De acordo com a doutrina, o direito penal ou direito criminal é a parte do ordenamento jurídico que define as infrações penais (crimes e contravenções) e comina as respectivas sanções (penas e medidas de segurança).1
A definição é correta, mas incompleta, visto que, além de definir crimes e cominar penas, o direito criminal estabelece os princípios e regras que regulam a atividade penal do Estado, fixando os fundamentos e os limites ao exercício do poder punitivo, a exemplo dos princípios de legalidade, irretroatividade, humanidade das penas etc.
As normas penais, notadamente as constitucionais-penais, estabelecem ainda a respectiva conformação político-jurídica estatal: liberal, democrática, autoritária, teocrática etc. E os limites do direito penal são os limites do próprio Estado.
O conceito dado inicialmente parece também confundir direito penal com legislação penal, isto é, confunde lei e direito, embora sejam coisas distintas, como ainda veremos.
Num sentido lato, o direito penal é, portanto, um sistema de princípios e regras que estabelece as condições de legitimação e deslegitimação da jurisdição penal, que é o poder de dizer o direito. Diz-se lato porque esta definição também compreende, em última análise, o processo e a execução penal.
E num sentido estrito, é a parte do ordenamento jurídico que define as infrações penais e comina as sanções, bem como institui os fundamentos e as garantias que regulam o poder punitivo estatal.
Cabe também conceituá-lo, como faz García-Pablos, sob o enfoque dinâmico e sociológico, como um dos instrumentos do controle social formal por cujo meio o Estado, mediante determinado sistema normativo (as leis penais), castiga com sanções negativas de particular gravidade (penas e outras consequências afins) as condutas desviadas mais nocivas para a convivência, assegurando a necessária disciplina social e a correta socialização dos membros do grupo.2
É certo ainda que, por meio da expressão direito penal, é designada a ciência do direito penal. Nesse sentido, o saber ou a ciência penal tem por objeto o conhecimento, a interpretação, a sistematização e a crítica do direito positivo.3
Convém notar, por fim, que o direito penal é, ele mesmo, uma forma de violência (penas etc.) que se pressupõe justa e necessária relativamente às violências que regula e combate (os crimes), de modo que o direito penal é violência – nem sempre legítima – a serviço do controle da violência – nem sempre ilegítima.
O direito penal é, pois, uma espada de duplo fio, porque é lesão de bens jurídicos para proteção de bens jurídicos (Franz von Liszt). Afinal, pretende combater crimes (homicídio etc.) por meio de graves constrangimentos à pessoa humana, os quais podem variar de uma simples multa à pena de morte, que é uma espécie de assassinato legal.
A violência não é, portanto, estranha ou extrínseca ao direito, mas inerente à ideia e à realidade mesma do direito. O direito penal é violência a serviço do controle da violência.4
E tão importante quanto o controle da violência é a violência do controle penal (Vera Andrade).
1Eis algumas definições: Franz von Liszt: o direito penal é o conjunto das prescrições emanadas do Estado que ligam ao crime, como fato, a pena, como consequência (Tratado de direito penal alemão, trad. José Hygino Duarte Pereira. Rio de Janeiro: Briguiet, 1899, v. 1, p. 1). Mezger: o direito penal é o exercício do poder punitivo do Estado, que conecta ao delito, como pressuposto, e a pena, como consequência jurídica (Tratado de derecho penal, 2. ed. Madrid, 1946, v. 1, p. 27-28). Welzel: o direito penal é “a parte do ordenamento jurídico que determina as características da ação delituosa e lhe impõe penas ou medidas de segurança (Derecho penal alemán, trad. Bustos e Pérez. Santiago: Ed. Jurídica de Chile, 1993, p. 1). Juarez Cirino: o direito penal é o setor do ordenamento jurídico que define crimes, comina penas e prevê medidas de segurança aplicáveis aos autores das condutas incriminadas (Direito Penal. Parte Geral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 3). Zaffaroni/Batista: o direito penal é o ramo do saber jurídico que, mediante a interpretação das leis penais, propõe aos juízes um sistema orientador das decisões que contém e reduz o poder punitivo, para impulsionar o progresso do estado constitucional de direito (Direito Penal Brasileiro – I. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 40).
2Derecho penal: introducción. Madrid: Universidad Complutense de Madrid, 1995, p. 1-2.
3García-Pablos, cit., p. 298.
. Jacques Derrida escreveu: “…tal situação é, de fato, a única que nos permite pensar a homogeneidade do direito e da violência, a violência como exercício do direito e o direito como exercício da violência. A violência não é exterior à ordem do direito. Ela não consiste, essencialmente, em exercer sua potência ou uma força brutal para obter tal ou tal resultado, mas em ameaçar ou destruir determinada ordem de direito, e precisamente, nesse caso, a ordem de direito estatal que teve de conceder esse direito à violência, por exemplo, o direito de greve.” Força de Lei. Martins Fontes: S. Paulo, 2007, p. 81. Também Kelsen observou “O Direito e a força não devem ser compreendidos como absolutamente antagônicos. O Direito é uma organização da força. Porque o Direito vincula certas condições para o uso da força nas relações entre os homens, autorizando o emprego da força apenas por certos indivíduos e sob certas circunstâncias. O Direito autoriza certa conduta que, sob todas as outras circunstâncias, deve ser considerada ‘proibida’; ser considerada proibida significa ser a própria condição para que tal ato coercitivo atue como sanção. O indivíduo que, autorizado pela ordem jurídica, aplica a medida coercitiva (a sanção) atua como um agente dessa ordem ou – o que equivale a dizer o mesmo – como um órgão da comunidade, constituído por ela. Apenas esse indivíduo, apenas o órgão da comunidade, está autorizado a empregar a força. Por conseguinte, pode-se dizer que o Direito faz o uso da força um monopólio da comunidade. E, precisamente por fazê-lo, o Direito pacifica a comunidade.” Teoria geral do direito e do estado. Tradução: Luíz Carlos Borges. 4ª Ed. São Paulo: Martins Fotnes, 2005, p. 30.