Remissão ao artigo sobre a fundamentação das decisões. E ao artigo sobre erros frequentes na aplicação da pena.
Frequentemente, juízes e tribunais negligenciam a motivação da aplicação da pena. Não raro, dedicam um ou dois parágrafos à dosimetria e claramente violam o art. 315, §2°, do CPP.
É muito comum se afirmar, por exemplo, que “o réu é reincidente, razão pela qual aumento a pena de 1/6”, como se a reincidência fosse um tema óbvio e dispensasse maiores considerações.
Em muitos casos, porém, não há reincidência na forma da lei (CP, art. 63) ou já expirou o prazo legal de cinco anos. Ou a sentença anterior não gera reincidência por se tratar, por exemplo, de condenação por porte de droga para consumo pessoal (art. 28 da Lei n° 11.343/2.006), que não comina privativa da liberdade, razão pela qual não pode fundamentar agravamento de pena de prisão. O que a lei veda diretamente não pode ser admitido indiretamente, sob pena de violação aos princípios da legalidade e proporcionalidade das penas. Nesse sentido é a orientação do STF e STJ.
Muitas decisões nem sequer mencionam o percentual de aumento da pena (v.g., “acrescento 2 anos de reclusão sobre a pena-base em razão da reincidência”).
Outras simplesmente atenuam ou agravam a pena sem motivar minimamente o percentual adotado, embora variável. Assim, por exemplo, quando reduzem, na tentativa de crime (CP, art. 14, II), a pena de 1/3, 1/2 ou de 2/3, sem dizer o porquê dessa escolha. Algumas cometem erros matemáticos crassos, inclusive.
Mas o mais comum é valer-se de argumentos potestativos (argumentos de autoridade), não cognoscitivos, dificilmente verificáveis e refutáveis, tais como: “o réu tem personalidade desajustada”, “tem personalidade voltada para o crime”, é “agressivo”, “mostra-se renitente à sanção penal”, “é useiro e vezeiro no tráfico de drogas”, “é bastante conhecido nos meios policiais”, “não revela nenhum arrependimento”, “mostrou frieza extrema”, “não provou trabalho lícito” etc.
Já vimos também que é frequente a violação ao princípio ne bis in idem. Não faz sentido, por exemplo, afirmar-se que “a culpabilidade é acentuada porque o réu agiu com premeditação”, pois a premeditação é o próprio dolo (dolo direto de primeiro grau) inerente aos crimes dolosos, especialmente em crime de furto, estelionato, roubo, homicídio etc. Crime com premeditação é crime doloso. Crime sem premeditação é crime culposo ou é um acidente não punível penalmente. Ou é dolo eventual.
Ou, ainda, em delitos contra o patrimônio: “As consequências do crime são graves porque os bens subtraídos não foram recuperados”. Ocorre que a subtração (não recuperação, perda etc.) da coisa é o próprio resultado do delito na forma consumada. Se não houvesse a efetiva subtração da coisa, o crime seria tentado apenas ou incidiria circunstância atenuante em favor do condenado.
Por fim, no crime de roubo majorado – e outros – é comum a decisão se limitar a aplicar as causas de aumento de pena (v.g., emprego de arma de fogo e concurso de agentes) sem dar outra motivação que não a incidência mesma das majorantes. No entanto, segundo a Súmula 443 do STJ: O aumento na terceira fase de aplicação da pena no crime de roubo circunstanciado exige fundamentação concreta, não sendo suficiente para a sua exasperação a mera indicação do número de majorantes. A Súmula está conforme o art. 68, parágrafo único, do CP.
Em suma, a fundamentação da individualização da pena é um tema importantíssimo, razão pela qual deve feita – e examinada – com a máxima atenção, devendo cada fase de aplicação ser cuidadosamente elaborada e justificada, sob pena de anulação da decisão, no todo ou em parte. Mais: devemos levar a sério o que dispõe o art. 315, §2°, do CPP.