O mundo é a minha representação. Esta proposição é uma verdade para todo ser vivo e pensante, embora só no homem chegue a transformar-se em conhecimento abstrato e refletido. A partir do momento em que é capaz de o levar a este estado, pode dizer-se que nasceu nele o espírito filosófico. Possui então a inteira certeza de não conhecer nem um sol nem uma terra, mas apenas olhos que vêem este sol, mãos que tocam esta terra; em uma palavra, ele sabe que o mundo que o cerca existe apenas como representação, na sua relação com o ser que percebe, que é o próprio homem.
Tudo o que existe, existe para o pensamento, isto é, o universo inteiro apenas é objeto em relação a um sujeito, percepção apenas, em relação a um espírito que percebe.
Tudo o que o mundo encerra ou pode encerrar está nesta dependência necessária perante o sujeito, e apenas existe para o sujeito. O mundo é, portanto, representação.
Se o mundo existisse unicamente no espaço, seria rígido e imóvel: não haveria sucessão, nem mudança, nem ação; uma vez suprimida a ação, a matéria sê-lo-ia do mesmo modo. Se o mundo existisse unicamente no tempo, tudo se tornaria fugidio; então, não haveria permanência, nem justaposição, nem simultaneidade, e, por conseqüência, não haveria duração; também não haveria matéria como há pouco.
Toda causalidade e, por conseguinte, toda matéria, toda realidade, apenas existe pelo entendimento, para o entendimento.
Um objeto em si, independente do sujeito, é uma coisa absolutamente inconcebível, visto que, enquanto objeto, esta coisa implica o sujeito, do qual ela é apenas representação.
O objeto e a representação são apenas uma única e mesma coisa.
Todo o mundo objetivo é e permanece representação e, por esta razão, é absoluta e eternamente condicionado pelo sujeito; em outras palavras, o universo tem uma idealidade transcendental. Daqui não resulta que ele seja ilusão ou mentira; ele parece aquilo que é, uma representação, melhor dizendo, uma série de representações cujo vínculo comum é o princípio da causalidade.
A vida e os sonhos são folhas de um livro único: a leitura seguida das páginas é aquilo a que se chama a vida real; mas quando o tempo habitual da leitura (o dia) passou e chegou a hora do repouso, continuamos a folhear negligentemente o livro, abrindo-o ao acaso em tal ou tal local e caindo tanto numa página já lida como sobre uma que não conhecíamos; mas é sempre no mesmo livro que lemos.
Extraídas de o mundo como vontade e representação. São Paulo: Contaponto, 2004.