DOLO SEM VONTADE?

21 de janeiro de 2023

Querer me parece, antes de tudo, algo complicado, algo que somente como palavra constitui uma unidade. Em todo querer existe, primeiro, uma pluralidade de sensações, a saber, a sensação do estado que se deixa, a sensação do estado para o qual se vai, a sensação desse deixar e ir mesmo, e ainda uma sensação muscular concomitante, que mesmo sem movimentarmos braças e pernas, entra em jogo por uma espécie de hábito, tão logo queremos. Portanto, assim como sentir, aliás muitos tipos de sentir, deve ser tido como ingrediente do querer, do mesmo modo, e, em segundo lugar, também o pensar: em todo ato da vontade há um pensamento que comanda; – e não se creia que é possível separar tal pensamento do querer, como se então ainda restasse a vontade! Em terceiro lugar, a vontade não é apenas um complexo de sentir e pensar, mas sobretudo um afeto: aquele afeto que comanda (…). Um homem que quer – comanda algo dentro de si que obedece, ou que ele acredita que obedece. Mas agora observem o que é mais estranho na vontade – numa coisa tão múltipla, para a qual o povo tem uma só palavra: na medida em que somos ao mesmo tempo a parte que comanda e a que obedece, e como parte que obedece conhecemos as sensações de coação, sujeição, pressão, resistência, movimento, que normalmente têm início logo após o ato de vontade… Nietzsche. Além do bem e do mal. São Paulo. Companhia das letras, 2021, aforismo 19, pp. 22/23.

1)Sobre os limites de um conceito

Dolo é um conceito, um conceito jurídico, não somente um conceito jurídico-penal. E como conceito, remete necessariamente a outros tantos: tipo penal, consciência, vontade, culpa, bem jurídico etc., que reenviam a outros tantos, motivo pelo qual só se pode obter um conceito de dolo por meio de remissões, associações, analogias etc.[1]

O mais perfeito ou prestigiado conceito de dolo é apenas um entre vários conceitos possíveis, de modo que traduz em última análise o ponto de vista de seu autor ou de quem o adota, afinal outros tantos conceitos, mais ou menos exatos, mais ou menos amplos, são igualmente possíveis. Também por isso, um conceito constitui uma apreensão sempre parcial do mundo num universo de possibilidades; um conceito é uma simplificação, uma redução.[2]

E todo conceito, como representação do pensamento, pouco ou nada diz sobre o seu conteúdo, isto é, pouco ou nada diz sobre as múltiplas formas que ele pode assumir histórica e concretamente, até porque, embora pretenda valer para o futuro, é pensado a partir de uma experiência passada, a revelar que definir algo é de certo modo legislar sobre o desconhecido.[3] Também por isso, um conceito, como expressão da linguagem, é estruturalmente aberto, e, pois, pode compreender objetos históricos os mais díspares (v. g., o conceito de legítima defesa depende do que se entenda, em dado contexto, por “injusta agressão”, “uso moderado dos meios necessários” etc.). Conceitos são cheques em branco.

Além disso, um conceito, que é assim socialmente construído, só é compreensível num espaço e tempo determinados, motivo pelo qual, com ou sem alteração de seus termos, está em permanente transformação, afinal um conceito encerra uma convenção (sempre provisória) e está condicionado por pré-conceitos ou pré-juízos. Por isso é que o legal e o ilegal, o lícito e o ilícito variam no tempo e no espaço, independentemente (inclusive) da alteração dos termos da lei, até porque o direito existe com ou sem leis (v. g., comunidades ou países que adotam um direito costumeiro). Todo conceito, como todo texto, pressupõe um dado contexto.

Exatamente por isso, o que é justo hoje ou o foi ontem não será necessariamente amanhã. Pode ocorrer, inclusive, de se ter por justo e legal num dado momento algo que se tornará injusto e ilegal – e eventualmente criminoso – em momento posterior, podendo-se imaginar que no futuro muito do que atualmente é ilegal se tornará legal (e vice-versa). Aliás, historicamente nem todas as pessoas foram consideradas sujeitos de direito (v. g., estrangeiros, prisioneiros de guerra, mulheres, escravos).[4] O ser do direito é um devir.[5]

Não existe, portanto, direito vagando fora ou além da história, nem fora ou além das relações de poder que o constituem. Afinal, o tempo – são palavras de Kant – é a condição formal a priori de todos os fenômenos em geral, uma vez que todos os objetos dos sentidos estão no tempo e necessariamente sujeitos às relações do tempo.[6]

O conceito de dolo, tal qual o conceito de autoria, erro de tipo, erro de proibição, culpa, crime continuado etc., e diferentemente do conceito de cavalo, diamante etc., que dizem respeito a algo concreto, não remete a uma coisa propriamente, mas a relações e conflitos que daí resultam. Exatamente por isso, o direito não é um conjunto de artigos de lei, mas um conjunto de relações humanas.[7]

