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Aforismos

1)Existem dois tipos de autor: os que têm e os que não têm o que dizer. Encontrar os que têm o que dizer é trabalho de garimpeiro; e, pois, exige árdua pesquisa.

2)Um bom livro não depende tanto da qualidade nem da quantidade de textos e autores citados, mas de como os utiliza.

3)O modo como se conta uma história é mais importante do que a história mesma. O mesmo vale para música etc.

4)Com a idade o que ganhamos em experiência perdemos em criatividade.

5)Trecho de um depoimento judicial: “Ele é um homem extremamente generoso, honesto, excelente pai, filho e esposo” – disse a testemunha a propósito de um criminoso reincidente. E não mentia.

6)A vida é mais fácil quando se é superficial.

7)Nenhuma virtude é louvável em si mesma; nenhum vício ou pecado é em si mesmo condenável; tudo depende de como lidamos com isso.

8)Amar é encontrar a si mesmo no outro.

9)Pessoas que amam são pessoas perigosas.

10)Não existem ações absolutamente desinteressadas; desejamos, ao menos, um mínimo de gratidão.

11)A monogamia é uma violência.

12)Disse o amante: “te amo, te amo, te amo, incondicionalmente; e completou: “claro, desde que continues assim”.

13)Conhecimento produz angústia; por isso preferimos, não raro, a ignorância.

14)“Promete ser fiel e amá-lo para todo o sempre, na riqueza, na pobreza, na doença?”, “Não, padre; tenho horror à mentira”, disse a noiva.

15)O amor tudo perdoa; a traição, inclusive.

16)O preconceito, como a ingratidão, é um déficit de afetividade.

17)Devemos amar (ou odiar) as pessoas honestamente, isto é, como elas são, não como gostaríamos que elas fossem.

18)“Eu só quero a paz, a justiça e um mundo sem violência!”, gritou o terrorista antes de detonar a bomba.

19)E como o leão, capturado em plena selva, era bravo, para domesticá-lo, arrancaram-lhe os dentes e unhas; e o acorrentaram e o torturaram; e assim o animal se tornou bom e manso. Os penalistas chamam isso de ressocialização.

20)“Somos todos iguais”, diz a lei; “Não! Mil vezes não!”, protesta a natureza.

21)Existem mil formas de trair alguém; o sexo não é a única nem a mais importante.

22)Justiça e vingança designam o mesmo sentimento.

23)O contrário da vingança não é a justiça, mas o perdão.

24)Definição de filósofo: a mais presunçosa criatura humana, pois pretende tudo reduzir a conceitos: verdade, vontade, representação, ser, substância, mônada, espírito absoluto etc.

25)Filósofos são, em geral, maus escritores.

26)Tudo que os homens dizem sobre os deuses, a favor ou contra, é arbitrário e inevitavelmente antropomórfico.

27)Se existissem deuses, a crença divina não seria uma alternativa, mas uma necessidade, como o batimento cardíaco ou a respiração.

28)Não existem fenômenos religiosos, mas apenas uma interpretação religiosa dos fenômenos (Nietzsche revisto).

29)Um chimpanzé me confidenciou que seus deuses têm a forma de chimpanzés e são incrivelmente poderosos. O mesmo foi-me dito por um babuíno, um cão e um gato.

30)Um porco me confessou que tinha horror à religião humana, pois sempre fora tratado como um cachorro.

31)“Foi Deus que, na sua infinita misericórdia, me salvou desse terrível acidente”, disse o primeiro sobrevivente; “seria muita pretensão da minha parte que Deus, para me salvar, tivesse de sacrificar tanta gente inocente”, retrucou o segundo.

32)Falar com Deus é a expressão máxima de vaidade.

33)Religião é mitologia do presente; mitologia é religião do passado.

34)Quão deprimente é ver um pastor afrodescendente profanar as religiões africanas!

35) religiosidade (ou sua ausência), por si só, não faz ninguém melhor nem pior.

