Não é a interpretação que depende do direito, mas o direito que depende da interpretação.
O direito não preexiste à interpretação, mas é dela resultado.
A interpretação é o ser do direito e o ser do direito é um devir.
O sentido das coisas (textos, provas, fatos etc.) não é dado pelas próprias coisas, mas por nós, ao atribuirmos um determinado sentido num universo de possibilidades, aí incluída a falta de sentido inclusive.
O direito é um momento da experiência do homem no mundo.
Os limites de uma interpretação são dados por uma outra interpretação.
É o poder que dá nome e sentido e limites às coisas.
Só é direito o que o poder reconhece como tal.
Dito sem rodeios: quem tem poder cria o direito, que não o tem o sofre.
Exatamente por isso, matar, roubar ou estuprar pode ser conforme o direito, inclusive, porque o que seja “matar”, “roubar”, ou “estuprar” e as possíveis formas de legitimação dessas ações (legítima defesa etc.) e de isenção de culpa (doença mental etc.) não estão previamente dadas, apesar de existir grande consenso sobre tais assuntos.
Em conclusão, o direito é o que dizemos que ele é, porque o direito, como de resto quase tudo que diz respeito ao homem, não está no fato ou na norma em si, mas na cabeça das pessoas, de modo que podemos afirmar, parafraseando o evangelho (Lucas, 17:21), que o reino do direito está dentro de nós, e que nós o criamos e recriamos permanentemente, dando-lhe distintos significados a cada momento de sua produção segundo um dado contexto histórico-cultural. Dito de outra forma: o direito e o não direito, tal qual o justo e o injusto, o moral e o imoral, o ético e o estético, é em nós que ele existe!
Nietzsche escreveu: “minha sentença principal: não há nenhum fenômeno moral, mas, antes, apenas uma interpretação moral desses fenômenos. Essa interpretação é, ela própria, de origem extra-moral”. E cabe parafraseá-lo: minha sentença principal: não há nenhum fenômeno jurídico – nem jurídico-penal -, mas, antes, apenas uma interpretação jurídica – e jurídico-penal – desses fenômenos. Essa interpretação é, ela própria, de origem extra-jurídica.
Extraídas do livro Direito Penal. Parte Geral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, 6ª edição (no prelo). Autor: Paulo Queiroz.