Espinosa tinha razão, portanto, quando dizia que o bem (leia-se o lícito) e o mal (leia-se o ilícito) não são coisas reais (entia realia), mas entes da razão (entia rationis); logo, são apenas relações, e que, por isso, não existem na natureza, “pois jamais se disse que algo é bom senão em relação a outro que não é tão bom ou não nos é tão útil como o primeiro. E, assim, quando alguém diz que um homem é mau, não o diz senão em relação a outro que é melhor; ou, também, que uma maçã é má, senão em relação a outra que é boa ou melhor”.[8] Ou, ainda, como escreve Michel Onfray: “o bem e o mal, o verdadeiro e o falso, o justo e o injusto, o belo e o feio pertencem a decisões humanas, contratuais, relativas e históricas. Essas formas não existem a priori, mas a posteriori, elas devem se inscrever na rede neuronal para ser: não há moral sem as conexões neuronais que permitam sua existência.[9]

Por fim, todo conceito é construído pela equiparação de coisas desiguais e, por isso, constitui uma universalização do não universal, do singular; um conceito nasce, portanto, da postulação de identidade do não idêntico.[10] O conceito de crime, por exemplo, refere-se a um sem-número de condutas que a rigor nada têm em comum, à exceção da circunstância de estarem formalmente tipificadas: matar alguém, subtrair coisa alheia móvel, caluniar alguém, ferir ou mutilar animais etc., conceitos, que, por sua vez, unificam coisas díspares.

Com efeito, não existe um homicídio absolutamente igual a outro homicídio, nem um furto absolutamente igual a outro furto, nem um crime ambiental absolutamente igual a outro, pois as múltiplas variáveis que sempre envolvem tais atos tornam cada ação humana singular, única, irrepetível. Enfim, um conceito é formado pela eliminação do que há de particular em cada ato; e quanto mais exato, mais abstrato e mais vazio de conteúdo se torna.[11]

Obviamente, como o dolo é dolo de tipo e cada tipo tem sua própria definição legal e criminaliza condutas díspares, utilizando sujeitos, verbos, predicados, advérbios etc. distintos, segue-se que cada tipo exige seu próprio dolo. Não existe um dolo universal, aplicável a todo e qualquer tipo penal, mas um dolo de matar alguém, de ofender a integridade física de outrem, de subtrair coisa alheia móvel etc. Mesmo crimes semelhantes exigem dolos distintos, porque remetem a tipos legais distintos. O dolo da calúnia é diferente da difamação, que difere da injúria. O dolo do estupro do art. 213 do CP é diverso daquele do art. 217-A do CP (estupro de vulnerável) etc.

Aliás, a analogia não constitui um elemento acidental, mas essencial ao conhecimento/interpretação, pois o belo e o feio, o justo e o injusto, o legal e o ilegal, são construídos em verdade a partir de comparações (analogias), isto é, recorrendo-se, conscientemente ou não, a experiências (sempre novas) de beleza, de justiça e de legalidade. O direito não é um saber lógico, mas analógico.[12]Nossos juízos de valor são juízos analógicos.

Por fim, o conceito de dolo não é a própria coisa (condutas etc.) que designamos como tal, assim como o conceito de automóvel não é o próprio automóvel.[13]Um conceito é essencialmente uma imagem, ela mesma um conceito.

De tudo isso resulta que o direito – e os conceitos de que se vale, aí incluído o dolo – não está previamente dado, pois é parte da construção social da realidade; e, portanto, o direito não preexiste à interpretação, mas é dela resultado, razão pela qual a interpretação não é um modo de desvelar um suposto direito preexistente, mas a própria realização do direito. Enfim, não é a interpretação que depende do direito (ou da lei), mas o direito (ou a lei) que depende da interpretação. A interpretação é o direito realizado.

1.2)Dolo segundo o Código Penal

Como todo conceito, o conceito de dolo dado pelo Código Penal é uma simplificação de algo extremamente complexo.

De acordo com o art. 18 do CP, diz-se o crime:

Crime doloso 

I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;

Crime culposo 

II – culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.

Parágrafo único – Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.

Como se vê facilmente, o Código equiparou duas situações distintas (analogia) na definição legal de dolo, já que querer o resultado não é o mesmo que assumir o risco de produzi-lo. Obviamente, quem quer o resultado e age no sentido de consumá-lo assume o risco de produzi-lo com sua conduta dolosa. O contrário, porém, não é verdade, visto que quem assume o risco de produzir um resultado típico praticando uma determinada ação não necessariamente quer o resultado. Assim, por exemplo, quem dirige veículo automotor embriagado atua com dolo quanto ao crime do art. 306 do Código de Trânsito[14], mas não forçosamente em relação ao crime de homicídio que vier a praticar, podendo haver apenas o delito culposo do art. 302 do CTB[15]. Assumir o risco é uma condição necessária, mas não suficiente para a configuração do dolo eventual.

Se a lei se limitasse à primeira parte do artigo, o dolo eventual – e outros tantos casos de dolo – ficaria de fora e seria possivelmente tratado como culpa, a qual não é incompatível com a assunção de risco.

Mas não só. Todo conceito tem uma história. Claramente, o conceito de dolo foi pensado – e continua a sê-lo – para os crimes comissivos e de resultado (materiais), não para os delitos omissivos (próprios ou impróprios), sem resultado (formais) etc. Quase sempre os exemplos de dolo são casos de homicídio e toda a discussão se desenvolve em torno do dolo eventual. Pensa-se a partir da exceção, não da regra. No fundo, a teoria do dolo é uma teoria do homicídio doloso, não necessariamente aplicável a outros delitos. Fórmulas como “assumir o risco”, “ser indiferente ao resultado”, “perigo doloso”, “perigo qualificado”, “resultado provável” etc., a princípio não fazem muito sentido para um crime de tráfico de drogas, peculato, corrupção passiva, furto, estupro, calúnia etc.

