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Crime de dano contra empresa pública

Discute-se se crime de dano praticado contra empresa pública é simples ou qualificado.

 

É que o Código Penal, ao definir os casos de dano qualificado, não refere, expressamente, as empresas públicas, embora mencione a União, Estados, Municípios, empresa concessionária de serviço público e sociedade de economia mista.

 

O artigo diz literalmente:

 

Dano

Art. 163 – Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia:

Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.

Dano qualificado

Parágrafo único – Se o crime é cometido:

I – com violência à pessoa ou grave ameaça;

II – com emprego de substância inflamável ou explosiva, se o fato não constitui crime mais grave

III – contra o patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista; (Redação dada pela Lei nº 5.346, de 3.11.1967)

IV – por motivo egoístico ou com prejuízo considerável para a vítima:

Pena – detenção, de seis meses a três anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

 

O tema é controvertido na jurisprudência. Já na doutrina o assunto é pacífico no sentido de que delito de dano contra empresa pública é simples, a exemNlo de Cezar Roberto Bitencourt1, Rogério Greco2, Heleno Cláudio Fragoso3 e Paulo César Busato4. De acordo com tais autores, não se pode considerar ofensa ao patrimônio de empresa pública como qualificadora do crime de dano, sob pena de analogia in malam partem, vedada penalmente.

 

Temos, porém, que se trata de crime qualificado.

 

Com efeito, embora o art. 163, parágrafo único, III, do Código não refira, de modo explícito, as empresas públicas, é evidente que a expressão “patrimônio da União” há de também compreendê-las, já que, nos termos do art. 5°, II, do Decreto-lei 200/67, trata-se de entidade composta de capital exclusivo da União; logo, capital da União. Afinal, o patrimônio da Caixa Econômica Federal, por exemplo, é patrimônio da União, apesar de próprio, e dotado de personalidade jurídica de direito privado.

 

É justamente por isso que compete aos juízes federais processar e julgar (CF, art. 109, I e IV), entre outras hipóteses: a)as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes; b)os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas.

 

Nem se compreenderia que tivéssemos por qualificados os crimes de dano praticados contra empresa concessionária de serviço público e de economia mista (v.g., Banco do Brasil) e por simples aqueles delitos, mais graves e que afetam mais gravemente os interesses da União, cometidos contra as empresas públicas (v.g., CEF).

 

Quanto à suposta violação ao princípio da legalidade, sob a alegação de que se estaria a fazer analogia in malam partem, em prejuízo do réu, é de ver que a doutrina penal está superada no particular.

 

É que o direito não é um saber lógico, mas analógico; logo, interpretar é inevitavelmente um atividade analógica, seja porque o legislador legisla a partir da comparação de casos mais ou menos similares, seja porque o juiz recorre, ao decidir, a juízos analógicos. Afinal, nenhum crime é absolutamente igual, nem absolutamente desigual a outro, mas mais ou menos semelhantes.

 

Como escreve Arthur Kaufmann:

 

Só se poderia separar logicamente subsunção e analogia, se existisse uma fronteira lógica entre igualdade e semelhança. Ora tal fronteira não existe, pois a igualdade material é sempre mera semelhança e a igualdade formal não ocorre na realidade “existindo” apenas no domínio dos números e sinais matemáticos (lógico-formais). Assim sendo, fracassa qualquer “proibição de analogia” por muito enfaticamente que seja invocada, pois não pode ser materialmente definida.5

 

Também Winfried Hassemer assinala que “toda interpretação é analogia”, pois toda interpretação, toda compreensão de uma lei pressupõe a comparação do caso a ser resolvido com outros casos, que – imaginados ou judicialmente decididos – são “casos desta lei” isentos de dúvida. Não há interpretação sem um tertium comparationis, por mais que este seja pobre de conteúdo e que a decisão seja ainda assim inevitável. Interpretação e analogia são estruturalmente idênticos6. Idem, Gunter Stratenwerth, Castanheira Neves etc.

 

A questão fundamental não é, pois, saber se há ou não analogia, se existe analogia in malam ou in bonam partem, mas em interpretar e argumentar corretamente num sistema aberto (Arthur Kaufmann), isto é, conforme o direito, aí incluídos, princípios e regras, notadamente a Constituição.

 

Por fim, excluir a empresa pública do rol dos entes-vítimas qualificáveis do tipo legal de dano seria prestigiar, indevidamente, uma interpretação literal do dispositivo legal, como se não fizesse parte dum sistema mais amplo, e em cujo contexto deve ser compreendido e interpretado.

O que de fato importa é que no conceito de patrimônio da União está inserido o patrimônio das empresas públicas, razão pela qual não há falar de analogia in malam partem, inclusive.

 

1BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial. Vol. 3. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 171 – 172.

 

2GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte especial. Vol. III. 10ª ed. Niterói, RJ: Impetus, 2013, p. 169 – 171.

 

3FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: parte especial. Vol. 1. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 243 – 244.

 

4BUSATO, Paulo César. Direito Penal: parte especial 1. São Paulo: Atlas, 2014, p.499 – 500.

 

5KAUFMANN, Arthur. Filosofia do Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004. p. 184 – 191.

 

6 Direito Penal. Fundamentos, Estrutura, Política. Organização e revisão por Carlos Eduardo de Oliveira Vasconcelos. Porto Alegre: Sergio Fabris, 2008, p. 64-65.

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