Esta verdade tão simples e tão irrecusável torna evidente que só o Poder cria o Direito. Por mais que nos repugne este casamento, que talvez seja o casamento que desejaríamos não se consumasse, infelizmente é o único que se revela possível para a condição humana. Todo discurso que tente escamoteá-lo apenas objetiva “ocultar” as relações de poder que estão na matriz de toda e qualquer regulação social.
Daí sustentar, com tranquilidade, que toda tentativa de apontar um fundamento para o Direito dissociado do poder político nada mais é que inaceitável manipulação ideológica perversa, ou um equívoco epistemológico, ambos pretendendo, em verdade, colocar no lobo uma pele de cordeiro.
O Direito não é algo dado pela Natureza, como matéria-prima de que se possa utilizar para produzir objetos que se reificarão depois de produzidos. Ele é produzido pelos homens como linguagem, texto, decisão.
Portanto, se o direito não é dado ao homem, pronto e acabado, nem mesmo é posto em suas linhas mestras por algo que o antecede, divino ou profano, seja o Deus do decálogo, seja a razão cartesiana; se o direito é aquilo que os homens produzem politicamente como direito, o ponto de partida de toda reflexão jurídica deve necessariamente refletir sobre o processo de produção do direito institucionalizado no espaço político em que atuam os aplicadores do direito e os cientistas do direito.
O direito não se objetiva, colocando-se ao alcance da percepção humana, senão como texto. Ninguém ousará advogar para o direito um conteúdo material, vale dizer, sua correspondência como um objeto da Natureza, dotado de estrutura molecular ou atômica, peso, dimensão, cor, densidade. Se há um dado irrecusável é que o direito não se situa no mundo físico. Não é algo suscetível de percepção pelo homem, salvo como linguagem.
Fizemos de nossa Constituição um código do trabalho, um estatuto do servidor público, uma lei orgânica da previdência social, uma código tributário, uma lei orgânica da magistratura e do ministério público, um mini direito de família, nem esquecemos os silvícolas, os idosos, os deficientes físicos, as mulheres, os infantes. Só deixamos de fora os mortos, por não termos tido a suficiente fé de que nosso poder constituinte seria capaz de ressuscitá-los.
Nada é sozinho. Nada é para sempre. Todo saber é saber do homem, ser histórico e contingente, pelo que este saber só se legitima se apto para servir à humanidade.
Justiça, para mim, tem muito a ver com satisfação de necessidades e desejos. Injustiça e carência são quase irmãs siamesas. O homem que não experimenta carências (materiais e imateriais) não se sente jamais injustiçado.
A política, em última análise, é apenas a arte de administrar as insatisfações, de modo a reduzir as tensões que, por excessivas, inviabilizam a ordem social institucionalizada.
Quando outros pretendem nos emancipar ou nos propomos a emancipar alguém, o que estamos fazendo, em verdade, é manter a dependência e a dominação.
Extraídas de “Revisitando o Direito, o Poder, a Justiça e o Processo”. Salvador: Editora jusPODIVM, 2012.