Como é óbvio, não faz muito sentido falar, por exemplo, que o agente “quis o resultado ou assumiu o risco de produzir o resultado” num crime como o tráfico de droga (exportar, importar, adquirir, vender, expor à venda droga), pois não há aí resultado algum (naturalístico). O mesmo pode ser dito dos exemplos referidos de crime de trânsito, em que só no homicídio há resultado (culposo, no caso). Na hipótese de embriaguez ao volante, não existe resultado, mas uma conduta perigosa.

O problema do conceito de dolo dado pelo Código Penal é o problema de todo conceito: vale para algumas situações, não para todas. Apesar disso, é preciso interpretar os casos penais conforme as definições legais, doutrinárias ou jurisprudenciais disponíveis.

Também por isso, é perfeitamente possível falar de dolo, por exemplo, num caso de homicídio, mesmo que o agente não tenha querido o resultado em situações em que claramente se quis a morte (dolo direto de primeiro grau), mas não aquela morte específica. Por exemplo, o autor que, querendo matar um inimigo, mata um amigo por erro na execução (CP, art. 73), responderá por homicídio doloso, ainda que ele quisesse atingir pessoa diversa que não foi atingida e ele não tivesse nem sequer imaginado que poderia ferir o amigo. É que, a princípio, não importa quem se quis matar; importa que se quis matar e se agiu com êxito nesse sentido. Nesse caso, o agente responde, segundo a teoria da equivalência adotada pelo CP, por homicídio doloso consumado contra o inimigo, embora não atingido. O dolo é ou não imputável segundo parâmetros normativos, não arbitrários e fundamentadamente.

Como se vê com base no exemplo supra, não precisamos recorrer aos casos difíceis para demonstrar a insuficiência do conceito de dolo, qualquer conceito de dolo, frise-se. Nos casos difíceis haverá sempre diversas possibilidades de solução do problema, ainda que adotemos a mesma teoria ou o mesmo autor ou o mesmo texto legal, por mais claro.

Objeções semelhantes poderiam ser feitas nos casos de dolo eventual e de dolo direto de segundo grau, nos quais o agente poderia razoavelmente alegar que não queria o resultado. O mesmo poderia ser dito de inimputáveis, de semi-imputáveis, de portadores de transtornos mentais graves, de autores de crimes praticados sob o efeito de droga etc. Em todos esses casos, afirma-se em geral que há dolo ou se presume o dolo, ainda que não se confesse isso. Sim, é preciso reconhecer que ainda há casos de responsabilidade penal sem dolo ou sem culpa.[16]

E assumir o risco de produzir um resultado é mero indício de um crime doloso, podendo haver apenas culpa ou mesmo um fato atípico, apesar disso.

Se, como dissemos, a interpretação não é um modo de constatar um direito preexistente, mas a própria realização do direito, é evidente que isso vale também para o dolo e para todos os conceitos jurídico-penais. Não existem fenômenos criminosos, mas uma interpretação criminalizante dos fenômenos e, pois, tipificante, antijuridicizante e culpabilizante dos fenômenos.[17]

O dolo é uma interpretação da conduta por parte de todos que participam do processo penal, não apenas o juiz, que decidirá se o agente agiu dolosamente. A princípio, todos têm igual importância para a verificação da verdade. Todos interpretam o caso penal: o autor do crime dará sua versão dos fatos; a vítima, as testemunhas, os peritos, o Ministério Público, a defesa etc., todas farão o mesmo, conforme seu ponto de vista, necessidades, motivações, sensibilidade, inteligência, discernimento, sobriedade, memória, fins, influências filosóficas e político-criminais etc. O juiz interpretará as interpretações; sentenciará.

Qualquer quer seja o conceito de dolo, o mais importante não é a sua perfeição técnica, o grau de aceitação pela doutrina mais prestigiada, mas o seu uso e efeitos práticos. Um bom conceito, uma boa técnica, há de ser um método que conduza a soluções justas e razoáveis. Isso não exclui, inclusive, a adoção de soluções ad hoc, contra o método.[18] O direito não é um fim em si mesmo, mas um meio de resolver conflitos justamente ou adequadamente. Como ferramentas que são, os institutos jurídicos podem ser bem ou mal utilizados.

Como escreve Zaffaroni, “Centrar o valor teórico-científico de uma construção jurídico-penal em sua não contradição interna pode levar a que se reverencie, como de máxima qualidade, a um sistema perfeitamente coerente, mas que, por sua vez, seja um discurso legitimante de um genocídio”.[19]

1.3)Elementos do dolo: dolo sem vontade? Vontade em sentido atributivo-normativo, não psicológico?

De um modo geral, a doutrina – dita volitiva ou volitivo-normativa – define dolo como consciência e vontade de realização dos elementos do tipo objetivo.

Há uma tendência, porém, fortemente influenciada por Puppe, de se definir dolo apenas como consciência de realizar os elementos do tipo objetivo ou admitir a vontade num sentido não psicológico, mas atributivo-normativo.

