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Competência da justiça federal

1)Introdução

A justiça federal, composta pelos juízes federais, tribunais regionais federais, juizados especiais criminais e tribunal do júri federal, é competente para julgar as ações penais relativas aos crimes (não as contravenções) que ofendam bens, serviços e interesses diretos da União, de suas autarquias e empresas públicas (CF, art. 109, IV), ressalvada a competência da justiça militar e eleitoral. Havendo violação a interesse apenas indireto da União, a competência será da justiça estadual ou distrital.

Apesar de ser uma justiça comum, se houver conexão ou continência entre crime federal e estadual, a competência da justiça federal prevalecerá (Súmula 122 do STJ1), atraindo o julgamento dos delitos conexos. Ainda que o juiz federal venha a absolver o réu do crime federal, poderá condená-lo pelo delito estadual, por força da perpetuatio jurisdictionis (CPP, art. 812).

Como as atribuições da polícia federal são distintas e mais amplas (CF, art. 144, §1°, I3), crimes por ela investigados não necessariamente são de competência da justiça federal. Pode também ocorrer de um crime investigado pela polícia judiciária dos Estados e do Distrito Federal ser da competência da justiça federal. Apesar disso, a investigação é válida e a ação penal pode ser instaurada com base nela. O mesmo vale, mutatis mutandis, para investigações conduzidas pelo MPF.

2)Crime político e terrorismo

A justiça federal é competente para o julgamento dos crimes políticos.

Não definição legal de crime político. De acordo com Hungria, os crimes políticos são os dirigidos, subjetiva e objetivamente, de modo imediato, contra o Estado como unidade orgânica das instituições políticas e sociais4. O crime político – escreve Hungria – é tudo quanto há de mais contingente. Basta dizer que sua punição depende do insucesso. Se colhe êxito, já não é crime, mas título de glória. O celerado de hoje é o benemérito de amanhã. Garibaldi, derrotado em Mentana, é um bandido; vitorioso em Marsala é um herói. Napoleão, ao sair da ilha Elba, para aventura dos Cem dias, era, segundo os jornais de Paris, o “bandido corso”, mas, ao chegar triunfante à capital francesa, era o “grande imperador”5.

De um modo geral, são considerados como tais os previstos na Lei de Segurança Nacional (Lei n° 7.170/83), praticados com motivação e fins políticos.

Com o advento da Constituição de 1988, foi revogado (não recepcionado) o artigo 30 da citada lei, que conferia à justiça militar a competência para julgar crimes políticos.

Da decisão proferida pelo juiz federal (condenatória ou absolutória) cabe recurso ordinário para o STF (CF, art. 102, II, b6), não apelação para o tribunal regional federal, como seria lógico.

Também os crimes de terrorismo são de competência da justiça federal (Lei n° 13.260/2016, artigo 117), embora haja quem defenda a inconstitucionalidade dessa previsão legal, por ampliar indevidamente a competência constitucional da justiça federal8.

Os crimes políticos não admitem extradição (CF, art. 5°, LII9), nem geram reincidência (CP, art. 63, II).

3)Crimes praticados contra a União etc.

A justiça federal é competente para julgar os crimes praticados em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas a competência da justiça especial (militar e eleitoral), aí compreendidos os órgãos da administração direta e indireta (ministérios, conselhos etc.), relativos ao Poder Executivo Federal, Poder Judiciário Federal, Ministério Público da União etc. Delitos cometidos contra o Poder Judiciário e o Ministério Público do DF não competem à justiça federal, mas à justiça distrital.

Também os delitos cometidos contra autarquias públicas federais (INSS etc.) são da competência da Justiça Federal. Idem, contra as empresas públicas, porque, apesar de serem pessoas jurídicas de direito privado, integram a administração indireta da União e são compostas de patrimônio exclusivo da União (Caixa Econômica Federal etc.).

Também por isso – incidência de interesse direto da União -, são de sua competência os delitos praticados por e contra funcionários públicos federais no exercício da função (peculato, corrupção etc.). Se o delito não tiver relação direta com as atribuições do cargo, é de competência da justiça estadual.

Embora raro, vão a júri federal os delitos dolosos contra a vida praticados por ou contra funcionário público federal no exercício de suas funções (Súmula 147 do STJ10).

Apesar de não referidos explicitamente, são também de sua competência os delitos praticados contra fundações públicas federais (UnB etc.).

Mas não lhe cabe julgar os crimes cometidos contra sociedades de economia mista (Banco do Brasil, Petrobras etc.). Nesse sentido, Súmula 42 do STJ11. São também da competência da justiça estadual os delitos cometidos contra concessionárias e permissionárias de serviço público federal.

4)Lavagem de capitais

Como regra, são crimes da competência da justiça estadual. Com efeito, os crimes previstos na Lei n° 9.613/98 só são da competência federal se o delito antecedente lhe competir (sistema financeiro nacional, tráfico internacional de drogas etc.). Caso contrário, a competência é da justiça estadual.

