente ou codificada pode nem deve absolutamente garantir. – p. 44
Ora, a justiça, por mais inapresentável que permaneça, não espera. Ela é aquilo que não deve esperar. Para ser direto, simples e breve, digamos isto: uma decisão justa é sempre requerida imediatamente, de pronto, o mais rápido possível. – p. 51
O instante da decisão é uma loucura, diz Kierkegaard. Isso é particularmente verdadeiro com respeito ao instante da decisão justa, que deve rasgar o tempo e desafiar as dialéticas. É uma loucura. Uma loucura, pois tal decisão é, ao mesmo tempo, superativa e sofrida, conservando algo de passivo ou de inconsciente, como se aquele que decide só tivesse a liberdade de se deixar afetar por sua própria decisão e como ela lhe viesse do outro. – p. 52
Há um porvir para a justiça, e só há justiça na medida em que seja possível o acontecimento que, como acontecimento, excede ao cálculo, às regras, aos programas, às antecipações etc. Esse excesso da justiça sobre o direito e sobre o cálculo, esse transbordamento do inapresentável sobre o determinável, não pode e não deve ser vir de álibi para ausentar-se das lutas jurídico-políticas, no interior de uma instituição ou de um Estado, entre instituições e entre Estados. – p. 55
Tal situação é, de fato, a única que nos permite pensar a homogeneidade do direito e da violência, a violência como exercício do direito e o direito como exercício da violência. A violência não é exterior à ordem do direito. Ela não consiste, essencialmente, em exercer sua potência ou uma força brutal para obter tal ou tal resultado, mas em ameaçar ou destruir determinada ordem de direito, e precisamente, nesse caso, a ordem de direito estatal que teve de conceder esse direito à violência, por exemplo, o direito de greve. – p. 81
O que o Estado teme, o direito em sua maior força, não é tanto o crime ou o banditismo, mesmo em grande escala, como a máfia ou o grande tráfico da droga, desde que estes transgridam a lei para atingir benefícios particulares, por mais importante que sejam. […] O Estado teme a violência fundadora, isto é, capaz de justificar, legitimar (begründen) ou de transformar as relações de direito (Rechtsverhältsse) […] Aquilo que ameaça o direito, ao direito ao direito, à origem do direito. – p. 82
O direito é, ao mesmo tempo, ameaçador e ameaçado por ele mesmo. – p. 96
Benjamin parece pensar que os discursos contra o direito de punir, e principalmente contra a pena de morte, não superficiais, e não por acidente. Pois eles não admitem um axioma essencial para a definição do direito. Qual? Pois bem, quando se ataca a pena de morte, não se contesta uma pena entre outras, mas o próprio direito em sua origem, em sua própria ordem. […] A ordem do direito manifesta-se plenamente na possibilidade da pena de morte. – p. 97
Nunca se sabe com quem estamos tratando, e esta é a definição da polícia, singularmente da polícia do Estado, cujos limites são, no fundo, indetermináveis. Essa ausência de fronteira entre as duas violências, essa contaminação entre fundação e conservação é ignóbil, é a ignomínia (das Schmackvolle) da polícia. Antes de ser ignóbil em seus procedimentos, na inquisição inominável à qual se entrega, sem nenhum respeito, a violência policial, a polícia moderna é estruturalmente repugnante, imunda por essência, em razão de sua hipocrisia construtiva. […] Mesmo que ela não promulgue a lei, a polícia se comporta como um legislador nos tempos modernos, para não dizer como o legislador dos tempo modernos. Ali onde há polícia, isto é, em toda parte, e aqui mesmo, já não se pode discernir entre as duas violências, a conservadora e a fundadora, e este é o equívoco ignóbil, ignominioso, revoltante. p. 98-100 Extraídas de “Força de Lei”. Martins Fontes: S.Paulo, 2007.
2)FEYERABEND
A ciência é um empreendimento essencialmente anárquico: o anarquismo teórico é mais humanitário e mais apto a estimular o progresso do que suas alternativas que apregoam lei e ordem;
A proliferação de teorias é benéfica para a ciência, ao passo que a uniformidade prejudica seu poder crítico. A uniformidade também ameaça o livre desenvolvimento do indivíduo;
A ciência precisa de pessoas que sejam adaptáveis e inventivas, não rígidos imitadores de padrões comportamentais estabelecidos;
“Professores” usando notas e o medo do fracasso moldam a mente de nossos jovens até que eles tenham perdido todo grama de imaginação que possam alguma vez ter possuído;
As coerções de notas, competição e exames regulares devem ser eliminadas e devem também separar o processo de aprendizagem e a preparação para uma profissão particular;
A ciência não é uma tradição isolada nem a melhor tradição que há, exceto para aqueles que se acostumaram com a sua presença, seus benefícios e suas desvantagens. Em uma democracia, deveria ser separada do Estado exatamente com as igrejas estão agora dele separadas;
A ciência é tão-só um dos muitos instrumentos que as pessoas inventaram para lidar com seu meio ambiente;
Em sua análise mais detalhada, até mesmo descobrimos que a ciência não conhece, de modo algum, “fatos nus”, mas que todos os “fatos” de tomamos conhecimento já são vistos de certo modo e são, portanto, essencialmente ideacionais.