De acordo com Puppe, a proposição dolo é vontade é correta em sentido atributivo-normativo, não em sentido psicológico, porque a razão de se imputar a um autor um resultado como consequência de sua vontade, de seu querer, não está no fato de que o autor realmente o tenha querido, mas sim de que o autor tenha querido um estado de coisas que está vinculado de um modo específico a este resultado. Segundo essa concepção normativa da vontade, “interessa apenas que o autor tenha conhecimento de um perigo intenso de que a vítima morra caso ele aja, ou caso ele alcance seu objetivo, perigo esse cuja intensidade deve ser tal que uma pessoa racional praticaria apenas a ação apenas na hipótese de que ela estivesse de acordo com a morte da vítima”[20]. Segundo a autora, “um perigo será um perigo doloso, que fundamenta o dolo, quando ele representar, em si, um método idôneo para a provocação do resultado”. [21]

Também José Carlos Porciúncula defende que “dolo é conhecimento por parte do autor do significado típico de sua ação. Não é necessário perguntarmos, adicionalmente, por um “querer”, porque quando alguém realiza uma ação com consciência de seu significado típico, podemos dizer que essa pessoa “quer”, com sua ação, expressar esse significado típico”.[22]

Luís Greco rejeita igualmente a ideia de vontade em sentido psicológico e a considera irrelevante para a configuração do dolo, bastando o conhecimento. De acordo com Greco, dolo é “conhecimento de que a ocorrência do resultado é algo provável”. “Psicologicamente, dolo é conhecimento, e não conhecimento e vontade. Se todo dolo é conhecimento, e a vontade não tem relevância alguma, não há mais qualquer razão para diferenciar dolo direto (em suas duas formas, de primeiro ou de segundo grau) e dolo eventual. Há apenas uma forma de dolo”.[23] Segundo Greco, no caso do atirador de Lacmann, o fazendeiro que dispara em direção a uma menina, com vontade de acertar-lhe o chapéu, e não a cabeça, sob pena de perder todo o seu patrimônio, não quer, em sentido psicológico, acertar a cabeça da menina, nem quer perder todo o patrimônio. Se ainda assim afirmamos que este fazendeiro age dolosamente, tal se deve a que consideramos possível a existência de um dolo sem vontade em sentido psicológico.[24]

No mesmo sentido, Eduardo Viana tem que dolo deve ser compreendido “como compromisso cognitivo do autor com a realização do perigo representado.” Para ele, “A imputação a título de dolo não tem relação com a postura volitiva psíquica do indivíduo, pois dolo não é vontade, dolo é representação. A essencial diferença entre o dolo e a culpa, portanto, equivale fundamentalmente à distinção entre o conhecimento e o desconhecimento do perigo com qualidade dolosa”.[25]

Em geral, quem segue essa tendência defende um conceito unitário de dolo e propõe a abolição da classificação tripartite de dolo (dolo direto de primeiro grau, dolo direto de segundo grau e dolo eventual), visto que “o dolo eventual passa a ser a forma básica de dolo”.[26]Não está claro se tudo isso tem repercussão sobre o preterdolo.

Aparentemente, não se ganha nem se perde nada abolindo certas classificações, como dolo direito de primeiro e de segundo grau, que nosso CP não adota. Classificações são ou não úteis.

1.4)Crítica

Puppe tem razão – em parte – quando diz que a proposição dolo é vontade é correta no sentido atributivo-normativo. É óbvio que o juiz, ao condenar o réu por um crime doloso, atribui-lhe o dolo a partir da valoração dos elementos de prova colhidos nos autos e segundo parâmetros normativos não arbitrários.

Mas, como vimos, todos, a princípio, não só o juiz, participam desse processo de atribuição ou de não atribuição da responsabilidade penal por dolo ou por culpa. O réu se confessa ou não culpado, circunstanciado o crime, suas motivações etc., o mesmo ocorrendo com a vítima, a testemunha, os peritos, o Ministério Público, a defesa etc. Imputar é também não imputar, é culpar e não culpar.

A decisão judicial – não só em relação ao dolo – é uma decisão de poder que imputa (ou não) responsabilidade penal a alguém, acolhendo ou rejeitando as teses das partes. Assim, por exemplo, quando o juiz criminal rejeita a alegação de coação física irresistível, de legítima defesa, de erro de proibição, de inimputabilidade etc.

Realmente, dolo e culpa não são, a rigor, “estados mentais” do sujeito, mas uma imputação a esse título (a título de dolo ou culpa), a partir da valoração dos elementos de prova, aí incluída a própria versão do imputado, mais ou menos consistente e verossímil, que poderá até confessar-se culpado de uma conduta atípica, não culpável ou não punível. E, apesar da confissão, poderá ser absolvido inclusive por questões processuais (insuficiência ou ilicitude da prova etc.).

