Os crimes são imputáveis a título comissivo e omissivo; os comissivos são a regra (homicídio, roubo, estupro etc.); e os omissivos são a exceção (omissão de socorro etc.).
Os comissivos, apesar de praticáveis por meio de uma ação (v.g., no homicídio, disparar contra a vítima com arma de fogo), podem também ser cometidos por simples omissão (v.g., no homicídio, deixar a mãe de amamentar o filho). Neste caso, há a chamada omissão imprópria, porque o “matar alguém” a que se refere o art. 121, caput, do CP, normalmente é praticado por ação, e não por omissão, como no último exemplo dado.
A mera omissão é, princípio, penalmente irrelevante; será, porém, penalmente típica, se o respectivo tipo a mencionar explícita ou implicitamente.
Na omissão própria o tipo refere a omissão expressamente e somente é praticável a esse título, como ocorre com o art. 135 do CP, ao tipificar o “deixar de prestar assistência”. Já na omissão imprópria o tipo se vale de verbo ou verbos que pressupõem, geralmente, uma ação (v.g., subtrair, sequestrar), nada referindo sobre omissão; logo, a mera omissão seria, em princípio, atípica. No entanto, para evitar a impunidade da omissão, o legislador penaliza-a por meio de uma norma de extensão (CP, art. 13, §2°).
Também existem tipos penais que admitem, de modo explícito, tanto a ação quanto a omissão como possíveis formas de cometimento do crime. Exemplo disso é a prevaricação (CP, art. 319), que pode ser cometida tanto por ação (praticar ato de ofício contra a lei) como por omissão (deixar de praticar ato de ofício).
Pois bem, quanto a lei não refere, expressa ou taticamente, a omissão como forma de realização do tipo comissivo – e aqui temos então o delito omissivo impróprio ou comissivo por omissão -, é possível imputá-lo a título omissivo com base no art. 13, §2°, do CP, que dispõe:
Relevância da omissão
§ 2º – A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.
Como se vê, nos tipos omissivos impróprios o resultado é atribuído ao omitente – chamado também garante ou garantidor – como seu causador em razão de um dever legal especial de agir e evitar o resultado. É o que se dá com os pais em relação aos filhos, os médicos em relação aos pacientes, os salva-vidas em relação aos banhistas etc., desde que, podendo agir de modo a evitar o resultado lesivo, tenham se omitido dolosa ou culposamente.
Essa equiparação legal da omissão à ação de que trata o art. 13, §2°, do CP, pressupõe: a) a posição de garante e, pois, o dever de agir e de evitar o resultado; b) a possibilidade concreta de agir e evitar o resultado; c) a causação de um resultado imputável ao omitente; d) dolo ou culpa.
A omissão imprópria consiste, portanto, na não evitação do resultado típico por parte de quem tem o dever legal de agir em defesa do bem jurídico em perigo, tentando, ao menos, impedir sua conversão em dano.1
Nesse dispositivo, o legislador consagra uma cláusula geral – aplicável, em tese, a todos os crimes comissivos – que põe a omissão e a ação em pé de igualdade, de modo que, por exemplo, matar por omissão (v. g., deixando de amamentar o filho) é tão grave e reprovável penalmente quanto matar por ação (v. g., empurrando o filho da escada).
Por meio do art. 13, § 2º, do CP, que, à semelhança da previsão do crime culposo, constitui uma exceção, o Código criminaliza condutas que, em princípio, não seriam típicas ou só configurariam omissão própria, quando prevista em lei. É que os omitentes respondem pelo resultado, não porque o tenham efetivamente causado, mas por não terem agido em defesa do bem jurídico de modo a evitar o resultado lesivo.2
Da perspectiva político-criminal e dogmática, a equiparação legal da omissão à ação não é ilegítima, seja porque certas omissões podem ser tão graves – causais – quanto as ações, seja porque são decisivas para a produção de determinados resultados lesivos, seja porque criam perigos juridicamente proibidos e assim possibilitam a realização desse risco no resultado.
Faz todo sentido, por exemplo, punir-se, como homicídio, e não como simples omissão de socorro, os pais que, ao perceberem a criança se aproximar da piscina, dolosamente a ignoram, permitindo-lhe o afogamento e a morte. Mas nem sempre essa imputação mais grave será razoável e pode ser justamente questionada. Imagine-se, por exemplo, que, nos temos do art. 13, §2°, do CP, a mulher que se omite em relação ao estupro praticado pelo marido contra seus filhos responde também (em tese) por estupro.
O que é verdadeiramente trágico, por conseguinte, é estabelecer os limites e as condições de legitimação desse modo de imputação penal, havendo quem defenda a inconstitucionalidade pura e simples do art. 13, §2°, do CP.3
Com efeito, se o princípio da legalidade implica a máxima taxatividade e precisão das mensagens do legislador e a máxima vinculação do juiz a tais mensagens,4 o Código, ao se valer de cláusula tão genérica e vaga, parece desatender a tal exigência de caráter dogmático e político-criminal. Sim, porque, embora preveja os pressupostos gerais do dever de agir e de impedir o resultado, não determina os seus exatos limites, remetendo-os a uma lei, a um contrato ou a uma hipótese de criação de risco.5
Temos que os tipos omissivos impróprios, à semelhança dos culposos, deveriam constar, não de uma cláusula geral de equiparação, mas do respectivo tipo penal, expressamente. Como assinala Juarez Tavares, a solução mais coerente com a exigência do princípio da legalidade, embora não exaustiva nem perfeita, seria a previsão, na Parte Especial do Código Penal, dos delitos que comportassem a punição por omissão.6 Em não existindo tal previsão, entende, segundo o critério da identidade – adotado, a seu ver, pelo nosso Código, diferentemente do alemão, que adotou o critério da equivalência –, que a omissão imprópria deve ficar restrita aos crimes contra a vida, a integridade corporal e a liberdade, cujos objetos jurídicos, pela sua natureza e pelas consequências, necessitam de uma imediata e oportuna intervenção protetiva, que não pode ser postergada para não se tornar inócua.7
A equiparação legal por meio de cláusula generalíssima pode também violar o princípio da pessoalidade da pena, sobretudo naquelas hipóteses em se que atribui ao omitente a corresponsabilidade por conduta comissiva de outrem ou por ações da natureza, não obstante haja simples omissão. Assim, por exemplo, quando se pretende que o salva-vidas responda pela morte do banhista que se afoga, que o médico responda pela morte do paciente, que a mãe responda por maus-tratos do companheiro contra filho menor etc., está-se a atribuir ao garante ato de de terceiro ou um evento natural.
Também por isso, a pena aplicável ao omitente é um tanto desproporcional, visto equiparar-se a simples omissão à ação, condutas cujo significado social e jurídico é bem diverso.