Qualquer regra, não importa o qual fundamental ou racional, sempre há circunstâncias em que é aconselhável não apenas ignorá-la, mas adotar a regra oposta;
Especialistas e leigos, profissionais e diletantes, fanáticos pela verdade e mentirosos – todos estão convidados a participar do debate e a dar sua contribuição para o enriquecimento da nossa cultura;
Todas as metodologias, até mesmo as mais óbvias, têm seus limites;
A idéia de que o conhecimento científico é, de algum modo, peculiarmente positivo e isento de diferenças de opinião não passa de uma quimera;
O amor à verdade é um dos motivos mais fortes para substituir o que realmente ocorre por uma explicação elegante; o amor à verdade é um dos mais fortes motivos para mentir a si mesmo e aos outros;
O único princípio que não inibe o progresso é: tudo vale;
É sinal de presunção pressupor que se tenham soluções para pessoas cuja vida não se compartilha e cujos problemas não se conhecem;
Tudo o que digo é que os não-especialistas freqüentemente sabem mais do que os especialistas e deveriam, portanto, ser consultados; a assim chamada ciência do Primeiro Mundo é uma ciência entre muitas;
Uma força moral, quer para o bem, quer para o mal, faz das pessoas escravos, e a escravidão, mesmo a escravidão a serviço do Bem, ou até de Deus, é a mais abjeta de todas as condições;
Todo movimento tem tanto patifes quanto pessoas nobres entre seus seguidores.
Extraídas do livro “Contra o Método”, de Paul Feyerabend. S. Paulo: Editora UNESP, 2007.
3)FLÁVIO KOTHE
Quem adora o Cristo, o cristão, não acredita no que vê. Ele acredita no contrário do que está à vista. Ele não sente propriamente compaixão pela desgraça do crucificado, mas satisfação profunda pela salvação de si mesmo. Ele não está muito infeliz por contemplar a maldade humana de modo extremado numa crucificação; ele está, isto sim, muito feliz com o que ele acha que é a sua salvação. Nesse sentido, ele é um profundo hipócrita: finge estar com pena do outro, mas só tem pena de si mesmo; finge ter misericórdia pelo perseguido, mas só quer bajular o poderoso; finge solidariedade na desgraça, mas só que obter vantagens pessoais. A hipocrisia constitutiva do cristão corresponde à do Cristo que finge estar se deixando matar pelo próprio pai para melhor poder acabar com ele e tomar o poder que era do Velho, do Deus-pai. Assim, adorador e adorado se merecem. Viver nesse meio é nadar na hipocrisia. Que se considera virtude;
Dioniso é o deus da máscara e da celebração, mas ele se assume como tal, sendo patrono do teatro, atuando em peças: os atores são como que máscaras das paixões que ele representa. Cristo não se assume como ator, embora seja todo ele máscara. O grande mascarado é aquele que não ostenta a máscara como máscara. O grande ator não é aquele que atua no palco, mas no palanque, no palácio, no púlpito. Ele não é visto como ator. A grande atuação é aquela que não é visa como encenação, e sim como vida pura;
O crente não percebe como encenação o rito que produz o mito. Ele não vê teatro na simbologia, manipulação de sentidos e indução dos sentidos. A mímese como que desaparece como mímese. Aparenta ser o fato representado. Só este nunca aconteceu assim. Tem-se aí a mímese como imitação daquilo que não foi, e aí desaparece como mímese, pois se acredita piamente que haja não uma encenação, e sim uma presentificação, uma nova produção do evento, como se o antigo se apresentasse de novo;
Deuses são deuses porque têm poder. Se não tivessem, não seriam. E também não seriam adorados nem respeitados. Cristo não é adorado porque é um pobre miserável, pendurado numa cruz. A impotência dele é engodo, máscara que ele usa no corpo inteiro. Cristo na cruz é uma óximoron: uma união de contrários, mas uma união por montagem, em que só se enxerga uma fachada, a do crucificado. O que está por baixo, Cristo abrindo as portas do céu para os homens que nele crêem, não aprece, mas todos os cristãos supõem enxergar. O crucifixo não se abre propriamente para a infinitude, mas concentra a atenção em sua região central, onde fica o crucificado;
Cada cristão tem a convicção de que, na suprema miséria de crucificado, Cristo abre as portas do paraíso para quem o adora. Ele só está fraco na aparência. Ele tem muito poder. Quanto pior sua miséria extrema, maior seu poder interno. É um oxímoron: o mais fraco é o mais forte. Quem adora acredita que tenha imenso poder. Esse “poder” é a projeção de um desejo profundo do adorador; ter vida feliz para sempre. Ele gosta tanto de si que pensa merecer a vida eterna: misto de narcisismo e megalomania;
O judaísmo promove uma ânsia de superioridade racial, de “povo escolhido”, superior e dileto. É uma forma de narcisismo coletivo, que se manifesta sob a forma de racismo silencioso: o anti-semitismo em vários povos e épocas decorre do semitismo;
Todo estômago é um cemitério de milhões de vidas extintas pelo apetite de quem come;
A vida que não tiver a maldade de devorar vidas não sobrevive;
O “bonzinho” de barriga cheia é apenas um hipócrita. A vida é tão abundante que, para se manter, ela precisa da destruição mútua até se manter equilibrada;
Alguém derramar seu sangue por uma causa, dizia Nietzsche, não prova que essa causa seja justa, boa ou verdadeira: prova apenas que se acredita nela, nada mais.