Dizer que o dolo não é um “estado mental” do sujeito, mas uma imputação a esse título, significa, mais concretamente, o seguinte: 1) que compete a um terceiro (notadamente o juiz), e não ao imputado, decidir se este agiu ou não dolosamente, razão pela qual a imputação a esse título não fica na dependência da interpretação que o próprio sujeito faz de seu ato; 2) que se trata, essencialmente, de uma valoração a partir da prova produzida nos respectivos autos e segundo parâmetros normativos; 3) que esse juízo de valor poderá eventualmente contrariar a própria versão do imputado, por mais verossímil, sobretudo nos crimes contra a honra (v.g., alega que agiu com animus jocandi etc.); 4) que, para a apuração do dolo, é essencial a consideração do contexto em que os fatos se passaram; 5) que o dolo não preexiste à interpretação, mas é dela resultado (não é previamente dado, mas construído), motivo pelo qual juízes e tribunais não raro divergem sobre o assunto, ora afirmando, ora negando a existência de dolo; 6) que o dolo é um conceito – logo, uma metáfora –, razão pela qual pode designar e compreender casos bastante díspares; 7) por encerrar uma imputação, é possível falar (em tese) de dolo mesmo em relação a adolescentes, portadores de transtorno mental etc.; 8)para evitar a responsabilidade penal objetiva, é preciso individualizar o dolo, isto é, a decisão sobre se o autor agiu ou não dolosamente deve levar em conta o indivíduo concreto e suas circunstâncias, não podendo a decisão judicial fundar-se apenas em ficções jurídicas, como o homem médio, o sujeito racional etc.

Como é óbvio, a competência para decidir sobre o dolo é do juízo ou tribunal. Se o dolo dependesse, ou dependesse exclusivamente, da interpretação que o agente faz do seu ato, mitômanos, por exemplo, não seriam condenáveis ou dificilmente o seriam. Além disso, a confissão seria absolutamente necessária para tanto. Aliás, mesmo no acordo de não persecução penal (CPP, art. 28-A), que exige confissão formal e circunstanciada, a proposta de acordo poderá ser recusada se a confissão for inconsistente ou carecer de justa causa (v.g., incidem excludentes de tipicidade ou de ilicitude), já que é uma alternativa à denúncia, não ao arquivamento.

No referido exemplo do autor que, querendo matar um inimigo, matou acidentalmente o amigo, por mais que ele diga, de forma absolutamente convincente, que não quis matar o amigo, mas um inimigo, e, portanto, não agiu dolosamente, ele responderá, ainda assim, a título doloso, contra o inimigo (CP, art. 20, §3°, c/c art. 73), apesar de este não ter sido atingido. A solução para o erro sobre a pessoa é a mesma, hipótese em que o agente erra sobre a identidade da vítima.

A afirmação de que o dolo é atribuição normativa é correta – em parte -, a qual compete especialmente ao juiz (mas não só a ele), atribuição que é construída segundo o devido processo legal e de acordo com parâmetros jurídico-penais. Mas ela é correta apenas do ponto de vista de quem faz a imputação, e segundo a sua interpretação do caso penal e do direito, não necessariamente de quem sofre a imputação, a qual não pode ser desprezada imotivadamente (CPP, art. 315, §2°).

Mas isso elimina o aspecto psicológico do dolo? A versão/compreensão que o próprio acusado faz de seu ato não é relevante? Se fosse assim, seria uma imputação arbitrária, antigarantista e violaria o direito de defesa, já que o principal implicado no processo penal, que praticou a conduta criminosa e sofrerá suas consequências, se condenado, não participaria desse processo. E lhe negaríamos a condição de sujeito de direito, transformando-o em objeto. Nesse sentido, a afirmação de que “o dolo não está na cabeça do réu, mas na cabeça do juiz”[27], é falsa do ponto de vista dos fatos, já que o dolo é um elemento da conduta do autor do crime, não da conduta do juiz; e como metáfora é uma meia verdade, visto que o juiz não pode afirmar a existência do dolo arbitrariamente.

Mas não só. O atributivo-normativo também é psicológico, é um ato de vontade. Quando se diz isso, o que se quer afirmar é que há um deslocamento do psicológico do réu para o juiz. O dolo estaria na cabeça do juiz, especialmente – aquele que imputa -, não na cabeça do réu – aquele que sofre a imputação.

Dizer que o dolo não é psicológico faz tanto sentido quanto dizer que a depressão, o transtorno de ansiedade e a esquizofrenia não são fenômenos psiquiátricos, mas normativos. Equivaleria a afirmar que o transtorno mental não está na cabeça do paciente, mas na cabeça do psiquiatra.

Trata-se de um reducionismo, evidentemente. De todo modo, tais coisas não são incompatíveis ou excludentes.

Juarez Tavares está certo quando pergunta: Como é possível descartar toda atividade subjetiva do agente, que está baseada na estrutura psicológica da vontade, se o dolo se expressa como vontade? Ou seja, é possível eliminar da vontade sua estrutura psicológica? Poder-se-ia radicalizar a pergunta: não existe vontade?[28]

Na verdade, prossegue o autor, a adoção de um fundamento normativo-atributivo do dolo tem a finalidade de eliminar do sujeito a possibilidade de invocar em seu favor a ausência de vontade, isto é, o critério corresponde a uma política criminal fundada na decisão judicial, não na realidade empírica.[29]

Ainda de acordo com Tavares, a adoção de um fundamento normativo-atributivo contém “uma séria desordem metodológica: a confusão entre a questão da definição do dolo, com base em seus elementos empíricos ou até mesmo ontológicos, com a questão de sua afirmação epistemológica, que diz respeito à sua prova no processo penal”.[30]

Nesse sentido, Juarez Tavares conclui com razão que: a)a estrutura psicológica do sujeito se compõe de consciência e vontade, sem as quais não se lhe poderia reconhecer a qualidade de pessoa deliberativa, como condição essencial de um estado de democrático de direito; b)a vontade não pode ser eliminada da estrutura do dolo e, pois, do injusto; c)se a vontade for eliminada do âmbito do injusto, será impossível tematizar sua formação no âmbito da culpabilidade.[31]

