A doutrina constuma distinguir honra objetiva e honra subjetiva; a primeira é a imagem (reputação social) que as pessoas fazem do indivíduo; a segunda é o conceito que o próprio sujeito tem de si.
Todavia, uma tal diferenciação carece de fundamento, quer porque a lei não faz distinção no particular, quer porque a honra compreende tanto o sentimento objetivo quanto o subjetivo sobre a dignidade. Além disso, o que se quer realmente proteger penalmente é a pretensão de respeito à honra, inerente à própria personalidade, razão pela qual a separação resulta artificial e desnecessária.
Como bem observa Heleno Cláudio Fragoso, essa distinção esquemática não existe, porque em quaisquer dos crimes contra a honra o que se atinge, em suma, é pretensão ao respeito, interpenetrando-se os aspectos sentimentais e ético-sociais da honra.1
No mesmo sentido, Cezar Roberto Bitencourt afirma que “não nos parece adequado nem dogmaticamente acertado distinguir honra objetiva e subjetiva, o que não passa de adjetivação limitada, imprecisa e superficial, na medida em que não atinge a essência do bem juridicamente protegido.”2
Aliás, a maior prova da desrazão dessa distinção entre honra objetiva e subjetiva reside no seguinte: mesmo que o indivíduo tenha a reputação social de um canalha e ele, inclusive, considere-se como tal, ainda assim fará jus à proteção legal da honra, quer porque não existem pessoas absolutamente desonradas ou absolutamente vis, quer porque a Constituição assegura-lhe a inviolabilidade, quer porque a negação da honra em caráter absoluto importaria em grave violação da dignidade humana. Afinal, tratar-se-ia a pessoa humana, não como pessoa mesma, mas como coisa, como res.3
Ademais, raramente admitimos que outras pessoas falem de nós o que nós mesmos pensamos a nosso respeito.
Em suma, apesar de a ação penal depender, como regra, de iniciativa do ofendido, e é de todo razoável quem assim seja, a proteção constitucional da honra não está juridicamente condicionada nem à imagem que o indivíduo faz de si mesmo, nem à sua reputação social.
Consequentemente, é infundada a afirmação (comum na doutrina) de que a calúnia e a difamação ofendem a honra objetiva e que a injúria viola a honra subjetiva, mesmo porque tais delitos atingem o indivíduo exatamente da mesma forma e causam o mesmo desconforto e sofrimento moral.
Também por isso, não faz sentido algum condicionar, como pretende a doutrina, a consumação dos crimes de calúnia e difamação à circunstância de a imputação desonrosa chegar imperiosamente ao conhecimento de terceiro, que não a própria vítima da ofensa.4
Lições, cit., p. 129-130.
Tratado de Direito Penal, v.2. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 281.
Como escreve Aníbal Bruno, a honra, que o direito penal protege contra a ofensa ou ameaça, é um bem jurídico que se atribui a todo homem, bem imaterial, incorporado à sua pessoa, variável segundo condições individuais e sociais, que pode ser diminuído, mas não de todo eliminado (…). Medidas punitivas como a declaração de infâmia ou a morte civil, com a desonra e a perda total da capacidade jurídica, não se conciliam com o direito moderno. Por mais baixo que tenha caído o indivíduo, haverá sempre em algum recanto do seu mundo moral um resto de dignidade, que a calúnia, a difamação ou a injúria poderão ofender e que o direito não deve deixar ao desamparo. Crimes contra a pessoa. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1979, p.272 e 274..
Exceção a isso é Heleno Cláudio Fragoso que afirma, quanto à difamação, “o crime se consuma desde que a imputação desonrosa chegue ao conhecimento do ofendido ou de qualquer outra pessoa”, Lições, cit., p. 137.