Extraídas do prefácio feito por Flávio R. Kothe ao livro Nietzsche: fragmentos do espólio. Primavera de 1884 a outubro de 1885. Brasília: Editora UnB, 2008.
4)FREUD
As idéias religiosas surgiram da mesma necessidade de que se originaram todas as outras realizações da civilização, ou seja, da necessidade de defesa contra a força esmagadoramente superior da natureza;
Quando um indivíduo em crescimento descobre que está destinado a permanecer uma criança para sempre, que nunca poderá passar sem proteção contra estranhos poderes superiores, empresta a esses poderes as características pertencentes à figura do pai; cria para si próprio os deuses a quem teme, a quem procurar propiciar e a quem, não obstante, confia sua própria proteção. Assim, seu anseio por um pai constitui um motivo idêntico à sua necessidade de proteção contra as conseqüências de sua debilidade humana;
As idéias religiosas são ensinamentos e afirmações sobre fatos e condições da realidade externa (ou interna) que nos dizem algo que não descobrimos por nós mesmos e que reivindicam nossa crença;
Se a verdade das doutrinas religiosas depende de uma experiência interior que dá testemunho dessa verdade, o que se deve fazer com as muitas pessoas que não dispõem dessa rara experiência?
As religiões são ilusões, realizações dos mais antigos, fortes e prementes desejos da humanidade. O segredo de sua força reside na força desses desejos;
A impressão terrificante de desamparo na infância despertou a necessidade de proteção – de proteção através do amor – a qual foi proporcionada pelo pai; o reconhecimento de que esse desamparo perdura através da vida tornou necessário aferrar-se à existência de um pai, dessa vez, porém, um pai mais poderoso;
Constitui alívio enorme para a psique individual se os conflitos de sua infância que surgem do complexo paterno – conflitos que nunca superou inteiramente – são dela retirados e levados a uma solução universalmente aceita;
Na realidade, trata-se apenas de uma tentativa de fingir para nós mesmos ou para outras pessoas que ainda nos achamos firmemente ligados à religião, quando há muito tempo já nos apartamos dela;
A religião é a neurose obsessiva universal da humanidade; tal como a neurose obsessiva das crianças, ela surgiu do complexo de Édipo, do relacionamento com o pai;
Se, por um lado, a religião traz consigo restrições obsessivas, exatamente como, num indivíduo, faz a neurose obsessiva, por outro, ela abrange um sistema de ilusões plenas de desejo juntamente com o repúdio da realidade;
Os crentes devotos são em alto grau protegidos do risco de certas enfermidades neuróticas porque sua aceitação da neurose universal lhes poupa o trabalho de elaborar uma neurose pessoal;
As verdades contidas nas doutrinas religiosas são tão deformadas e sistematicamente disfarçadas que a humanidade não pode identificá-las como verdade. (Extraídas de “o futuro de uma ilusão”).
5)JASPERS
O conhecimento filosófico deve ser, antes de tudo, capaz de surpreender-se com o óbvio;
O homem não pode ser concebido com um ser imutável, encarnando reiteradamente aquelas formas de ser. Longe disso, a essência do homem é mutação: o homem não pode permanecer como é;
Tudo que sabemos do homem, tudo que cada um dos homens sabe de si mesmo não corresponde ao homem;
A reverência não eleva o homem ao nível da divindade. O homem humilíssimo e o grande homem são aparentados conosco;
A dignidade do homem reside no fato de ele ser indefinível. O homem é o que é, porque reconhece essa dignidade em si mesmo e nos outros homens. Kant o disse de maneira maravilhosamente simples: nenhum homem poder ser, para outro, apenas meio; cada homem é um fim em si mesmo;
Os políticos são diferentes. Oportunistas, facciosos, forjadores de mentiras e de intrigas. Inescrupulosos, agem em nome da liberdade contra a liberdade;
A divisão das responsabilidades gera a irresponsabilidade. A democracia degenera em oligarquia de partidos. O que se tem por cultura não passa de bolhas de sabão em salões literários. O espírito perde densidade. Extraídas de introdução ao pensamento filosófico. S.Paulo: Cultrix, 2005.