Também segundo Zaffaroni, dolo sem vontade é uma forma de presunção de dolo, é dolo que não é dolo:

Na imputação subjetiva, com todo acerto, são rechaçadas as teses de dolo que não é dolo, ao privá-lo de seu conteúdo de vontade. É claro que os esforços normativistas por construir um dolo sem vontade se traduzem, antes ou depois, em uma claríssima presunção de dolo, ainda que isso seja negado, rotundamente, por seus formuladores. Trata-se de uma moderna tentativa de regressão, por via doutrinária, à presunção legislativa de dolo dos velhos códigos penais.[32]

Aliás, mesmo autores que parecem radicalizar essa ideia e defendem dolo sem vontade reconhecem, como vimos, que “psicologicamente, dolo é conhecimento…”, mantendo o psicologismo do dolo, embora eliminem a vontade como elemento essencial.

Em suma, apesar de criticarem, com boas razões, o conceito de dolo, os autores que entendem o dolo no sentido atributivo-normativo ou pretendem eliminar o conteúdo volitivo, acabam propondo um conceito ainda mais impreciso de dolo. Substitui-se um erro por outro.

Obviamente, unificar o conceito de dolo ou eliminar as suas várias formas de expressão (dolo eventual etc.) não é eliminar os problemas práticos subjacentes. Uma das discussões mais frequentes na prática forense, por exemplo, a qual não deixaria de existir por causa dessa unificação, é saber se o dolo eventual é compatível com as qualificadoras do homicídio ou com a tentativa de crime. É possível, por exemplo, falar de homicídio com dolo eventual qualificado com o emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, motivo fútil, por recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa da vítima? É possível dolo eventual no crime de receptação (CP, art. 180, caput) e outros?

E por que abolir a vontade, não o conhecimento? A representação já não estaria implicada na ideia de vontade? Não se quer somente aquilo que se representa?[33] Por que excluir o psicologismo somente da vontade, e não também do conhecimento?

Tais questionamentos e outros tantos continuarão a existir independentemente do conceito de dolo adotado, por mais perfeito. A realidade é sempre mais complexa do que imagina a nossa vá filosofia, tão preocupada em esmerar conceitos.

Como reconhece Greco, “No sentido em que se usa o termo querer no direito penal, só se pode querer algo, se se sabe o que é esse algo. Por isso, a pergunta quanto a se o dolo sequer tem uma componente psicológica é idêntica à pergunta quanto a se o dolo tem uma componente cognitiva.”[34]

De fato, uma das teses mais frequentes em crimes como moeda falsa e tráfico de drogas, por exemplo, é a alegação de que o acusado não tinha conhecimento (ausência de representação) de que as cédulas postas em circulação eram falsas e que o réu não sabia que trazia droga ilícita, mas outra substância legal, razão pela qual não houve dolo (erro de tipo). Apesar disso, os juízes condenam os réus com base em prova indiciária em geral, tais como: a quantidade de cédulas ou de droga, a forma como estavam ocultadas no veículo ou na casa, os antecedentes criminais etc., a indicar que agiram dolosamente.

Por fim, é importante notar que, embora a doutrina tenha ampla liberdade de propor o que quiser em matéria de dolo e outros temas, os casos penais não podem ser resolvidos à margem da lei e da Constituição, sob pena de violação ao princípio da legalidade. Nosso Código Penal (CP, art. 18), além de adotar uma perspectiva volitista do dolo ou ontologista, como se prefere hoje, menciona a vontade em dezenas de artigos nos quais considerou relevante fazê-lo.

Aliás, dificilmente se poderá discutir certos temas sem ela. E é impossível distinguir os vários tipos dolosos sem apelar à vontade e ao modo como ela se manifesta concretamente.

Como falar de consumação de crime, de tentativa, de atos preparatórios, de desistência voluntária, de arrependimento eficaz sem recorrer à vontade do agente? Quem, por exemplo, aponta uma arma de fogo contra alguém pode praticar um fato típico ou não. E os crimes poderão ser os mais diversos: se a intenção do agente é matar, o fato é atípico em relação ao homicídio (atos preparatórios); se é apenas ameaçar, há ameaça consumada; se é roubar ou estuprar a vítima, haverá roubo ou estupro tentado ao menos. O fato será atípico se o propósito era simplesmente fazer uma brincadeira e o autor tiver autorização para portar arma de fogo.

O mesmo vale, mutatis mutandis, para quem adquire ou guarda droga ilícita, que, dependendo da vontade, poderá responder, por exemplo, por tráfico, por porte para consumo ou por compartilhamento de droga, segundo a sua intenção.

Não é preciso mencionar que a palavra vontade aparece explícita e implicitamente em diversos artigos da parte geral e da parte especial do CP, a qual atravessa toda a teoria do delito e da pena, inclusive (v.g., concurso de crimes).

Além disso, as motivações do agente ao cometer do delito – obviamente, isso tem a ver com a vontade e como ela se manifesta – são importantíssimas para efeito de tipificação do crime e incidência das agravantes, causas de aumento de pena, qualificadoras, atenuantes etc. Pense-se, por exemplo, no motivo fútil ou torpe, no feminicídio, na injúria racial etc.

