Subtrair bombom no valor de R$ 0,40 é crime?

4 de abril de 2011

Recentemente o STJ (HC n°192.242-MG, rel. Ministro Gilson Dipp) apreciou o seguinte caso para rechaçar a tese de insignificância jurídico-penal da conduta:

 

Consoante se verifica nos autos, o paciente foi denunciado como incurso nas penas do art. 240, caput c/c art. 9º, I do Código Penal Militar, tendo em vista que em 17 de outubro de 2006, “ no interior do estabelecimento comercial denominado ‘Supermercados BH’ , o denunciado, estando fardado e em seu horário de trabalho, subtraiu, para si, uma caixa de bombons tipo ‘Bis’.” (fl. 27).

No presente “writ”, a impetrante alega, em síntese, que o paciente está sendo processado criminalmente pelo suposto furto de quatro unidades de chocolate Bis, totalizando R$ 0,40 (quarenta centavos de Real). Neste contexto, alega que a ação penal deve ser trancada, por ausência de justa causa, aplicando-se o princípio da insignificância.

(…)

Feitas estas considerações, na presente hipótese não se verifica a presença de todos os requisitos para a aplicação do princípio em comento.

Com efeito, conquanto possa se afirmar haver a inexpressividade da lesão jurídica provocada – por ser considerada ínfima a quantia alegada pela impetrante R$ 0,40 (quarenta centavos de Real) – verifica-se na hipótese alto grau de reprovabilidade da conduta do paciente. Consoante se verifica na denúncia, o paciente, policial militar, fardado e no seu horário de serviço, subtraiu uma caixa de chocolates colocando-a dentro de seu colete a prova de balas. No termo de apreensão somente constam quatro unidades do chocolate já que supostamente teria ele ingerido as demais unidades.

Como bem ressaltado pelo Ministério Público Estadual no parecer ofertado por ocasião do julgamento do Habeas Corpus impetrado no Tribunal Militar Estadual, o policial militar representa para a sociedade confiança e segurança. A conduta por ele praticada não só é relevante para o Direito Penal como é absolutamente reprovável, diante da condição do paciente, de quem se exige um comportamento adequado, ou seja, dentro do que a sociedade considera correto, do ponto de vista ético e moral.

 

A questão que se impõe é: será que o só fato de o agente ser policial militar impede o reconhecimento judicial da insignificância da ação praticada?

Pensamos que não.

Em primeiro lugar, porque o que se convencionou chamar de princípio da insignificância tem por parâmetro, em princípio, o grau de lesividade da ação relativamente ao bem jurídico tutelado, independentemente de quem seja o seu autor. E assim deve ser porque, do contrário, o agente responderia, não exatamente pelo que fez (direito penal do fato), mas pelo que é (direito penal do autor).

Em segundo lugar, porque, se subjacente ao princípio da insignificância, está o reconhecimento (político-criminal) do caráter subsidiário do direito penal, segue-se, então, que também no caso de policial (civil ou militar) deve ser declarada a irrelevância da ação levada a efeito. E talvez até com mais razão, visto que o policial (civil ou militar) está sujeito a uma série de sanções no campo disciplinar, a ensejar a aplicação, inclusive, da pena de exoneração a bem do serviço público.

Também aqui, é evidente o caráter subsidiário do direito penal relativamente ao direito administrativo disciplinar.

E a reprovabilidade da ação é essencialmente a mesma quer se trate de civil, quer se trate de militar.

Finalmente, a alegada reprovabilidade ética e moral da conduta (sic) confirma a reprovabilidade ética e moral mesma, mas não necessariamente a reprovabilidade jurídico-penal.

Enfim, a apuração da insignificância jurídico-penal da ação deve, em princípio, ser aferida objetivamente, isto é, tendo em conta o grau de ofensividade da conduta em questão independentemente de quem seja o seu autor.

E, convenhamos, subtrair bombom avaliado em R$ 0,40 é insignificante independentemente de quem seja o autor da subtração.

 636 total views,  1 views today

Número de Visitas 2604

14 Comentários

  1. Pensando bem, realmente aqui é mais fácil aplicar o princípio da subsidiariedade do que se fosse um furto praticado por um não policial. Isso porque cabem as sanções de ordem disciplinar. Quando se diz que não cabe aplicar o Direito Penal quando sanções de outra natureza forem cabíveis, não se consigo visualizar que “ramo do direito” é invocável em face de cidadão comum que comete reiteradamente pequenos furtos.

  2. Se nossos policiais se limitassem a praticar este tipo de delito, ao invés de execuções diárias, corrupção, tortura etc., estaríamos no paraíso.

