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São, pois, quatro as falácias ideológicas que estão por trás dessa concepção da representação e agora convém recapitular. A primeira é a ideia de que a vontade do representante se identifique com, ou ao menos reflete, a vontade unitária – que não existe – de seus eleitores. A segunda é a ideia de que a vontade da maioria dos representantes corresponda a, ou reflete, a vontade unitária – que tampouco existe – da maioria dos representados. A terceira é a ideia de que a vontade da maioria dos eleitos sirva para expressar a vontade unitária – que existe menos ainda – de todo o povo.
Por fim, a quarta falácia, certamente a mais insidiosa e a mais típica do imaginário populista, é a ideia de que o chefe da maioria se identifique com a maioria mesma e, por conseguinte, com todo o povo, do qual seria a expressão orgânica e uma espécie de encarnação. Disso resulta a tese de que a melhor forma de democracia representativa é a presidencial, conforme a personificação do presidente eleito pelo povo como expressão e garantidor da unidade nacional, em condições inclusive de equilibrar as tendências centrífugas geradas pelas opções federalistas.
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Essa corrupção do imaginário coletivo em torno da democracia é favorecida pelo método eleitoral uninominal ou em todo caso majoritário e, mais ainda, pelo método presidencialista. Em realidade, é evidente que a democracia parlamentária, sobretudo se estiver fundada no método proporcional, ao favorecer o desenvolvimento dos partidos e, por conseguinte, a representatividade dos interesses sociais e de opções políticas distintas e em conflito, constitui o antídoto mais seguro contra as falácias ideológicas acima indicadas e, consequentemente, contra as involuções monocráticas da representação política, aqui ilustradas.
Contrariamente, o método majoritário e o sistema presidencial favorecem inevitavelmente a autolegitimação da parte vencedora como expressão da soberania popular e seus infalíveis corolários populistas: a deslegitimação dos partidos, a ideia de que o consenso popular legitime qualquer abuso, a personificação do líder …
Luigi Ferrajoli. Principia iuris, v. 2. Trotta: Madrid, 2011, p.172/173.