Como regra, não!
Claramente há bis in idem ao se admitir a prática simultânea de associação para o tráfico de drogas e organização criminosa, visto que são crimes associativos que, embora autônomos, definem o mesmo tipo de infração penal, mais exatamente, uma forma de associação criminosa. Logo, há conflito aparente de normas, não concurso de crimes (formal, material ou continuidade delitiva).
Assim, punir os réus duplamente por integrarem uma associação criminosa é castigar a mesma conduta com o mesmo fundamento jurídico-penal (bis in idem). O mesmo ocorreria se pretendêssemos castigá-los também pelo delito do art. 288 do Código Penal (associação criminosa).
É bem verdade que são crimes autônomos e distintos. Com efeito, se, por um lado, a associação para o tráfico é – em tese – um delito menos grave e o tipo penal exige menos que a organização criminosa, já que bastam duas ou mais pessoas para a sua configuração, por outro lado, a organização criminosa requer mais, como se vê facilmente da simples leitura do art. 1º, “§ 1º, da Lei nº 12.850/2.013, que diz: “Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.” Em verdade, a organização criminosa é mais grave em tese porque tais delitos cominam a mesma pena mínima (três anos de reclusão) e a pena máxima da associação para o tráfico é de dez anos de reclusão, sendo de oito anos de reclusão na organização criminosa, a demonstrar absoluta falta de critério do legislador.
Mas não só. A associação para o tráfico é mais específica no sentido de que se destina a punir uma forma particular de associação criminosa (a associação ao tráfico de droga), ao passo que o delito de organização criminosa é mais genérico, pois é aplicável a qualquer tipo de atividade criminosa, aí incluído o próprio tráfico de entorpecentes inclusive. Apesar disso, é possível associação para o tráfico de droga, não organização criminosa, que se dedique também a outros crimes (lavagem de capitais etc.).
Nesse sentido, a associação para o tráfico é um tipo especial relativamente à organização criminosa, o que ensejaria a aplicação do princípio da especialidade (lex specialis derrogat legi generali). Afinal, há aqui uma relação de gênero e espécie, já que toda organização criminosa (gênero) é uma associação criminosa (espécie), mas nem toda associação é uma organização.
Ocorre que a associação do art. 35 da LD é também um crime subsidiário em comparação com a organização criminosa, seja porque a lei exige menos para a sua configuração, seja porque já está contida na definição legal da organização criminosa, razão pela qual é aplicável ao caso o princípio da consunção ou absorção, ainda que os tipos penais cominem a mesma pena mínima e a pena máxima da organização seja inferior ao delito de associação para o tráfico. Mas isso por si só (pena máxima cominada) não impede a absorção da associação. Incide aqui, analogicamente, a Súmula 17 do STJ (“Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido”), hipótese em que um crime em tese menos grave (estelionato) pode consumir o mais grave (falsificação documental). Trata-se de uma exceção à regra de que o crime mais grave absorve o mais leve. Aqui sucede o contrário.
Havendo, portanto, um conflito aparente de normas, não um concurso material de crimes, temos que há de incidir, no caso, a organização criminosa do art. 2º Lei nº 12.850/2.013, visto que, por se mais amplo, compreende, na sua definição legal, a associação para o tráfico e outras possíveis formas de associação criminosa (CP, art. 288).
Deve, pois, prevalecer o princípio da consunção, à semelhança do que ocorre com o homicídio e a lesão corporal, o roubo e o furto, a extorsão mediante sequestro e o sequestro, nos quais prevalece sempre o delito mais amplo (o homicídio, o roubo, a extorsão mediante sequestro), em prejuízo dos que o integram (lesão corporal, furto, sequestro), que são consumidos ou absorvidos. Aqui há relação de todo e parte, de conteúdo e continente etc.
Reconhecida a participação em organização criminosa, fica prejudicada a imputação/condenação por associação para o tráfico. O que não é possível é fazer incidir os dois tipos penais, sob pena de ofensa ao princípio ne bis in idem.