O art. 2º, III, da citada Lei diz que os delitos nela previstos são da competência da justiça federal apenas: a)quando praticados contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira, ou em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas; b)quando a infração penal antecedente for de competência da justiça federal.

5)Crimes ambientais

Normalmente são de competência da justiça estadual.

Os crimes ambientais só são de competência federal se ofenderem bem, serviço e interesse direto da União, tais como: 1)extração ilegal de recursos minerais, por se tratar de bem da União (CF, 20, IX); 2)pesca ilegal em mar territorial, bem da União; 3)tráfico internacional de animais silvestres; 4)praticados em parques nacionais de preservação ambiental.

6)Uso de documento falso

Segundo a Súmula 546 do STJ12, a competência para processar e julgar o crime de uso de documento falso (CP, art. 304) é firmada em razão da entidade ou órgão ao qual foi apresentado o documento público, não importando a qualificação do órgão expedidor.

Ou seja, o uso de documento federal (ou estadual) só será de competência federal se for apresentado perante agente, órgão, ou autoridade federal; caso contrário, será delito de competência da justiça estadual.

Mas a falsificação documental competirá à justiça federal se ofender bens, serviços e interesses da União, de suas entidades autárquicas e empresas públicas, a exemplo da falsificação de moeda (CP, art. 289).

Quando o crime de uso absorver o de falsificação, incidirá a Súmula 546 do STJ.

7)Contravenções e atos infracionais

Somente os crimes, não as contravenções, são de competência da justiça federal. As contravenções serão julgadas pela justiça estadual ainda que praticadas contra bens, serviços ou interesses diretos da União. Nesse sentido, Súmula 38 do STJ13.

Se existir conexão entre crime federal e contravenção, haverá separação de processos.

Apesar disso, pode ocorrer de a justiça federal julgar contravenção se praticada por autoridade com prerrogativa de foro (juiz federal, procurador da república etc.) no exercício da função.

Tampouco compete à justiça federal, mas à estadual ou distrital, o julgamento de atos infracionais (Lei n° 8.069/90) mesmo que ofendam bens, serviços ou interesse da União. No caso de crime federal praticado em coautoria com menor, haverá cisão de processos.

8)Crimes praticados por e contra indígenas

Os crimes praticados por ou contra índios só serão da competência da justiça federal se forem motivados por disputa por terra indígena ou que se pretenda como tal (CF, art. 109, XI14). Idem, se o delito for cometido contra a FUNAI (Fundação Nacional do Índio).

Fora desse contexto, a competência será da justiça estadual, conforme Súmula 140 do STJ15.

9)Crime praticado a bordo de navio ou aeronave

Aos juízes federais compete processar e julgar os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da justiça militar (CF, art. 109, IX).

Para tanto, o delito tem de ser praticado a bordo, isto é, no interior do navio ou aeronave, não antes ou depois de neles ingressar. Além disso, a embarcação há de se encontrar em situação de deslocamento internacional ou de potencial deslocamento, devendo ser capaz de navegar em alto-mar. Delitos cometidos em barcos de pequeno porte (não navios) e sem essa capacidade são de competência da justiça estadual.

Quanto ao crime cometido a bordo de aeronave, é irrelevante se está em território nacional ou em situação de deslocamento internacional, pois em ambos os casos a justiça federal é competente. Também não importa se aeronave está em solo ou no ar quando do cometimento do crime.

10)Crime previsto em tratado

Competem à justiça federal (CF, art. 109, V) “os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente”.

Nesse caso, competência federal exige dois requisitos: a)que haja previsão do crime tratado ou convenção internacional; b)que o crime tenha se inciado no Brasil o resultado tenha ocorrido no estrangeiro ou o contrário.

A previsão em tratado internacional é, pois, uma condição necessária, mas não suficiente para firmar a competência da justiça federal, a exemplo da tortura e de outros tantos crimes que, embora previstos em convenção internacional, forem praticados em território nacional ou no exterior.

Sem o caráter de transnacionalidade (crime à distância), a competência será da justiça estadual.

Tampouco a internacionalidade do delito é suficiente, razão pela qual, se faltar previsão em tratado internacional, a justiça federal não será competente para julgá-lo.

Crimes cometidos no estrangeiro são de competência da justiça brasileira (nacional ou estadual) se incidirem as hipóteses de extraterritorialidade incondicionada ou condicionada de que trata o artigo 7° do CP.

Quando o delito ferir interesse direto da União ou envolver acordo de cooperação internacional (v.g., acordo de transferência), a competência será da justiça federal. Nesse sentido, recente precedente (2018) do STJ (CC n° 154656/MG, relator Ministro Ribeiro Dantas), relativo a brasileiro que cometeu crime em Portugal e cuja extradição foi negada pelo Brasil.

