Recentemente o STJ (HC n°192.242-MG, rel. Ministro Gilson Dipp) apreciou o seguinte caso para rechaçar a tese de insignificância jurídico-penal da conduta:
Consoante se verifica nos autos, o paciente foi denunciado como incurso nas penas do art. 240, caput c/c art. 9º, I do Código Penal Militar, tendo em vista que em 17 de outubro de 2006, “ no interior do estabelecimento comercial denominado ‘Supermercados BH’ , o denunciado, estando fardado e em seu horário de trabalho, subtraiu, para si, uma caixa de bombons tipo ‘Bis’.” (fl. 27).
No presente “writ”, a impetrante alega, em síntese, que o paciente está sendo processado criminalmente pelo suposto furto de quatro unidades de chocolate Bis, totalizando R$ 0,40 (quarenta centavos de Real). Neste contexto, alega que a ação penal deve ser trancada, por ausência de justa causa, aplicando-se o princípio da insignificância.
(…)
Feitas estas considerações, na presente hipótese não se verifica a presença de todos os requisitos para a aplicação do princípio em comento.
Com efeito, conquanto possa se afirmar haver a inexpressividade da lesão jurídica provocada – por ser considerada ínfima a quantia alegada pela impetrante R$ 0,40 (quarenta centavos de Real) – verifica-se na hipótese alto grau de reprovabilidade da conduta do paciente. Consoante se verifica na denúncia, o paciente, policial militar, fardado e no seu horário de serviço, subtraiu uma caixa de chocolates colocando-a dentro de seu colete a prova de balas. No termo de apreensão somente constam quatro unidades do chocolate já que supostamente teria ele ingerido as demais unidades.
Como bem ressaltado pelo Ministério Público Estadual no parecer ofertado por ocasião do julgamento do Habeas Corpus impetrado no Tribunal Militar Estadual, o policial militar representa para a sociedade confiança e segurança. A conduta por ele praticada não só é relevante para o Direito Penal como é absolutamente reprovável, diante da condição do paciente, de quem se exige um comportamento adequado, ou seja, dentro do que a sociedade considera correto, do ponto de vista ético e moral.
A questão que se impõe é: será que o só fato de o agente ser policial militar impede o reconhecimento judicial da insignificância da ação praticada?
Pensamos que não.
Em primeiro lugar, porque o que se convencionou chamar de princípio da insignificância tem por parâmetro, em princípio, o grau de lesividade da ação relativamente ao bem jurídico tutelado, independentemente de quem seja o seu autor. E assim deve ser porque, do contrário, o agente responderia, não exatamente pelo que fez (direito penal do fato), mas pelo que é (direito penal do autor).
Em segundo lugar, porque, se subjacente ao princípio da insignificância, está o reconhecimento (político-criminal) do caráter subsidiário do direito penal, segue-se, então, que também no caso de policial (civil ou militar) deve ser declarada a irrelevância da ação levada a efeito. E talvez até com mais razão, visto que o policial (civil ou militar) está sujeito a uma série de sanções no campo disciplinar, a ensejar a aplicação, inclusive, da pena de exoneração a bem do serviço público.
Também aqui, é evidente o caráter subsidiário do direito penal relativamente ao direito administrativo disciplinar.
E a reprovabilidade da ação é essencialmente a mesma quer se trate de civil, quer se trate de militar.
Finalmente, a alegada reprovabilidade ética e moral da conduta (sic) confirma a reprovabilidade ética e moral mesma, mas não necessariamente a reprovabilidade jurídico-penal.
Enfim, a apuração da insignificância jurídico-penal da ação deve, em princípio, ser aferida objetivamente, isto é, tendo em conta o grau de ofensividade da conduta em questão independentemente de quem seja o seu autor.
E, convenhamos, subtrair bombom avaliado em R$ 0,40 é insignificante independentemente de quem seja o autor da subtração.