6)GADAMER
Não é a história que pertence a nós, mas nós que pertencemos à história. Muito mais do que nós compreendemos a nós mesmos na reflexão, já estamos compreendendo de uma maneira auto-evidente na família, na sociedade e no Estado em que vivemos. A lente da subjetividade é um espelho deformante. A auto-reflexão do indivíduo não é mais que uma centelha na corrente cerrada da vida histórica. Por isso, os pré-conceitos de um indivíduo são, muito mais que seus juízos, a realidade histórica de seu ser;
O ser que pode ser compreendido é linguagem. O fenômeno hermenêutico devolve aqui a sua própria universalidade à constituição ôntica da compreensão, quando a determina, num sentido universal, como linguagem, e determina sua própria referência ao ente como interpretação;
Não existe compreensão que seja livre de todo preconceito, por mais que a vontade do nosso conhecimento tenha de estar sempre dirigida no sentido de escapar ao conjunto de nossos preconceitos. No conjunto da nossa investigação evidencia-se que, para garantir a verdade, não basta o gênero de certeza que o uso de métodos científicos proporciona. Isso vale especialmente para as ciências do espírito, mas não significa de modo algum uma diminuição de sua cientificidade, mas, antes, a legitimação da pretensão de significado humano especial, que elas vêm reivindicando desde antigamente;
Aquele que compreende já está incluído num acontecimento em virtude do qual se faz valer o que tem sentido. Está, pois, justificado que para o jogo hermenêutico se empregue o conceito do jogo para a experiência do belo. Quando compreendemos um texto nos vemos tão atraídos por sua plenitude de sentido como pelo belo;
Na medida em que compreendemos, estamos incluídos num acontecer da verdade e quando queremos saber o que temos que crer, parece-nos que chegamos demasiado tarde;
Entender e interpretar os textos não é somente um empenho da ciência, já que pretende ao todo da experiência do homem no mundo. Na sua origem, o fenômeno hermenêutico não é, de forma alguma, um problema de método;
Compreender e interpretar são uma só e mesma coisa;
Ao se compreender a tradição não se compreende apenas textos, mas também se adquirem juízos e se reconhecem verdades;
A linguagem é o medium universal em que se realiza a própria compreensão. A forma de realização da compreensão é a interpretação;
A leitura compreensiva não é uma repetição de algo passado, mas participação num sentido presente;
Compreender um texto significa aplicá-lo a nós próprios e saber que, embora se tenha de compreendê-lo em cada caso de uma maneira diferente, continua sendo o mesmo texto que, a cada vez, se nos apresenta de modo diferente;
Onde se tratar de compreender e interpretar textos lingüísticos, a interpretação, no medium da própria linguagem, mostra com clareza o que a compreensão é sempre uma apropriação do que foi dito, de maneira que se converta em coisa própria;
Todo compreender é interpretar, e todo interpretar se desenvolve no medium de uma linguagem que pretende deixar falar e é, ao mesmo tempo, a linguagem própria de seu intérprete;
Tanto o evento do belo como o acontecer hermenêutico pressupõem fundamentalmente a finitude da existência humana;
Se nós partimos da linguisticidade da compreensão, sublinhamos a finitude do acontecer lingüístico em que se concretiza em cada caso a compreensão.
Extraídas de Verdade e Método. Petrópolis: Editora Vozes, 1999, 3ª edição. Autor: Hans-Georg Gadamer.
7) NIETZSCHE
As palavras não passam de símbolos para as relações das coisas entre si e conosco;
Pelas palavras e pelos conceitos, nunca atravessaremos o muro das relações, nem penetraremos em qualquer origem fabulosa das coisas;
É absolutamente impossível ao sujeito pretender ver ou conhecer algo além de si mesmo;
O desprezo pelo presente e pelo momentâneo é parte integrante da grande natureza filosófica;
Heráclito era orgulhoso, e quando o orgulho entra num filósofo, então é um grande orgulho;
O homem é, até a última fibra, necessidade, é absolutamente não-livre;
As próprias coisas que a inteligência limitada do homem e do animal julga sólidas e constantes não têm existência real, não passam de luzir ou do faiscar de espadas desembainhadas, são o brilho da vitória na luta das qualidades opostas;
Se existe um movimento absoluto, não há mais espaço; se existe o espaço absoluto, não há movimento; se há um ser absoluto, não há multiplicidade; se existe a multiplicidade absoluta, não há mais unidade;
Em todas as demonstrações que fazem (Parménides e Zenão), partem do pressuposto indemonstrável, ou mesmo improvável, de possuirmos na faculdade conceptual o decisivo critério supremo acerca do ser e do não-ser, isto é, acerca da realidade objetiva e do seu contrário;
Foi a mim mesmo que eu procurei e investiguei (Heráclito). Extraídas do livro A filosofia na idade trágica dos gregos. Lisboa: Edições 70, 2002.
Verdade, portanto, não é algo que existisse e que se houvesse de encontrar, de descobrir – mas algo que se há de criar e que dá o nome a um processo;
“Verdade”: no interior de minha maneira de pensar, essa palavra não designa necessariamente uma oposição ao erro, mas, sim, nos casos mais fundamentais, somente uma posição de diferentes erros;
Todo conhecimento humano é ou experiência ou matemática;
O critério da verdade está no incremento do sentimento de poder;
Parmênides disse: “não se pensa o que não é” – estamos na outra extremidade e dizemos: “o que pode ser pensado há de ser, seguramente, uma ficção”;
Uma “coisa em si” é tão absurda quanto um “sentido em si”, um “significado em si”. Não há nenhum “fato em si”, mas antes um sentido há de sempre ser primeiramente intrometido para que um fato possa haver;
Infinita possibilidade de interpretação do mundo: cada interpretação é um sintoma de crescimento ou de declínio;
Nós criamos o mundo que tem valor!
