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Interrupção da prescrição em caso de coautoria

Por Paulo Queiroz, professor da UnB (Universidade de Brasília) e membro do MPF,  e Carlos Eduardo Vieira, bacharel em direito pela UnB e assessor do MPF.

O artigo 117, §1°, do CP dispõe que:

Excetuados os casos dos incisos V e VI deste artigo, a interrupção da prescrição produz efeitos relativamente a todos os autores do crime. Nos crimes conexos, que sejam objeto do mesmo processo, estende-se aos demais a interrupção relativa a qualquer deles.

De acordo com literalidade desse artigo, a decisão que interrompe a prescrição (decisão de recebimento da denúncia, sentença condenatória etc.) produziria efeitos em relação a todos os coautores e partícipes do crime, ainda que tenha havido rejeição da denúncia ou da queixa etc., relativamente a algum dos corréus.

A doutrina, em geral, não vê problema algum aí. Guilherme de Souza Nucci1, por exemplo, afirma o seguinte:

Comunicabilidade das causas interruptivas: quando houver o recebimento da denúncia ou da queixa, a pronúncia, a decisão confirmatória da pronúncia ou a sentença condenatória recorrível com relação a um dos coautores de um delito, a interrupção se comunica, alcançando a todos. Significa que o Estado manifestou a tempo o seu interesse em punir, mantendo a sua pretensão de punir os demais, bastando que os encontre a tempo. Entretanto, as causas dos incisos V e VI são pessoais, vale dizer, se vários corréus são condenados e um deles foge, é óbvio que a prescrição da pretensão executória só envolve a sua pessoa, e não a dos demais, que cumprem pena. O mesmo se dá com a reincidência: se todos estão foragidos, é possível que um deles se torne reincidente, mas não os demais.

Há também precedentes nesse sentido: 2

PENAL. PROCESSO PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. REDUÇÃO PELA METADE DO PRAZO PRESCRICIONAL (CP, ART. 115). RÉU COM MENOS DE 70 ANOS NA DATA DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. INAPLICABILIDADE. CORRÉU CONDENADO EM 2º GRAU. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA COMO MARCO INTERRUPTIVO DA PRESCRIÇÃO. INTELIGÊNCIA DO § 1º DO ART. 117, DO CÓDIGO PENAL. DECLARAÇÃO DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE MANTIDA. ERRO MATERIAL NA EMENTA DO RECURSO ESPECIAL. CORREÇÃO.

1. Assenta os últimos julgados do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, que a redução pela metade do prazo prescricional, prevista no art. 115, do Código Penal alcança somente os condenados que na data da primeira decisão condenatória, seja sentença ou acórdão, já contavam 70 (setenta) anos de idade, o que não se verificou na hipótese.

2. À exceção das circunstâncias relativas ao início do cumprimento da pena e à configuração da reincidência do agente, as demais hipóteses previstas no art. 117, do CP configuram-se marcos interruptivos para “todos os autores do crime”, aí incluída a publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis, ainda que eventualmente absolutório para uns e sancionatório para outros.

3. Na espécie, o pronunciamento desta Turma não poderia olvidar a declaração da prescrição da pretensão punitiva estatal, ante o transcurso do lapso temporal, previsto no art. 109, inciso IV, do CP, distinguindo o agente dos demais corréus, pelo fato de ter sido condenado em 2º grau, à guisa de estabelecer o dia da publicação do acórdão recorrido, como marco interruptivo do prazo prescricional, sob pena de ferir o disposto no § 1º do art. 117, do Código Penal.

(Precedentes do STF e desta Corte).

4. Recurso de claro mister integrativo, consoante disciplina o art.

619 do Código de Processo Penal, os embargos declaratórios somente serão opostos quando houver ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão constantes no julgado, não servindo, pois, de via idônea à reapreciação da causa, já devidamente analisada e decidida em sede própria.

5. Constando-se erro material na ementa do recurso especial, porque em flagrante desacordo com o que esposado pelo entendimento adotado pela Turma, impõe-se a sua correção.

6. Não é possível em sede de embargos de declaração adaptar o entendimento do acórdão embargado em razão de posterior mudança jurisprudencial. Precedentes.

7. Embargos de declaração de Aldo de Almeida Júnior e do Ministério Público Federal rejeitados; embargos de declaração opostos por Altair Fortunato e Valderi Werle julgados prejudicados; embargos de declaração de Alaor Alvim Pereira acolhidos para conhecer do primeiro recurso integrativo, em razão da sua tempestividade, e, julgados esses, dar parcial provimento, suprimindo-se o item 2 da ementa do recurso especial, renumerando os que lhe seguiram, e os de Benedito Barbosa Neto parcialmente acolhidos, sem efeitos infringentes, para ratificar o regime inicial de cumprimento da pena imposta.