36)“Porque fomos criados à imagem e semelhança de Deus”, disse o homem; “quanta presunção!”, sibilou a serpente.

37)Disse um cristão: “só há um Deus: Jesus Cristo!”; ao que um muçulmano retrucou: “realmente só há um Deus; mas esse Deus é Alah, e Maomé é seu profeta!”; enquanto um judeu pensava consigo mesmo: “nosso Deus é mais antigo”. E todos tinham e não tinham razão.

38)A fé em Deus prova a fé mesma, não a existência de Deus. E ainda que a fé provasse a existência de Deus, restaria a pergunta: qual Deus (ou Deuses)?

39)Um anjo me confidenciou que, depois de condenado, Lúcifer, arrependido, invocou Mateus 18:22 – em que Jesus diz a Pedro que não se deve perdoar sete vezes, mas setenta vezes sete – e que Deus o perdoara. O perdão, no entanto, foi desde então mantido em segredo, pois, sem o Diabo, ninguém O levaria a sério. Além do mais, uma boa fábula não tem a menor graça sem um vilão digno desse nome. O mesmo teria ocorrido com Adão e Eva.

40)Frequentemente, o “amar o próximo como a ti mesmo” não inclui as pessoas muito próximas, sobretudo quando não compartilham do mesmo credo.

41)A isenção do juiz, quer dizer, equidistância relativamente às partes, mais do que uma exigência de justiça, é uma questão de saúde mental.

42)Quem adora a Deus, adora, em verdade, a si mesmo.

43)A religiosidade emburrece; o fanatismo embrutece.

44)Quem nos salvará da santidade dos santos? (Freud revisto)

45)Convém confiar e desconfiar de tudo, sobretudo de nós mesmos.

46)O homem verdadeiramente honesto o é por puro orgulho.

47)Eis uma sentença sapientíssima: o homem é a medida de todas as coisas que são e não são (Protágoras de Abdera).

48)Um homem absolutamente sincero é absolutamente insuportável.

49)Não se ama o dinheiro pelo que ele é, mas pelo que se pode obter por meio dele. Talvez isso valha para tudo que nos diz respeito.

50)A interpretação é uma fotografia da alma do intérprete.

51)O sentido das coisas (textos, fatos, provas etc.) não é dado pelas próprias coisas, mas por nós, ao atribuirmos um dado sentido num universo de possibilidades, aí incluída a falta de sentido, inclusive.

52)A interpretação é o ser do direito; e o ser do direito é um devir.

53)O que quer que possa ser pensado, por quem quer que possa ser pensado, como quer que seja pensado, sempre poderá ser pensado de diversas outras formas, e, pois, conduzir a resultados também diversos.

54)Os limites da interpretação são dados por uma outra interpretação.

55)Quem é fiel a si mesmo não trai a ninguém, nem cria falsas expectativas nem ilusões (Hamlet revisto).

56)O fundamento último de todo fundamento carece de fundamento.

57)Só devemos romper o silêncio com algo melhor que ele; se e quando houver.

58)A citação deve ter um duplo sentido: valorizar o que se diz e valorizar a citação mesma.

59)A única ou a resposta correta é a versão jurídico-filosófica do monoteísmo.

60)Quem, à semelhança de Narciso, advoga semelhante ficção (a única resposta correta) oculta o essencial: “eu sou a resposta correta”.

61)Em geral superdimensionamos o consciente e o dito quando o mais importante parece ocultar-se, caprichosamente, no inconsciente e no não dito.

62)O problema não está, em princípio, na religião ou sua falta, mas no modo como lidamos com a sua presença ou ausência.

63)No fundo, todo conhecimento humano – e não só a religião – é uma ficção, útil e necessária a uma determinada espécie – o homem (Nietzsche revisto).

64)Se Deuses existem, certamente eles nada têm a ver com o textos (humanos) supostamente sagrados.

