Como se sabe, todos os recursos têm efeito devolutivo, isto é, devolvem ou submetem ao tribunal competente a reapreciação da matéria nele suscitada, mas com uma singularidade relativamente à apelação da sentença condenatória e absolutória imprópria: mesmo que o apelante tenha impugnado apenas uma parte da sentença, tal não implica preclusão dos demais temas e, por isso, o tribunal poderá ir além do tema recursal. Como regra, não há ilegalidade em assim proceder (favor rei).
Afinal, o princípio da legalidade penal constitui histórica e constitucionalmente
uma garantia destinada à proteção do indivíduo contra os excessos do poder punitivo e a prevenir reações públicas ou privadas arbitrárias (Ferrajoli), razão pela qual não pode servir de prextexo ou fundamento para legitimar eventuais abusos. Não por outra razão, mesmo um
Código de Processo Penal (1941) como o nosso, editado em plena ditadura Vargas, admite, por exemplo, a concessão de habeas corpus de ofício (CPP, art. 654, §2°).
Consequentemente, o princípio tantum devolutum quantum apllelatum (tanto se devolve quanto se apela) não impede o tribunal de, apreciando apelação exclusiva da defesa questionando apenas o regime de cumprimento da pena, provê-la em maior extensão,
para, por exemplo, atenuar a pena, em virtude de bis in idem, reconhecer que o fato é atípico,
lícito ou não culpável, que a prova é ilícita ou a sentença é manifestamente contrária à prova
dos autos, ainda que nada disso tenha sido alegado pelo apelante, expressa ou tacitamente. Ou conceder habeas corpus de ofício nesses casos.
Como ensina Fernando da Costa Tourinho Filho:
“Como as vezes o recurso é apenas parcial, a doutrina costuma analisar o efeito devolutivo sob o aspecto da extensão e da profundidade. Se a impugnação for total, evidente que o efeito devolutivo é área mais ampla e mais vasta. Se parcial a impugnação, o reexame pelo juízo ad quem fica restrito ao aspecto impugnado. Sob o ângulo da profundidade, é de observar que o efeito devolutivo, com a sua maior ou menor extensão, confere ao tribunal amplos poderes para reexaminar as questões cuja análise lhe foi devolvida, podendo, inclusive, colher outras provas além daquelas já produzidas na primeira instância ou tão-só para reproduzilas, tal como permitido pelo art. 616…” (Código de processo penal comentado. São Paulo: Saraiva, 2.009, p. 311).
O efeito devolutivo na apelação é, pois, amplíssimo, mesmo quando se trata de
impugnação de sentença do júri, de recurso de fundamentação vinculada ou apenas parcial.
Nos demais recursos, o efeito devolutivo fica, a princípio, restrito à matéria impugnada, sem prejuízo dos temas que podem ser conhecidos de ofício. Obviamente, é vedada a reformatio in pejus.
Mesmo no processo civil a devolutividade do recurso é amplíssima (CPC, art. 1.013). Como escreve Fredie Didier, “Conforme resulta dos parágrafos do art. 1.013 do CPC
é amplíssima, em profundidade, a devolução dessas questões incidentais. O tribunal não fica
restrito às questões efetivamente resolvidas na decisão recorrida; para examinar o pedido recursal, o tribunal poderá examinar todas as questões incidentais relevantes, respeitado o contraditório e o dever de consulta a que se refere o art. 10 do CPC. Por isso que se diz que a profundidade do efeito devolutivo permite que o tribunal julgue o recurso com base em questões que não foram necessariamente suscitadas nas razões ou nas contrarrazões recursais” (Curso de direito processual civil, v.3. Salvador: juspodivmeditora, 2018, p.174).
Por fim, é importante notar também que, no caso de concurso de pessoas (CP,
art. 29), a decisão do recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos demais (CPP, art. 580), independentemente da interposição de recurso ou pedido da parte. Assim, por exemplo, se for reconhecido que o fato é atípico, a decisão se comunicará aos coautores e partícipes, por força do princípio da isonomia, inclusive. O mesmo já não ocorreria se apenas fosse atenuada a pena de um dos réus em virtude da menoridade, se os corréus não forem também menores de 21 anos na data do crime.