(EDcl nos EDcl no REsp 1115275/PR, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, QUINTA TURMA, julgado em 05/12/2013, DJe 11/12/2013)

O equívoco é manifesto.

Com efeito, o artigo em questão há de ser interpretado sistematicamente, não isoladamente, e, mais importante, conforme os princípios do devido processo legal, legalidade, pessoalidade e individualização da pena, de modo que as decisões capazes de interromper (e suspender) os prazos prescricionais atinjam apenas os réus que forem penalizados pela causa interruptiva ou suspensiva de prescrição.

Imagine-se, por exemplo, que o MP ofereça denúncia contra A, B e C, sendo a denúncia recebida em relação a A e B, mas rejeitada quanto a C, vindo A a ser condenado e B absolvido. Nesse caso, é evidente que somente em relação a A e B houve efetiva interrupção do prazo prescricional (recebimento da denúncia), não em relação a C (rejeição da denúncia), sob pena de violação aos princípios penais. Tampouco a condenação de A poderá interromper a prescrição em relação a B, já que este foi absolvido.

Fosse a denúncia oferecida contra um único réu e rejeitada, parece claro que não interromperia a prescrição; tampouco se, embora recebida, interrompendo-a, fosse o réu absolvido, é certo que a sentença absolutória não interromperia a prescrição. Por que com a coautoria e a participação seria diferente? O que vale para a autoria há de também valer para a coautoria, que é uma forma de autoria; e, com maior razão, para a participação, por ser uma intervenção secundária no crime do autor3.

Em resumo: a causa interruptiva (ou suspensiva) da prescrição só atinge o réu efetivamente penalizado pela decisão. Do contrário, o despacho de rejeição da denúncia interromperia a prescrição, assim como a sentença absolutória produziria efeitos condenatórios, violando o artigo 117, I e IV, do CP4.

As causas interruptivas e suspensivas da prescrição só podem atingir, por conseguinte, os réus penalizados pela decisão interruptiva ou suspensiva, não terceiro, visto que a responsabilidade penal é sempre individual, nunca coletiva ou solidária. Também por isso, as circunstâncias de caráter pessoal, quer se refiram à teoria do delito (CP, art. 305), quer se refiram à teoria da pena, são incomunicáveis (reincidência, confissão etc.)

Cabe lembrar, a propósito, que também as condições de caráter pessoal, como a idade (menor de 21 e o maior de 70 anos, nos termos do art. 115 do CP), não são comunicáveis, razão pela qual a redução do prazo de prescrição não se estende aos coautores ou partícipes do crime.

Além disso, no caso de concurso de crimes (formal, material e continuidade delitiva), o cálculo prescricional incide para cada delito isoladamente (CP, art. 1196), considerada a respectiva pena fixada pela sentença condenatória7.

Por conseguinte, a expressão “relativamente a todos os autores do crime” a que se refere o artigo 117, §1°, do CP, deve ser lida como “relativamente a todos os réus atingidos pela decisão que interrompe a prescrição”, o que a tornaria supérflua, inclusive, se assim fosse redigida. Afinal, a decisão atinge, de fato, os denunciados, os pronunciados ou condenados no processo criminal, não necessariamente os autores do crime, que podem ou não figurar como denunciados, pronunciados ou condenados.

Aliás, no caso de aditamento da denúncia, para incluir novos réus ou novos crimes, só a partir da decisão que o acolhe, haverá interrupção quanto ao corréu ou delito objeto do aditamento. Afinal, o aditamento é uma nova denúncia, embora com outro nome.

1NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 678.

2 EDcl nos EDcl no REsp 1115275/PR, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, QUINTA TURMA, julgado em 05/12/2013, DJe 11/12/2013.

3Paulo Queiroz. Direito penal. Parte Geral. Salvador: juspodivmeditora, 2018, 13ª edição.

4Causas interruptivas da prescrição

Art. 117 – O curso da prescrição interrompe-se:

I – pelo recebimento da denúncia ou da queixa;

II – pela pronúncia;

III – pela decisão confirmatória da pronúncia;

IV – pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis.

5Circunstâncias incomunicáveis

Art. 30 – Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.

6 Art. 119 – No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente.

7Quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação.

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Não é fácil prefaciar qualquer trabalho de Paulo Queiroz, principalmente quando ele homenageia o prefaciador. O largo tirocínio no Ministério Público Federal, os longos anos de magistério universitário e as inúmeras palestras proferidas por esses brasis afora, congeminados, descortinaram-lhe novos horizontes. E aí está a literatura jurídica pátria engrandecida com mais um trabalho que honra sobremodo as nossas tradições.

A prescrição é a mais relevante, a mais complexa, a mais controversa e a mais frequente causa de extinção da punibilidade. Nem todos concordam com a prescrição e sempre houve quem propusesse a sua abolição total ou parcial sob a justificativa de ser um dos fundamentos da impunidade.

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