Recentemente tive de dar parecer sobre o seguinte e inusitado fato:
Em 3/2/2014 a equipe do IBAMA, ao realizar fiscalização no Aeroporto Internacional de Belém/PA, verificando bagagens de passageiros de voo oriundo de Manaus/AM, identificou isopor contendo 1 (um) exemplar de tambaqui (Colossoma Macropomum), pesando 2.7kg (dois quilos e setecentos gramas) e 5 (cinco) exemplares de curimatã (Prochilodus nigricans), pesando 3.2kg (três quilos e duzentos gramas).
Segundo a denunciada, o peixe fora comprado na feira em Manaus, não tendo o feirante dado nota fiscal da compra realizada. A denunciada ignorava, ademais, que se tratasse de produto pescado durante período de defeso.
Foi-lhe imputado o crime do art. 34, parágrafo único, III, da Lei 9.605/98, na modalidade TRANSPORTAR, que diz:
Art. 34. Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão competente:
Pena – detenção de um ano a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem:
I – pesca espécies que devam ser preservadas ou espécimes com tamanhos inferiores aos permitidos;
II – pesca quantidades superiores às permitidas, ou mediante a utilização de aparelhos, petrechos, técnicas e métodos não permitidos;
III – transporta, comercializa, beneficia ou industrializa espécimes provenientes da coleta, apanha e pesca proibidas.
Como se vê, cuida-se de conduta manifestamente atípica. Afinal, comprar peixe na feira não é crime. Tampouco o é transportá-lo, depois de havê-lo adquirido legalmente.
Com efeito, ao adquirir peixe numa feira de Manaus, o adquirente realiza, simplesmente, um negócio jurídico de compra e venda, que, por óbvio, não constitui delito algum.
E se crime houve, é imputável, unicamente, àquele que pescou em época proibida ou sem autorização legal para tanto, no termos do art. 34 da Lei de Crimes Ambientais.
Como se trata, por conseguinte, da realização pura e simples de um negócio jurídico, não compete ao comprador exigir nota fiscal ou certifica-se de que o peixe fora pescado regularmente.
Além do mais, a simples omissão não constitui, em princípio, crime algum. Nem é o caso de incidência da norma do art. 13, §2°, do CP, já que a denunciada não é garante, isto é, não tinha o dever legal algum de agir no sentido de fazer cumprir a lei, mesmo porque ignorava que houvesse violação à lei.
Em suma, quer por se tratar de realização de negócio legal (compra e venda de peixe na feira), quer por desconhecer a eventual ilicitude da pesca feita pelo feirante ou pescador ou atravessador, a conduta descrita na denúncia é atípica.
E mais: falta o dolo, entendido como conhecimento e vontade de realização dos elementos do tipo, bem como a culpabilidade, traduzida no potencial conhecimento da ilicitude da conduta, tudo a justificar a rejeição da denúncia.
É bem verdade que o artigo 34, parágrafo único, III, da Lei 9.605/98, tipifica a conduta de quem transporta, comercializa, beneficia ou industrializa espécimes provenientes da coleta, apanha e pesca proibidas.
Mas esse dispositivo legal nada tem a ver com a ação praticada pela recorrida: comprar peixe na feira. Sim, porque, como se vê facilmente, a lei equipara à pesca proibida o comportamento de quem realiza típica ação de comercialização, industrialização ou beneficiamento de pescados que se sabe produto de crime.
Quanto à ação de transportar, cuida-se, evidentemente, de um comportamento realizado nesse contexto comercial ou industrial.
Reiteremos o óbvio: comprar peixe na feira não é crime!
Não bastasse tudo isso – atipicidade da conduta, ausência de dolo, erro de proibição etc., é manifesta a insignificância jurídico-penal da conduta, visto que: 1) Não houve dano significativo e de difícil reparação; 2) O pescado foi apreendido; 3) A denunciada foi multada; 4) Trata-se de ato isolado, sem caráter predatório ou comercial; 5) A denunciada é primária e sem antecedentes criminais.