Dizem-se habituais os crimes cuja realização pressupõe a prática de um conjunto de atos sucessivos, de modo que cada conduta isoladamente considerada constitui um indiferente penal, ou seja, são delitos que reclamam habitualidade, por traduzirem em geral um modo de vida do autor. Assim, por exemplo, a casa de prostituição (art. 229), o exercício ilegal da medicina (art. 282), o curandeirismo (art. 284) e a associação criminosa (art. 288).
Como a reiteração de atos é essencial à configuração do delito habitual, não meramente acidental, segue-se que cada ação praticada não constitui um delito autônomo, mas um fato atípico. A conduta típica é, pois, formada pelo todo, não pelas partes que constituem a infração penal.
De acordo com a doutrina, ao lado dessa forma de crime habitual (próprio), haveria também um tipo habitual impróprio ou acidentalmente habitual. Diz-se impróprio porque um único ato é capaz de consumá-lo; apesar disso, a reiteração de atos não constituiria delito autônomo, e sim mero desdobramento da habitualidade.
Exemplo de crime habitual impróprio seria a gestão fraudulenta prevista no art. 4° da Lei n° 7.492/86, que dispõe sobre os crimes contra o sistema financeiro nacional[1], pois uma única conduta típica seria suficiente para consumá-lo, mas a eventual reiteração dessa ação não caracterizaria concurso de delitos (formal, material ou continuidade delitiva), e sim simples exaurimento.
Todavia, essa última classificação é manifestamente inconsistente.
Com efeito, se uma única conduta é suficiente para a configuração do tipo penal, com ou sem repetição, trata-se, como é óbvio, de um crime instantâneo (ou até permanente), cuja tentativa ou consumação dá-se com a realização da ação típica. Afinal, se o que é característico do delito habitual é a necessidade de reiteração de atos que são irrelevantes isoladamente, mas relevantes (típicos) globalmente, segue-se que, uma vez eliminado esse elemento essencial, o conceito de habitualidade já não faz sentido algum.
O que a doutrina pretende como tipo habitual impróprio é, pois, um tipo instantâneo, cuja reiteração de condutas, se e quando houver, caracterizará, a depender do caso, unidade ou pluralidade de crimes.
Walter Coelho tem razão, portanto, quando conclui que “os crimes habituais impróprios nada tem de habituais; são crimes instantâneos, em que a reiteração pode ser circunstância agravante do crime, ou, quando não, implicar continuidade delitiva”.[2]
Em suma, crime habitual impróprio é crime habitual sem habitualidade, uma contradictio in terminis.
[1]Nesse sentido, Cezar Roberto Bitencourt e Juliana Breda. Crimes contra o sistema financeiro nacional e contra o mercado de capitais. São Paulo: Saraiva, 2014, 3ª edição.
[2]Teoria geral do crime. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1991, p.116. No mesmo sentido, Ney Fayet Júnior, do crime continuado. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2015.