  3. Professor,
    O fato realmente é irrelevante, pois deve ser considerado em si, e não se vinculando ao autor.
    Sem emendas, nem aditivos, à sua lição.
    O comentário, no entanto, é sobre outro aspecto que me veio na cabeça.
    Se a reprovabilidade da conduta foi considerada para refutar aplicação de um princípio que tem o condão de afastar a tipicidade, me parece que, “sem querer”, o STJ estaria sinalizando que a culpabilidade integra o tipo penal, como acertadamente tem assinalado o Senhor e também outros valorosos penalistas.
    Algo meio estranho diante do que se vulgarizou no Brasil como finalismo.

  4. Sobre o direito penal do autor: nesse presente caso, a análise sobre o sujeito ativo do delito não tem o peculiar caráter inquisitorial do direito penal de autor, porque “ser policial” é uma qualidade objetiva desse sujeito ativo. Por essa razão, não parece ter se configurado muito bem um direito penal de autor.

    O argumento da subsidiariedade, no entanto, é fulminante.

    Abs.

  5. Professor,
    Aplaudo a conclusão que aponta pelo que o sentido do julgado encerra autêntico direito penal do autor.
    Caríssimo, também, o registro (oportuno) de que o direito penal se faz subsidiário ao direito disciplinar (de sede administrativa).
    Rogerio Theofilo Fernandez.

  6. Professor,
    Independentemente da autoria do delito, acho que esta conduta não representa ofensividade, visto que é subsidiária à disciplina administrativa e levando-se em consideração o princípio da insignificância.
    Obrigada pela sabedoria e clareza com que trata questões jurídico-penais em seu livro Direito Penal, parte geral, possibilitando aos estudantes um melhor aprendizado.

  7. É de pequenas ações que surgem as grandes…
    Já imaginou se esse policial entra em cada supermercado da cidade para furtar 0,40 centavos de bombons, com intuito de depois vende-los? Vai ficar rico!
    Claro que é insignificante, pois ele só foi percebido furtando em um mercado. Mas será que só foi em um?
    Professor, o Direito Penal não pode ser inocente!
    É muito fácil falar uma coisa na teoria(o agente responde pelo que fez) mas na prática a realidade é outra.
    O fato de ser Policial deve ser sim um impedimento para o príncipio da insignificância! Será que poderemos nos sentir seguros com policiais que furtam? Se ele é capaz de furtar um bombom, pode ter certeza que pode fazer algo muito pior…

  8. Aplica-se no caso em tela, opriincipio da insignificância.Cabe a Polícia Militar, tomar as providências necessárias no âmbito. Aliás, osPoliciais Cvis e Militare, nõo percebem o suficiente a fim de comprarem uma caixa da referida guloseima.

  9. É absolutamente insignificante. Apenas.
    Ao analisar os demais comentários, espero sinceramente, que estes caros colegas, não sejam estudantes de direito, tampuco sonhem em seguir uma carreira jurídica! A interpretação por eles dada, é seca, chega a ser cruel, “lombrosiana” e infelizmente Típica. O julgamento, surge, vertiginoso, quando não possuímos a capacidade de enxergar o outro através de nós memos, de interpretar apenas e tão somente o resultado da conduta no mundo “real” que é o fundamento básico do que chamamos de crime comum. Caro Dr. Paulo, anime-se ainda mais em escrever-nos, apesar dos ingratos comentários, agradeço imensamente vosso discernimento.

  10. As opiniões aqui não podem ser livres? Será que nós só podemos escrever o que agrada ao Professor? E a nossa liberdade de expressão onde fica?

  11. Percebi que em alguns comentários as pessoas fizeram luz a condição de Policial Militar para defender a condenação, afastando a insignificância da ação.
    Porém, o que eles se esqueceram é que o Direito Penal é a Ultima Ratio, devendo todas as outras formas de punição serem afastadas para depois ser aplicada a lei penal.
    No caso em tela, a conduta do agente é indiscutivelmente penalmente irrelevante, devendo sim ser aplicada a insignificância. E sob o argumento de “podemos confiar em policiais que furtam”, rebato dizendo que, dessa conduta, pode ser aberta um PAL (processo administrativo de licenciamento) onde o policial pode ser condenado a perder seu cargo “por ferir o pundonor militar” ou “A bem da instituição”, ficando assim livre de uma condenação Penal.

    Sou contra Policiais que cometem crimes, nao importa qual seja, o Policial, principalmente o militar, deve ser o exemplo da lei, para que possa exigi-la dos outros, mas condenar penalmente um policial por causa de R$ 0,40 é banalizar o direito penal e desmerecer o direito administrativo.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *