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Direito e Arte

Parece certo que, por mais que estudemos literatura, teatro ou pintura, é pouco provável que um dia escreveremos como um Tolstoi, representaremos como um Jack Nicholson ou pintaremos como um Picasso. É que a arte, movida grandemente pela inspiração, requer qualidades que estão além da técnica, que pode eventualmente ajudar a aperfeiçoá-las, mas que dificilmente fará de um desafinado um virtuoso.

Talvez se possa dizer o mesmo do direito: uma excelente formação dogmática não é garantia de decisões justas, porque a técnica, no direito como na arte, só pode oferecer, na melhor das hipóteses, isso: decisões tecnicamente corretas. Mas decisões tecnicamente corretas não são necessariamente decisões justas, assim como decisões tecnicamente incorretas não são necessariamente decisões injustas (v.g., algumas decisões do tribunal do júri). É que uma boa interpretação, na arte como no direito, mais do que técnica e razão, exige talento e sensibilidade. E a técnica jurídica é apenas um meio a serviço de um fim: a justiça.

Existem outras semelhanças entre direito e arte. Ainda hoje é muito comum confundir lei e direito, como se fossem a mesma coisa. No entanto, confundir lei e direito equivale a confundir partitura e música, que são, obviamente, coisas distintas, podendo inclusive existir uma sem a outra. Com efeito, é perfeitamente possível produzir sons, melodias e música, como é comum, aliás, e principalmente compor, sem partitura alguma, a revelar que a música independe da partitura. Pois bem, o mesmo ocorre com o direito: é possível decidir casos sem nenhuma lei: basta pensar nos conflitos havidos em comunidades mais primitivas (v.g., indígenas) ou no commom law, além dos inúmeros casos não disciplinados pela lei (lacuna legal). O direito, como a música, existe com ou sem lei, com ou sem partitura.

Mas talvez o mais importante resida nisso: uma mesma partitura pode ser tocada de mil formas e ritmos, como, por exemplo, na forma de música clássica, rock, samba etc. E cada um desses ritmos e sons variará conforme o seu intérprete, suas influências, experiência, talento, formação etc. Também assim é a lei: uma lei, por mais clara e precisa, pode ser interpretada de diversos modos, variando conforme os pré-conceitos, influências, experiências, motivações, sensibilidade etc. do seu intérprete. A lei é uma partitura que pode ser interpretada de mil formas.

Não se deve, pois, confundir lei e direito, assim como não se deve confundir partitura e música: a música é o que decorre da execução do músico; o direito é o que resulta da interpretação do juiz ou tribunal. O direito, como a música, não é a lei nem a partitura: o direito é interpretação. Algumas interpretações julgamos boas e aplaudimos, outras julgamos ruins e condenamos.

Paulo Queiroz

Doutor em Direito (PUC/SP), é Procurador Regional da República, Professor do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) e autor do livro Direito Penal, parte geral, S. Paulo, Saraiva, 3ª edição, 2006.

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Não é fácil prefaciar qualquer trabalho de Paulo Queiroz, principalmente quando ele homenageia o prefaciador. O largo tirocínio no Ministério Público Federal, os longos anos de magistério universitário e as inúmeras palestras proferidas por esses brasis afora, congeminados, descortinaram-lhe novos horizontes. E aí está a literatura jurídica pátria engrandecida com mais um trabalho que honra sobremodo as nossas tradições.

A prescrição é a mais relevante, a mais complexa, a mais controversa e a mais frequente causa de extinção da punibilidade. Nem todos concordam com a prescrição e sempre houve quem propusesse a sua abolição total ou parcial sob a justificativa de ser um dos fundamentos da impunidade.

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