65)Para o crente, a questão sobre se Deus existe (ou não) é, no fundo, um problema menor, irrelevante. O que de fato importa é o quanto de bem-estar, segurança, paz etc., a ideia de Deus implica. Talvez o mesmo valha, mutatis mutandis, para todo o conhecimento humano e o quanto de verdade ele encerra.

66)Sobre a homofobia. Por que nos incomodar com o reconhecimento de direitos que não nos trazem prejuízo algum, mas, ao contrário, implicam a inclusão do outro? Por que nos arrogar advogados de Deus, se Ele, que é onipotente, onipresente e onisciente, não precisa de nós, embora precisemos (?) Dele? O que quer que os homens falem sobre Deus, a favor ou contra, é de si mesmo que falam (Nietzsche). Por que não somos minimamente honestos e reconhecemos que, a pretexto de atuar em nome de Deus, agimos, em verdade, em favor dos nossos próprios – e nada divinos – interesses?

67)Assim como o ateu não pode pretender impor seu ateísmo a alguém, tampouco pode fazê-lo o crente, relativamente ao seu credo.

68)Todo conhecimento é ficção e perspectiva, mesmo quando, pretendendo superá-las, acreditamos que não o são.

69)Apesar de não existir um direito a-histórico, atemporal, existem pessoas que se pretendem a-históricas e atemporais, isto é, de tal modo conservadoras ou reacionárias que estão em permanente conflito com os valores de seu tempo.

70)Arrepender-se de algo é raro; mais frequentemente lamentamos um desfecho contrário às nossas expectativas.

71)Um inimigo declarado é mil vezes preferível a um amigo dissimulado.

72)Quem tem poder cria o direito; quem não o tem o sofre.

73)Só é direito o que o poder reconhece como tal.

74)Por mais que consideremos a religião uma fabulação infantil, é imperioso respeitá-la, por amor e respeito às crianças, inclusive.

76)A história já nos mostrou o bastante sobre quão diabólicas podem ser as pessoas sempre que se julgam agir em nome de Deus.

76)Os juristas não amam a legalidade, nem odeiam a ilegalidade, mas o que podem obter por meio da lei (Nietzsche revisto).

77)Todo antirrelativismo, a pretexto de combater o relativismo, oculta-o; o antirrelativismo é, por conseguinte, uma forma dissimulada de relativismo.

78)Raramente temos disposição para repensar nossas opiniões; em geral nos armamos como soldados raivosos em defesa de nossas convicções, por mais absurdas.

79)É próprio de quem é superficial pensar as coisas em termos de preto e branco; mas mesmo o preto e o branco admitem mil variações.

80)A verdade, como as cores, admite mil variações.

81)As teorias existem e são criadas para servir ao homem, e não contrário; se já não nos servem, devemos substituí-las.

82)Uma boa teoria não é, ou não é necessariamente, aquela que oferece a melhor sistematização, mas a que conduz a uma resposta justa do caso concreto.

83)Para entender bem um autor, é preciso estar próximo dele ou parecer-se com ele, quer dizer, incomodar-se com o que o incomoda, odiar o que ele odeia, amar o que ele ama, e, principalmente, ser tão profundo ou tão superficial quanto ele.

84)Um bom livro é essencialmente aquele que contém o que procuramos, ainda quando não sabemos exatamente o que.

85)Querer agradar pode ser uma forma sútil de corromper-se ou de fazer corromper.

86)Deuses e demônios nascem e morrem com as civilizações que os produzem.

87)Não amamos algo por ser verdadeiro, mas por aumentar o nosso sentimento de poder.

88)Quando não se é capaz de amar pessoas e seres reais, é preciso inventá-los.

89)No fundo, nada fazemos pelos outros; tudo de bom e de ruim que fazemos, fazemos por nós mesmos.

90)Ainda que pudéssemos assumir ora a forma de uma barata, ora de polvo, ora de serpente, ora de leão, ora de planta ou de qualquer outra espécie, nem assim esgotaríamos as possibilidades de conhecer.

