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É possível agravar a pena do estupro de vulnerável com base na vulnerabilidade?

Por Paulo Queiroz e Pedro Barbosa

Temos que sim!

Como se sabe, o estupro de vulnerável consiste em ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos (CP, art. 217-A, caput). E incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência (CP, art. 217-A, §1°).

A condição legal de vulnerável é, pois, inerente ao tipo, razão pela qual faria sentido vedar o agravamento da pena em razão da idade da vítima, de modo a evitar a dupla penalização do agente pelo mesmo fato (bis in idem), já que a tipicidade da conduta depende da idade da vítima, sendo atípico o fato quando o ofendido for maior de 14 anos ou não for vulnerável na forma da lei.

Ocorre que os níveis de vulnerabilidade dos possíveis ofendidos no crime de estupro variam consideravelmente conforme a idade da vítima, que tanto pode ser um recém-nascido quanto uma menor próxima de completar 14 anos de idade, para usar dois exemplos extremos de vulnerabilidade.

Obviamente são situações que, embora consideradas legalmente como capazes de configurar o mesmo crime de estupro de vulnerável, são bastante distintas e muito mais reprováveis quando se tratar de violência praticada contra criança de tenra idade. Nesse sentido é a orientação do STJ inclusive1.

É, pois, justo e necessário distinguir tais situações, a fim de punir mais gravemente o estupro conforme a idade da vítima, sem que isso implique bis in idem. Afinal, quão mais jovem ou vulnerável a vítima, maior a reprovabilidade da conduta e, portanto, maior a culpabilidade do autor.

Na verdade, apesar de a lei não fazer, a princípio, distinção segundo a idade, já que exige apenas que se trate de menor de 14 anos, nada impede que o juiz e o tribunal considerem as diversas circunstâncias do caso a fim de individualizar a pena, segundo a gravidade dos atos libidinosos praticados, que podem ser mais ou menos intensos, mais ou menos leves, mais ou menos violentos, mais ou menos duradouros, mais ou menos traumáticos, circunstâncias que podem e devem ser consideradas na dosimetria da pena, sem que isso implique bis in idem, salvo em casos excepcionais (v.g., reconhecimento de concurso crimes, aí incluída a continuidade delitiva).

Nesse contexto, também a idade da vítima é uma circunstância relevantíssima para a aferição da culpabilidade do autor, tanto é assim que não haveria bis in idem na decisão que aplicasse a agravante do art. 61, II, “h”, do CP (crime contra criança) em vez de negativar a circunstância judicial. Nem haveria dupla punição do mesmo fato se o tipo penal previsse causa de aumento de pena com base na idade da vítima, digamos, até oito anos.

Só haveria bis in idem se quiséssemos também admitir o aumento de pena no caso de estupro de adolescente, a partir de 12 anos completos, na forma do art. 2.º, caput, do ECA.

Assim, é perfeitamente possível e legítimo distinguir crianças e adolescentes para fins de individualização da pena.

1 Sobre o tema, é bem didático o julgado da Corte no AgRg no REsp n. 2.066.898/SC: “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. VALORAÇÃO NEGATIVA DA CULPABILIDADE. VÍTIMA QUE CONTAVA COM 9 ANOS À ÉPOCA DOS FATOS. TENRA IDADE QUE AUTORIZA EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte não adota um critério rígido para o conceito de tenra idade, bem como compreende que a tenra ou pouca idade pode justificar a exasperação da pena-base do delito de estupro contra vulnerável. Precedentes.2. O conceito de tenra idade não se limita à primeira infância (0 a 6 anos de idade), mas alcança também anos posteriores, em que a vítima ainda é criança. Assim, a questão fundamental gira em torno dos diferentes graus de vulnerabilidade a que estão sujeitos crianças e adolescentes, de forma a se permitir uma maior reprimenda na primeira hipótese.3. No caso em apreço, os atos libidinosos foram cometidos pelo padrasto da vítima quando ela possuía entre 9 e 10 anos de idade, pelo período de seis meses (quase todos os dias, relatou a vítima). Com efeito, trata-se de criança de bem pouca idade, o que legitima a exasperação da pena-base para além do mínimo legal, em face de sua maior vulnerabilidade.4. Conforme é cediço, o delito em questão (estupro de vulnerável) está caracterizado quando cometido contra pessoa menor de 14 anos, o que significa que ele pode ser praticado contra crianças e adolescentes. Quando praticado contra os mais precoces física e psiquicamente, ou seja, os mais vulneráveis, evidencia-se uma maior reprovabilidade da conduta do agente, de forma a autorizar o recrudescimento da basilar.5. Dessa feita, não há que se falar em negativação de circunstância inerente ao tipo penal, como pretende a defesa.6. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp n. 2.066.898/SC, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 11/9/2023, DJe de 13/9/2023.)”

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Não é fácil prefaciar qualquer trabalho de Paulo Queiroz, principalmente quando ele homenageia o prefaciador. O largo tirocínio no Ministério Público Federal, os longos anos de magistério universitário e as inúmeras palestras proferidas por esses brasis afora, congeminados, descortinaram-lhe novos horizontes. E aí está a literatura jurídica pátria engrandecida com mais um trabalho que honra sobremodo as nossas tradições.

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