Não há nenhum fato; tudo é fluído, inconcebível, esquivo;
Afinal, o homem só reencontra, nas coisas, aquilo que ele mesmo fincou nelas: – o reencontrar chama-se ciência, o fincar – arte, religião, orgulho. Em ambos, se isso devesse ser mesmo brincadeira de criança, dever-se-ia continuar a ter bom ânimo para os dois – uns para o reencontrar, outros – nós todos! – para o fincar!
Imprimir no devir o caráter de ser – essa é a mais elevada vontade de poder;
Conhecimento em si no devir é impossível; é, portanto, possível conhecimento? Como erro sobre si mesmo, como vontade de poder, como vontade de ilusão;
Verdade é o tipo de erro sem o qual uma espécie de seres vivos não poderia viver. O valor para a vida decide em última instância;
O não-poder-contradizer prova uma incapacidade, não uma “verdade”.
Extraídas de “A vontade de poder”. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008.
Ceticismo absoluto: necessidade de arte e ilusão.
Todo conhecimento surge por meio de separação, delimitação e abreviação; não há conhecimento absoluto de uma totalidade;
O imenso consenso dos homens acerca das coisas comprova a uniformidade de seu aparato perceptivo;
As abstrações são metonímias, isto é, permutações de causa e efeito. Mas todo conceito é uma metonímia, sendo que, nos conceitos, o conhecer termina por se antecipar. A “verdade” converte-se num poder, assim que a liberamos como abstração;
Por “verdadeiro” compreende-se, antes de mais nada, aquilo que usualmente consiste na metáfora habitual – portanto, somente uma ilusão que se tornou familiar por meio do uso freqüente e que já não é mais sentida como ilusão: metáfora esquecida, isto é, uma metáfora da qual se esqueceu que é uma metáfora;
Metáfora significa tratar como igual algo que, num dado ponto, foi reconhecido como semelhante;
De onde vem, no inteiro universo, o phatos da verdade? Ele não aspira à verdade, mas à crença, à confiança em algo;
Não há um impulso ao conhecimento e à verdade, mas tão-somente um impulso à crença na verdade;
O que é uma palavra? A reprodução de um estímulo nervoso em sons;
O ser sensível precisa da ilusão para viver;
Lutar por uma verdade é totalmente distinto de lutar pela verdade;
O homem é um animal extremamente patético e toma suas propriedades por algo de suma importância, como se os eixos do universo girassem nele;
O conhecer é tão-somente um operar com as metáforas prediletas, e, a ser assim, nada mais que uma imitação do imitar sensível;
Em rigor, todo conhecer possui apenas a forma da tautologia e é vazio. Todo conhecimento por nós promovido consiste numa identificação do não idêntico, do semelhante, quer dizer, trata-se de algo essencialmente ilógico.
O que é, pois, a verdade? Um exército móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, numa palavra, uma soma de relações humanas que foram realçadas poética e retoricamente, transpostas e adornadas, e que, após uma longa utilização, parecem a um povo consolidadas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões das quais se esqueceu que elas assim o são, metáforas que se tornaram desgastadas e sem força sensível, moedas que perderam seu troquel e agora são levadas em conta apenas como metal, e não como moedas. Extraídas do livro Sobre a Verdade e Mentira. S.Paulo: Hedra, 2008.
Que todos os “fins”, “metas”, “sentidos” são só modos de expressão e metamorfoses da única vontade, que é inerente a todo acontecer: a vontade de poder;
Prazer e dor não são inversos em nada;
Não há dor em si. Não é o ferimento que dói; é a experiência das más consequências que pode ter um ferimento para o todo do organismo, que se pronuncia na figura daquele abalo profundo, o qual se chama desprazer;
Prazer e desprazer são coisas secundárias, não são causas; são juízos de valor de segunda classe;
o homem não procura prazer e não evita o desprazer; prazer e desprazer são meras consequências; cada vitória, cada sentimento de prazer, cada acontecer pressupõe uma resistência superada;
A vida mesma não é nenhum meio para algo; ela é a expressão de formas de crescimento de poder;
Valor é a suprema quantidade de poder que o homem consegue incorporar a si;
Os meios de expressão da língua são inutilizáveis para exprimir o devir: pertence à nossa indissolúvel necessidade de conservação estabelecer constantemente o único modo grosseiro do que permanece;
O Estado ou a imoralidade organizada…interior: como polícia, direito penal, classes sociais, comércio, família; exterior: como vontade de poder, de guerra, de conquista, de vingança;
(…)E resistimos à representação de que todos os grandes homens foram criminosos (criminoso em grande estilo, bem entendido, e não em estilo mesquinho), de que o crime pertence à grandeza;
O crime pertence ao conceito “rebelião contra a ordem social”;
Mas não se deve manifestar desprezo com a punição: o criminoso é, em todo caso, um homem que arriscou a vida, a honra, a liberdade – um homem de coragem;
Deve-se guardar de determinar o valor de um homem por uma única ação;
Somente à medida que certos castigos foram ligados a homens desprezíveis (escravos, por exemplo) é que o insultante adentrou a penalidade. Aqueles que, na maioria das vezes, foram castigados eram homens desprezíveis, e, por fim, já no próprio castigo havia algo insultante;
Um velho chinês disse ter ouvido que um sinal manifesto de que os impérios devem sucumbir é o fato de possuírem muitas leis. Extraídas de “A vontade de poder”. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008.