91)Conhecer é combater, é se dispor, permanentemente, a começar do ponto zero.

92)Em política não há limite para conchavos.

93)Eticizar a política é uma ilusão necessária.

94)A popularidade exige muitas concessões, frequentemente espúrias.

95)Disse-me uma coruja: sacrificar-se pela humanidade, essa espécie cruel e desprezível, é uma grande tolice.

96)A grande maioria nasceu para seguir o rebanho; e uns poucos para tocá-lo.

97)Queiramos ou não, e ainda que em caráter de exceção, quase tudo é, em tese, legitimável – logo, também deslegitimável – por meio do direito. O que é verdadeiramente trágico é saber quando e sob que condições isso possível.

98)Ainda que o próprio Deus ditasse as leis, ainda que os juízes fossem santos, ainda que promotores, defensores e policiais formassem um exército de querubins, ainda assim a justiça e o direito seriam desiguais.

99)O direito é uma das mil faces do poder.

100)Eis uma sentença sapientíssima: “Nós introduzimos nossos valores nas coisas por meio da interpretação” (Nietzsche).

101)A fé é um refúgio do pessimismo.

102)O milagre da fé/dos judeus: como um povo nômade, pequeno, frágil, pôde produzir mitos tão poderosos?

103)Verdade e mentira são igualmente necessárias à vida. Se preferimos a primeira à segunda, é porque em geral a verdade é mais fácil, nos é socialmente imposta e, pois, temos mais a ganhar com ela do que com a mentira. Casos há, porém, em que mentir não só é necessário como recomendável.

104)Falar, agir ou reinar em nome de Deus sempre foi a maior das pretensões humanas.

105)Um juízo ou tribunal que se limite a carimbar, servilmente, decisões de outro tribunal não tem porque existir.

106)Saber lidar com uma religião (política etc.) é mais importante do que a religião mesma.

107)Uma boa religião há de ensinar a viver, amar e morrer saudavelmente. O mais é excesso.

108)Nesse mundo plural, complexo e multifacetado, que tentamos reduzir à nossa pobre cosmovisão, cabem todos: sábios e ignorantes, trabalhadores e vagabundos, senhores e escravos, médicos e curandeiros, pastores e feiticeiros, damas e prostitutas, crentes e ateus, moralistas e libertinos, fanáticos e criminosos. Toleremos e fomentemos, pois, a liberdade, ao invés de manietá-la. O mundo será melhor se o ponto de vista do outro divergir do nosso, e não o contrário. Evitemos o mau gosto de querer que nossas opiniões sejam aceitas pelos outros (Nietzsche).

109)Desde que foi criado o substantivo DEUS, a humanidade não se cansa de conjugar o verbo MATAR.

110)Covardes não fazem história; fazem número.

111)Toda obra é, em última análise, autobiográfica.

112)A vida é um brevíssimo intervalo entre o nascimento e a morte; convém, pois, aproveitá-la.

113)O homem é um animal curiosíssimo: quase nada sabe sobre si mesmo, mas é capaz de dar grandes lições sobre Deus.

114)É próprio de todo espírito conservador reagir a tudo que é novo e desejar a volta de uma passado que desconhece.

115)O medo, especialmente o medo da morte, é o pai de todos os deuses.

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Não é fácil prefaciar qualquer trabalho de Paulo Queiroz, principalmente quando ele homenageia o prefaciador. O largo tirocínio no Ministério Público Federal, os longos anos de magistério universitário e as inúmeras palestras proferidas por esses brasis afora, congeminados, descortinaram-lhe novos horizontes. E aí está a literatura jurídica pátria engrandecida com mais um trabalho que honra sobremodo as nossas tradições.

A prescrição é a mais relevante, a mais complexa, a mais controversa e a mais frequente causa de extinção da punibilidade. Nem todos concordam com a prescrição e sempre houve quem propusesse a sua abolição total ou parcial sob a justificativa de ser um dos fundamentos da impunidade.

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