A recente Súmula 527 do Superior Tribunal de Justiça dispõe que “o tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado”.
Trata-se, sem dúvida, de um avanço relativamente ao Código Penal, cujo artigo 97, §1°, prevê a indeterminação do prazo máximo das medidas de segurança.
Mas a Súmula está muito aquém da Lei de Reforma Psiquiátrica (Lei nº 10.216/2001), expressamente aplicável às medidas de segurança, que as chama de internação compulsória (arts. 6º, III, e 9º), a qual trouxe importantes modificações, a exigir uma releitura da legislação penal, havendo, inclusive, quem considere que houve revogação de grande parte das disposições penais sobre medidas de segurança.1
As principais inovações da lei são assim sintetizáveis:
1) Finalidade preventiva especial. A lei considera como finalidade permanente do tratamento a reinserção social do paciente em seu meio (art. 4º, § 1º), reforçando assim a finalidade – já prevista na LEP – preventiva individual das medidas de segurança. Portanto, toda e qualquer disposição que tiver subjacente a ideia de castigo restará revogada.
2) Excepcionalidade da medida de segurança detentiva (internação). Exatamente por isso, a internação só poderá acontecer quando for absolutamente necessária, isto é, quando o tratamento ambulatorial não for comprovadamente o mais adequado. É que, de acordo com a lei, a internação só é indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes, devendo ser priorizados os meios de tratamento menos invasivos possíveis (arts. 4º e 2º, parágrafo único, VIII). Por isso que, independentemente da gravidade da infração penal cometida, preferir-se-á o tratamento menos lesivo à liberdade do paciente, razão pela qual, independentemente da pena cominada (se reclusão ou detenção), o tratamento ambulatorial (extra-hospitalar) passa a ser a regra, e a internação, a exceção, apesar de o Código dispor em sentido diverso.2 Também por isso é vedada a internação de pacientes em instituições com características asilares (art. 4º, § 3º).
3) Revogação dos prazos mínimos da medida de segurança. Parece certo também que a fixação de prazos mínimos restou revogada, pois são incompatíveis com o princípio da utilidade terapêutica do internamento (art. 4º, § 1º) ou com o princípio da desinternação progressiva dos pacientes cronificados (art. 5º). Além disso, a presunção de periculosidade do inimputável e o seu tratamento em função do tipo de delito que cometeu (se punido com reclusão ou detenção), baseado em prazos fixos e rígidos, são incompatíveis com as normas sanitárias que visam à reinserção social do paciente.3
4) Alta planejada e reabilitação psicossocial assistida. No caso de paciente há longo tempo hospitalizado ou para o qual se caracterize situação de grave dependência institucional, decorrente de quadro clínico ou de ausência de suporte social, será objeto de política específica de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida, sob responsabilidade da autoridade sanitária competente (art. 5º).
5) O paciente tem direito ao melhor tratamento do sistema de saúde, de acordo com as suas necessidades, garantindo-se-lhe, entre outras coisas, livre acesso aos meios de comunicação disponíveis (art. 2º, parágrafo único).
Como se vê, o fim precípuo da lei é proteger o portador de transtorno mental de todo e qualquer abuso estatal e emprestar-lhe o melhor tratamento possível, para além de todos os rótulos, preferencialmente fora do ambiente manicomial, carcerário, asilar.
Finalmente, é de ver que medida de segurança é pena, embora com outro nome, razão pela qual seus pressupostos hão de ser os mesmos (tipicidade, ilicitude e culpabilidade). Justamente por isso, é dado ao inimputável autor de crime alegar toda e qualquer excludente de culpabilidade, inclusive, a exemplo de coação moral irresistível, embriaguez involuntária completa, erro de proibição inevitável etc.4
Já não faz sentido algum, por conseguinte, dizer-se, como ainda faz a doutrina, que a pena pressupõe culpabilidade e as medidas de segurança periculosidade.
Afinal, quão mais débil for o imputado/inimputado, maiores devem ser as garantias penais e processuais penais.