O pensar racional é um interpretar segundo um esquema que não podemos recusar;
O mundo aparece-nos como lógico porque nós, antes, o tornamos lógico; conhecimento e devir excluem-se;
Posto que tudo é devir, então o conhecimento só é possível tendo como fundamento a crença no ser;
O princípio (da contradição) não contém, portanto, nenhum critério de verdade, mas sim um imperativo sobre aquilo que deve valer como verdadeiro;
Kant acredita no fato do conhecimento: é uma ingenuidade o que ele quer: o conhecimento do conhecimento!
A legitimidade da crença no conhecimento é sempre pressuposta: assim como a legitimidade do sentimento do juízo de consciência;
Os princípios fundamentais da lógica, o princípio da identidade e da contradição, são conhecimentos absolutamente nenhuns! Mas sim artigos de fé reguladores!
Expresso moralmente: o mundo é falso. Mas, à medida que a moral, ela mesma, é um pedaço desse mundo, então a moral é falsa;
Todo acontecer, todo movimento, todo devir como um verificar-se de proporções de graus e de força, como luta;
“Verdade” é uma palavra para “vontade d poder”;
A verdade é um preconceito moral.
“Toda verdade é simples” – Não é isso uma dupla mentira?
Como? o ser o humano é apenas um equívoco de Deus? Ou Deus apenas um equívoco do ser humano?
Da escola de guerra da vida – O que não me mata me fortalece.
Não cometamos covardia em relação a nossos atos – Não os abandonemos depois de fazê-los – É indecente o remorso!
O homem criou a mulher – mas de quê, pergunta? De uma costela de seu Deus – de seu “ideal”.
Desconfio de todos os sistematizadores e os evito. A vontade de sistema é uma falta de retidão.
A fórmula de minha felicidade: um sim, um não, uma linha reta, uma meta…
Juízos, juízos de valor acerca da vida, contra ou a favor, nunca podem ser verdadeiros, afinal; eles têm valor apenas como sintomas, são considerados apenas enquanto sintomas – em si, tais juízos são bobagens.
Sócrates foi um mal-entendido: toda a moral do aperfeiçoamento, também a cristã, foi um mal-entendido.
Tudo o que os filósofos manejaram por milênios foram conceitos-múmias; nada realmente vivo saiu de suas mãos; eles matam, eles empalham quando adoram, esses idólatras de conceitos.
Receio que não nos livramos de Deus, pois ainda cremos na gramática.
Aniquilar as paixões e os desejos apenas para evitar sua estupidez e as desagradáveis conseqüências de usa estupidez, isso nos parece, hoje, uma forma aguda de estupidez.
Atacar as paixões pela raiz significa atacar a vida pela raiz: a prática da igreja e hostil à vida.
A vida acaba onde o “Reino de Deus” começa.
Onde quer que responsabilidades sejam buscadas, costuma ser o instinto de querer julgar e punir que aí se busca.
Os homens foram considerados livres para poderem ser julgados, ser punidos – ser culpados.
O cristianismo é uma metafísica do carrasco.
O conceito de “Deus” foi, até agora, a maior objeção à existência. Nós negamos Deus, nós negamos a responsabilidade em Deus: apenas assim redimimos o mundo.
Não existem fenômenos morais, mas apenas uma interpretação moral dos fenômenos. Moral é apenas uma interpretação de determinados fenômenos, mais precisamente uma má interpretação.
Todos os meios pelos quais, até hoje, quis-se tornar moral a humanidade foram fundamentalmente imorais.
Paga-se caro por chegar ao poder: o poder imbeciliza.
Teologia, ou corrupção da razão, pelo “pecado original” (o cristianismo).
O ser humano acredita que o mundo está repleto de beleza – ele esquece a si mesmo com causa dela. Somente ele dotou o mundo de beleza, de uma beleza muito humana, demasiado humana. No fundo, o ser humano se espalha nas coisas, acha belo tudo o que lhe devolve a sua imagem.
As instituições liberais deixam de ser liberais logo que são alcançadas: não há, depois, nada de tão radicalmente prejudicial à liberdade quanto as instituições liberais.
Platão é um covarde perante a realidade – portanto, refugia-se no ideal.
Extraídas de Crepúsculo dos Ídolos. S.Paulo: 2006, Companhia das Letras.