Como falar, por exemplo, de homicídio privilegiado (CP, art. 121, §1°), sem recorrer às diversas formas de manifestação da vontade? Afinal, essa causa de diminuição de pena está assim redigida: “Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.”

Como parece evidente, tudo isso tem a ver, direta ou indiretamente, com o dolo.

 

1.5)Conclusão

Talvez toda essa discussão não passe de logomaquia[35]. Como escreve Faria Costa, “é nesse amálgama de opiniões só diferenciáveis à custa de muita filigrana que a discussão em torno do conceito se tem desenvolvido. Contudo, se bem vemos e valoramos as coisas, cada uma das várias concepções refere-se a um estado psíquico aparentemente diverso, mas não explica com mínima clareza e precisão onde reside aquilo que supostamente distingue uma coisa da outra. Ao menos nesse ponto, o embate teórico não parece ter conseguido ir além de uma mera disputa de fórmulas e de uma exageração terminológica”.[36]

Dolo sem vontade ou dolo sem conhecimento é uma contradictio in terminis.  A decisão de cometer ou não um delito é uma decisão complexa, que envolve atos conscientes e inconscientes, voluntários e involuntários, racionais e irracionais, previsíveis e imprevisíveis. Quem decide matar, roubar ou estuprar age por motivos que nem ele sabe bem por que, por vezes surpreende a si mesmo, arrepende-se e decide por um fim à própria vida. O homem pouco ou nada sabe de si mesmo. O homem racional é uma ficção. Reduzir a conduta à representação ou à vontade é simplificar as coisas, é empobrecer a vida. No fundo, o próprio juiz não sabe bem por que condena ou absolve. E chegará talvez o dia em que julgar seja indecente ou mesmo um crime, não somente um preceito bíblico (Mateus 7:1-5).

Com escreve Edgar Morin, “Os que projetam sua razão no universo tendem a considerar a irracionalidade uma ilusão dos ignorantes e, assim, se tornando eles próprios irracionais na ilusão racionalista, tendem a ficar cegos à irracionalidade do mundo.”[37]

[1]                                                                                                                                    Cada conceito remete a outros conceitos, não somente em sua história, mas em seu devir ou suas conexões presentes. Cada conceito tem componentes que podem ser, por sua vez, tomados como conceitos (…). Os conceitos vão, pois, ao infinito e, sendo criados, não são jamais criados do nada. Giles Deleuze e Félix Guattari. O que é filosofia? S. Paulo: Editora 34, 2005.

[2]                                                                                                                                    Na Física a situação não é diversa, porque, de acordo com Fritjof Capra, “a Física moderna confirmou, de forma dramática, uma das ideias básicas do misticismo oriental: a de que todos os conceitos que utilizamos para descrever a natureza são limitados, e não são características da realidade, como tendemos a acreditar, mas criações da mente, partes do mapa e não do território. Sempre que expandimos o reino de nossas experiências, as limitações da nossa mente racional tornam-se evidentes, levando-nos a modificar, ou menos a abandonar, alguns de nossos conceitos. O Tao da Física. S. Paulo: Cultrix, 1995, p. 126.

[3]                                                                                                                                    Talvez por isso, tenha dito Nietzsche que “conhecimento em si no devir é impossível; como é, portanto, possível conhecimento? Como erro sobre si mesmo, como vontade de poder, como vontade de ilusão.” Vontade de poder, cit.

[4]                                                                                                                                    Também por isso, não é correto criticar a justiça ou injustiça de um ato ou instituição (v. g., a escravidão) desconsiderando o contexto em que surgiram. Não é de admirar, por isso, que no futuro, tal como já ocorre nalguns países, se for abolida a repressão ao tráfico ilícito, drogas passem a ser vendidas em drogarias e a história da sua repressão seja vista como selvageria ou algo similar.

[5]                                                                                                                                    Devir ou vir a ser. 1. O mesmo que mudança. 2. Uma forma particular de mudança, a mudança absoluta ou substancial que vai do nada ao ser ou do ser ao nada. Nicola Abbagnano. Dicionário de Filosofia, cit., p. 268.

[6]                                                                                                                                    Crítica da razão pura. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 73.

[7]                                                                                                                                    Arthur Kaufmann. Filosofia do Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004.

[8]                                                                                                                                    Breve Tratado de Deus, do homem e de seu bem-estar, São Paulo: Autêntica editora, 2012, p. 86/87.

[9]                                                                                                                                    A potência de existir. Michel Onfray. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 47.

[10]                                                                                                                                  Nietzsche, Friedrich. Sobre verdad y mentira en sentido extramoral. Madrid: Tecnos, 1996.

[11]                                                                                                                                  .Nietzsche, Friedrich. Sobre verdad y mentira en sentido extramoral. Madrid: Tecnos: 1996.

[12]                                                                                                                            Kaufmann, Arthur. Filosofia do direito. Fundação Caloustre Gulbenkian. Lisboa: 2004.

[13]                                                                                                                                  .De acordo com Flávio Kothe, “jamais o que se tem na mente pode ser ‘idêntico’ à ‘coisa como tal’, já porque são duas existências distintas e irreconciliáveis numa só. Já por isso ninguém poderia, portanto, pretender absoluta ‘adequação’, já que existe uma inadequação constitutiva.” Ensaios de semiótica da cultura. Brasília: Editora UnB, 2011, p. 56.