11)Tráfico de drogas

O tráfico internacional de drogas e afins (aqueles previstos nos artigos 33 a 37 da Lei) são crimes de competência da justiça federal (art. 70 da Lei n° 11.343/200616). O tráfico interno e afins (associação para o tráfico etc.) são delitos de competência da justiça estadual ou distrital. Também nesse sentido, Súmula 522 do STF: Salvo a ocorrência de tráfico para o exterior, compete à Justiça dos Estados o processo e julgamento dos crimes relativos a entorpecentes.

Os demais crimes previstos na Lei de Drogas (porte de droga para consumo etc.) não competem à justiça federal, ainda que a droga tenha sido importada ou exportada para consumo.

A transnacionalidade não se presume, devendo existir prova mínima ou indiciária dessa circunstância, inclusive porque também constitui causa de aumento de pena (art. 40, I, da Lei n° 11.343/2006), razão pela qual, havendo dúvida razoável, prevalecerá a imputação de tráfico interno.

Só há tráfico internacional quando houver dupla tipificação da droga (no país de origem e de destino), pois, do contrário, ou o fato será atípico ou haverá tráfico interno. A importação de cloreto de etila da Argentina, por exemplo, constitui tráfico interno, porque a substância somente é proibida aqui, não lá. Nesse sentido, precedentes do STJ.

Se durante o processo o juiz federal se convencer de que houve tráfico interno, não internacional, declinará da competência. O mesmo fará o juiz estadual quando concluir que houve tráfico transnacional. O tema é controvertido, porém, havendo doutrina e precedentes no sentido de que a competência é prorrogada (perpetuatio jurisdicionis), nos termos do art. 81 do CPP.

Mas a competência ficará prorrogada quando, existindo conexão entre um crime federal e um estadual, o juiz federal absolver o réu do primeiro e condenar pelo segundo (Súmula 122 do STJ17). É que, condenado ou absolvendo, o juiz federal estará a firmar a sua competência constitucional.

12)Incidente de deslocamento de competência

Por fim, cabe à justiça federal decidir o incidente de deslocamento de competência a que se refere o artigo 109, §5°, da CF:

Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.

13)Execução penal

A competência do juiz da execução depende da natureza do estabelecimento prisional onde se dá a execução: se federal, cabe à justiça federal decidir sobre os temas suscitados; se estadual, à justiça estadual. É irrelevante, portanto, se a sentença condenatória foi proferida pelo juízo federal ou estadual. Nesse sentido, Súmula 192 do STJ18.

1Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, a, do Código de Processo Penal.

2Art. 81. Verificada a reunião dos processos por conexão ou continência, ainda que no processo da sua competência própria venha o juiz ou tribunal a proferir sentença absolutória ou que desclassifique a infração para outra que não se inclua na sua competência, continuará competente em relação aos demais processos.

Parágrafo único. Reconhecida inicialmente ao júri a competência por conexão ou continência, o juiz, se vier a desclassificar a infração ou impronunciar ou absolver o acusado, de maneira que exclua a competência do júri, remeterá o processo ao juízo competente.

3Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:

I – apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei.

4Comentários ao Código Penal, v.1. Rio de Janeiro: Forense, 1958, p.187.

5Idem, p.190.

6Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

II – julgar, em recurso ordinário:

b) o crime político.

7Art. 11. Para todos os efeitos legais, considera-se que os crimes previstos nesta Lei são praticados contra o interesse da União, cabendo à Polícia Federal a investigação criminal, em sede de inquérito policial, e à Justiça Federal o seu processamento e julgamento, nos termos do inciso IV do art. 109 da Constituição Federal.

8Nesse sentido, Renato Brasileiro de Lima. Manual de processo penal. Salvador: editorajuspodivm, 2018.

9Art. 5°, LII: não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião.

10Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função.

11Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar as causas cíveis em que é parte sociedade de economia mista e os crimes praticados em seu detrimento.

12A competência para processar e julgar o crime de uso de documento falso é firmada em razão da entidade ou órgão ao qual foi apresentado o documento público, não importando a qualificação do órgão expedidor.

13Compete à Justiça Estadual Comum, na vigência da Constituição de 1988, o processo por contravenção penal, ainda que praticada em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades.

14Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

XI – a disputa sobre direitos indígenas.

15Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar crime em que o indígena figure como autor ou vítima.

16Art. 70.O processo e o julgamento dos crimes previstos nos arts. 33 a 37 desta Lei, se caracterizado ilícito transnacional, são da competência da Justiça Federal.

17Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, “a”, do Código de Processo Penal.

18Compete ao Juízo das Execuções Penais do Estado a execução das penas impostas a sentenciados pela Justiça Federal, Militar ou Eleitoral, quando recolhidos a estabelecimentos sujeitos à administração estadual.

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