8)SPINOZA
Todos os preconceitos que aqui me proponho a expor dependem de um único, a saber, que os homens pressupõem, em geral, que todos as coisas naturais agem, tal como eles próprios, em função de um fim, chegando até mesmo a dar como assentado que o próprio Deus dirige todas as coisas tendo em vista um fim preciso, pois dizem que Deus fez todas as coisas em função do homem, e fez o homem, por sua vez, para que este lhe prestasse culto;
A natureza não tem nenhum fim que tenha sido prefixado e todas as causas finais não passam de ficções humanas;
Cada homem engendrou, com base em sua própria inclinação, diferentes maneiras de prestar culto a Deus, para que Deus o considere mais que aos outros e governe toda a natureza em proveito de seu cego desejo e de sua insaciável cobiça;
Ao tentar demonstrar que a natureza nada faz em vão (isto é, não faz nada que não seja para o proveito humano), eles parecem ter demonstrado apenas que, tal como os homens, a natureza e os deuses também deliram;
Quem quer que busque as verdadeiras causas dos milagres e se esforce por compreender as coisas naturais como um sábio, em vez de se deslumbrar como um tolo, é tido, aqui e ali, por herege e ímpio, sendo como tal proclamado por aqueles que o vulgo adora como intérpretes da natureza e dos deuses. Pois eles sabem que, uma vez suprimida a ignorância, desaparece também essa estupefação, ou seja, o único meio que eles têm para argumentar e para manter sua autoridade;
E como as coisas que podem ser imaginadas facilmente são mais agradáveis do que as outras, os homens preferem a ordenação à confusão, como se a ordenação fosse algo que, independentemente da nossa imaginação, existisse na natureza;
Dizem (os homens) que Deus criou todas as coisas ordenadamente, atribuindo, assim, sem se darem conta, a imaginação a Deus, o que só faria sentido se eles quisessem dizer, talvez, que, em função da imaginação humana, Deus dispôs todas as coisas de maneira que elas pudessem ser mais facilmente imaginadas;
Cada um julga as coisas de acordo com a disposição de seu cérebro, ou melhor, toma as afecções de sua imaginação pelas próprias coisas;
Vemos, pois, que todas as noções que o vulgo costuma utilizar para explicar a natureza não passam de modos de imaginar e não indicam a natureza das coisas, mas apenas a constituição de sua própria imaginação;
Quanto ao bem e ao mal, também não designam nada de positivo a respeito das coisas, consideradas em si mesmas, e nada mais são do que modos de pensar ou de noções que formamos por compararmos as coisas entre si. Com efeito, uma única e mesma coisa pode ser boa e má ao mesmo tempo e ainda indiferente. Por exemplo, a música é boa para o melancólico; má para o aflito; nem boa, nem má, para o surdo. Extraídas do livro Ética, de SPINOZA. Autêntica: Belo Horizonte, 2009.
9)AVULSAS (minhas e outros autores)
Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento; mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem (Brecht).
O que é mais grave: fundar um banco ou roubá-lo? (Brecht)
Quem nos salvará da maldade dos bons? (Freud)
Quem ensina, aprende ao ensinar; quem aprende, ensina ao aprender (Paulo Freire).
A função do professor não é transmitir informação, mas criar as condições para a produção do conhecimento (Paulo Freire).
Nada é mais difícil de suportar do que uma sucessão de dias felizes (Goethe);
A felicidade constitui um problema da economia da libido do indivíduo. Não existe uma regra de ouro que se aplique a todos: cada indivíduo tem de descobrir por si mesmo de que modo específico ele pode ser salvo (Freud).
Num criminoso, dois traços são essenciais: um egoísmo sem limites e um forte impulso destrutivo (Freud).
“O dízimo ou o inferno”, pregava o pastor; “o dinheiro ou a vida”, ameaçava o assaltante.
A imaginação humana é o berço e cemitério dos deuses.
Nenhuma religião surge do nada; como as línguas, elas resultam de adaptações de outras; são plágios, ora explícitos, ora implícitos.
“Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (João, 8: 32), meditava o ateu.
Os limites de uma interpretação são os limites de seu intérprete.
Os limites de uma interpretação são dados por uma outra interpretação.
Definição possível de Justiça: vingança conforme a lei.
Convém fazer justiça à morte: sem ela a vida seria insuportável.
“E eu te concederei a vida eterna”, eis uma sentença de morte.
A coisa mais prazerosa, legal ou ilegal, deixa de sê-lo tão logo se transforma em vício e, pois, perdemos o controle sobre ela.
As leis supõem uma regularidade de expectativas, emoções e motivações que simplesmente não existem.
Religião é mitologia com outro nome; todo discurso religioso é um discurso mitológico, mas nem todo discurso mitológico é um discurso religioso.
O mundo está repleto de mitos de origem e todos são falsos do ponto de vista dos fatos (…). O primeiro passo para uma leitura do Antigo Testamento é considerá-lo como um produto igual a qualquer outra obra de literatura antiga, que não resultou do talento literário de Deus, mas do homem. (Joseph Campbell. As Mascaras de Deus. Mitologia Ocidental).
