Como é sabido, a palavra culpabilidade é utilizada em vários sentidos, tais como: a)princípio da culpabilidade; b)princípio de não-culpabilidade; c)crime culposo; d)culpabilidade como circunstância judicial; e)culpabilidade como elemento do conceito analítico de crime. E mais recentemente, alguns autores, especialmente Zaffaroni, Juarez Cirino e Grégore Moura, falam de co-culpabilidade.
No sentido de princípio de culpabilidade, o conceito é empregado como sinônimo de princípio da responsabilidade penal pessoal/subjetiva, significando que nenhuma pena passará da pessoa do delinqüente, motivo pelo qual só deve responder pela infração penal o seu respectivo autor, co-autor ou partícipe; constitui, portanto, um postulado político-criminal que impede a responsabilidade penal objetiva e/ou presumida, compreendendo o dolo e a culpa inclusive. No sentido de princípio da não-culpabilidade – ou princípio da presunção de inocência – significa que ninguém poderá ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória; constitui, assim, um princípio de caráter processual: até prova em sentido contrário, é de se ter o agente como inocente, de modo que, se a inocência é presumida, a culpa requer prova por parte de quem formula a acusação (Ministério Público ou querelante).
Já quando empregada como sinônimo de crime culposo (culpa em sentido estrito), corresponde ao crime praticado com imprudência, negligência ou imperícia, isto é, com infração de um dever de cuidado, ou, ainda, criação de risco proibido e realização desse risco no resultado.
A culpabilidade também constitui circunstância judicial (CP, art. 59) a ser considerada no momento da individualização judicial da pena; significa então que, ao proceder à fixação da pena, o juiz deverá tomar em conta o grau de reprovabilidade/exigibilidade da conduta: quando mais exigível um comportamento diverso/conforme o direito, mais reprovável será a infração penal; quando menos exigível, menor a censurabilidade e, pois, menor o castigo. Enfim, a culpabilidade corresponde aqui à idéia mesma de proporcionalidade em sentido estrito, a ser aferida segundo múltiplas circunstâncias.
Mais freqüentemente se diz que um crime é, do ponto de vista analítico, um fato típico, ilícito e culpável. Com isso se quer dizer que, além da tipicidade e ilicitude, a punibilidade de um comportamento reclama a comprovação de que, no caso concreto, era perfeita e razoavelmente possível e exigível do seu autor um comportamento diverso, isto é, conforme o direito (culpável); o agente não atuará, por isso, culpavelmente, mas inculpavelmente, sempre que lhe faltarem a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude ou a exigibilidade de conduta diversa. A culpabilidade nesse sentido constitui, portanto, o terceiro requisito do crime.
Mais recentemente alguns autores falam ainda de co-culpabilidade como circunstância supra-legal de atenuação da pena1. É que há casos em que as condições sócio-econômicas do agente são de tal modo adversas que o juiz, ao proceder à individualização da pena, não pode ignorá-las, devendo lhe atenuar o castigo por isso, desde que haja relação casual entre tais condições e o delito cometido, motivo pelo qual a sua aplicação ocorrerá principalmente, mas não exclusivamente, nos crimes patrimoniais (furto, estelionato etc.).
Convém notar aliás que alguns códigos penais a referem claramente, embora sem recorrer, em geral, a essa denominação, como o código colombiano, ao dispor que a pena será atenuada se o autor praticar a infração penal sob a influência de profunda situação de marginalidade, ignorância ou pobreza extrema que hajam influenciado diretamente o cometimento do crime e não sejam suficientes para excluir a própria responsabilidade jurídico-penal (art. 56).
Trata-se, portanto, de um conceito que se aproxima muito do estado de necessidade e da inexigibilidade de conduta diversa, mas que com estes não se confunde, e em relação aos quais tem caráter residual/subsidiário, pois a adoção da atenuante da co-culpabilidade pressupõe, logicamente, a rejeição ou o não reconhecimento da causa de justificação (estado de necessidade) ou da excludente supra-legal de culpabilidade (inexigibilidade de conduta diversa) com as quais guarda semelhança. É que tais excludentes conduzem à absolvição pura e simples; a co-culpabilidade, ao contrário, pressupõe a condenação.
Temos, porém, que em verdade a chamada co-culpabilidade não é senão uma dimensão do próprio conceito de culpabilidade enquanto circunstância legal, a atenuar ou agravar a pena2, conforme o caso, uma vez que, se culpabilidade é exigibilidade (maior ou menor), a ser aferida tomando em conta as múltiplas variáveis do caso concreto, tal há de ser menor quanto àquele que comete delito premido por condições sócio-econômica especialmente adversas.
Em suma, parece-nos que co-culpabilidade é um nome novo para designar coisa velha: a própria culpabilidade.
Paulo Queiroz
1Assim, Grégore Moura. Do Princípio da co-culpabilidade. Niterói, Rio: Editora Impetus, 2006.
2Tanto é assim que se fala de co-culpabilidade às avessas, situação em que a pena seria agravada.