[14]                                                                                                                            Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência.

[15]                                                                                                                            Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor.

[16]                                                                                                                            O professor e promotor de justiça em Maceió Alfredo de Oliveira me contou certa vez a seguinte história: um réu acusado de matar uma criança dava, mais ou menos, a seguinte versão do ocorrido: “Eu vi uma grande bola de fogo. Lutei contra ela e venci.”. Tratava-se de um portador de transtorno mental grave, inimputável, passível de medida de segurança. Há dolo em semelhante caso? Onde estão o conhecimento e a vontade? Não é um caso de responsabilidade penal sem culpa?

[17]                                                                                                                            Nietzsche. Além do bem e do mal. Aforismo 108: Não existem fenômenos morais, mas uma interpretação moral dos fenômenos.

[18]                                                                                                                            Feyerabend, Paul. Contra o método. S. Paulo: Editora UNESP, 2007.

[19]                                                                                  Prefácio ao livro Fundamentos de teoria do delito, de Juarez Tavares. Florianópolis: Tirant lo Blanch, 2018.

[20]                                                                                                                                  .Puppe, Ingeborg. Dolo eventual e culpa consciente. Tradução: Luís Greco. Revista Brasileira de Ciências Criminais, Vol. 58.

[21]                                                                                                                            A distinção entre dolo e culpa. São Paulo: Manole, 2004, p.82, tradução de Luís Greco.

[22]                                                                                                                            Porciúncula, José Carlos. Lo objetivo e lo subjetivo en el tipo penal. Hacia la exteriorización de lo interno. Barcelona: Atelier Penal, 2014, p.308.

[23]                                                                                                                            Dolo sem vontade, in Silva Dias et ali (coords), Liber Amicorum de José de Sousa e Brito.Coimbra: Almedina, 2009, p. 885-905. No mesmo sentido, Márcio Gomes defende que “Com a conduta do agente, não importa qual a sua vontade, mas, sim, o juízo de valor que será lançado para verificação se essa conduta foi dolosa ou culposa. Não importa o que o autor daquela conduta determinada diz, mas, sim, a análise desta para quem cabe julgar e decidir”. Dolo. Cognição e risco. São Paulo: Livraria do Advogado editora, Porto Alegre, 2019, p.29.

[24]                                                                                                                            Dolo sem vontade, cit.

[25]                                                                                                                            Dolo como compromisso cognitivo. São Paulo: Marcial Pons, 2017, p.366.

[26]                                                                                                                            Porciúncula, José Carlos. Lo objetivo e lo subjetivo en el tipo penal. Hacia la exteriorización de lo interno. Barcelona: Atelier Penal, 2014, p.308.

[27]                                                                                                                            Roxin, citado por Márcio Gomes, cit.

[28]                                                                                                                            Fundamentos de teoria do delito. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2018, p. 258.

[29]                                                                                                                            Fundamentos de teoria do delito. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2018, p. 258/9.

[30]                                                                                                                            Fundamentos de teoria do delito. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2018, p.259.

[31]                                                                                                                            Fundamentos de teoria do delito. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2018, p.265.

[32]                                                                                                                             Prefácio ao livro Fundamentos de teoria do delito, de Juarez Tavares. Florianópolis: Tirant lo Blanch, 2018.

[33]                                                                                                                            De acordo com Hungria, “Dolo é, ao mesmo tempo, representação e vontade. Como argumenta FLORIAN, a representação divorciada da vontade é “cosa inerte della psique”, e a vontade sem representação é, do ponto de vista da psicologia normal, uma impossibilidade. A representação é necessária, mas não suficiente à existência do dolo”. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1958, v.I, tomo II, p. 114. Também Antônio José da Costa e Silva escreveu que “Para que se reconheça a existência do dolo, é necessário que se tenham representado ao espírito as circunstâncias essenciais do facto, inclusive o resultado a produzir. O que não é representado não pode ser querido”. Código Penal dos Estados Unidos do Brasil comentado. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial: Superior Tribunal de Justiça, 2004, p.140. E Francisco Muñoz Conde e Mercedes García Arán consideram que “De algum modo o querer supõe também o saber, já que ninguém pode querer realizar algo que não conhece”. Derecho penal, parte general. Valencia: Tirant lo Blanch, 2000, p. 306.

[34]                                                                                                                            Dolo sem vontade, cit., p. 891, nota de rodapé 21.

[35]                                                                                                                            Expressão usada por Nélson Hungria, para quem “O dissídio entre as teorias da representação e da vontade está, hoje, pode dizer-se, superado. Toda controvérsia reduzia-se, afinal, a pura logomaquia”. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1958, v.I, tomo II, p. 115.

[36]                                                                                                                            Noções fundamentais de direito penal. Coimbra: Coimbra editora, 2015, p. 377.

[37]                                                                                                                            Morin, Edgar. Conhecimento, ignorância, mistério. São Paulo: Bertrand Brasil, 2020, p.11. Ainda de acordo com o autor, “A doença da teoria está no doutrinarismo e no dogmatismo, que fecham a teoria nela mesma e a enrijecem. A patologia da razão é a racionalização que encerra o real num sistema coerente de ideias, mas parcial e unilateral, e que não sabe que um parte do real é irracionalizável, nem que a racionalidade tem por missão dialogar com o irracionalizável”. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, 2015, p. 15.

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