A igreja é exatamente aquilo contra o que Jesus pregou – e aquilo contra o que ele ensinou seus discípulos a lutar (Nietzsche).
Deus nenhum morreu por nossos pecados; nenhuma redenção por meio da fé; nenhum ressuscitar após a morte – tudo isso são falsificações do cristianismo genuíno, pelas quais se deve responsabilizar aquele funesto cabeça arrevesada – Paulo- (Nietzsche).
Disse um cristão: “só há um Deus: Jesus Cristo!”; ao que um muçulmano retrucou: “realmente só há um Deus; mas esse Deus é Alah, e Maomé é seu profeta!”; enquanto um judeu pensava consigo mesmo: “nosso Deus é mais antigo”. E estavam todos enganados.
O monoteísmo é a versão religiosa do autoritarismo (Flávio Kothe).
A fé em Deus prova a fé mesma, mas não a existência de Deus. E ainda que a fé provasse a existência de Deus, restaria a pergunta: qual Deus (ou Deuses)?
Um anjo confidenciou que, depois de condenado, Lúcifer, arrependido, invocou Mateus 18:22 – em que Jesus diz a Pedro que não se deve perdoar sete vezes, mas setenta vezes sete,- e que Deus o perdoara. O perdão, no entanto, foi desde então mantido em segredo, pois, sem o Diabo, ninguém O levaria a sério. Além do mais, uma boa fábula não tem a menor graça sem um vilão digno desse nome. O mesmo teria ocorrido com Adão e Eva.
Frequentemente, o “amar o próximo como a ti mesmo” não inclui as pessoas muito próximas (pais, irmãos etc.), especialmente quando não partilham do mesmo credo.
Amar é encontrar a si mesmo no outro; são as semelhanças e não as diferenças que nos movem.
Para uma relação dar certo é preciso renunciar a várias outras; afinal, um amor não exclui outros necessariamente.
Todo o corpo é erógeno: mãos, pés, boca, órgãos genitais; mas a religião o mapeou moralmente com interdições arbitrárias; viu pecado e maldade onde havia apenas prazer.
Disse a amante: “te amo, te amo, te amo, incondicionalmente; e completou: “claro, desde que continues assim”.
Não existem ações desinteressadas; desejamos um mínimo de gratidão ao menos.
Mentir para os outros é algo raro; mais freqüentemente mentimos para nós mesmos (Nietzsche).
Não amamos a verdade, nem odiamos a mentira, mas suas conseqüências (Nietzsche).
Conhecimento produz angústia; por isso preferimos com freqüência a ignorância.
O destino do homem é o mesmo das plantas, insetos e animais: nascer, crescer, envelhecer, morrer; o mais é vaidade. “Porque o que sucede aos filhos dos homens sucede aos animais; o mesmo lhes sucede: como morre um, assim morre o outro, todos têm o mesmo fôlego de vida, e nenhuma vantagem tem o homem sobre os animais; porque tudo é vaidade. Todos vão para o mesmo lugar; todos procedem do pó e ao pó tornarão” (Eclesiastes 3:19-20).
A minha religião é o amor por todos os seres vivos (Tolstoi).
“Porque fomos criados à imagem e semelhança de Deus”, disse o homem; “quanta presunção!”, pensou a abelhinha.
“Promete ser fiel e amá-lo para todo o sempre, na riqueza, na pobreza, na doença?”, “Não, padre; tenho horror à mentira”, respondeu a noiva.
“Foi Deus que, na sua infinita misericórdia, me salvou desse terrível acidente”, disse o primeiro sobrevivente; “seria muita pretensão da minha parte que Deus, para me salvar, tivesse de sacrificar tanta gente inocente”, retrucou o segundo.
“Não cuideis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer a paz, mas a espada. Porque eu vim pôr em dissensão o homem contra seu pai, e a filha contra sua mãe, e a nora contra sua sogra. E assim os inimigos do homem serão os seus familiares” (Mateus: 10: 34-36; Lucas: 12: 51-53). Ao leitor desavisado: essas palavras não se referem nem ao demônio nem ao dinheiro.
“Eu só quero a PAZ, a JUSTIÇA e um mundo sem violência”, gritou o terrorista antes de detonar a bomba.
Não existem fatos, mas interpretações (Nietzsche); logo, não existem fenômenos morais, religiosos, éticos ou estéticos, mas apenas uma interpretação moral, religiosa, ética e estética dos fenômenos; isso também é uma interpretação.
É preciso fazer escavações na Lei para encontrar o Direito (Vitor Hugo).
E como o leão, capturado em plena selva, era bravo, para domesticá-lo, arrancaram-lhe os dentes e unhas; e o acorrentaram e o torturaram diariamente; e assim o animal se fez “bom e manso”. Os juristas chamam isso de ressocialização.
As prisões de hoje são as senzalas de ontem (Scheerer).
La ley es como las serpientes; solo pica a los descalzos (Oscar Romero).
Temos o direito de ser preconceituosos; mas não o de fazer dos nossos preconceitos um direito.
“Somos todos iguais”, diz a lei; “não! Mil vezes não!”, protesta a natureza.