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Prostituição é legal?

A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados acaba de emitir parecer contrário ao Projeto de Lei n° 98/2003, de autoria do Deputado Fernando Gabeira, que pretende legalizar a prostituição e regulamentá-la, revogando inclusive artigos do Código Penal que a proíbem indiretamente (casa de prostituição etc.). Em seu parecer, o relator, Deputado Antônio Carlos Magalhães Neto, que invoca a dignidade da pessoa humana, afirma, dentre outras coisas, que a prostituição é uma praga, uma atividade imoral etc., que urge prevenir com políticas sociais e não incentivada por meio de legislação que a oficialize, sobretudo de modo a evitar que crianças pobres sejam utilizadas nesse comércio odioso.

 

Releva notar, desde logo, que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (5ª e 8ª Câmara) tem decidido, reiteradamente, que a casa de prostituição já não constitui crime, sendo um fato jurídico-penalmente irrelevante (atípico), desde que não haja envolvimento de crianças e adolescentes. Nesse sentido: apelação crime n° 700205797793, relator Des. Luís Gonzaga da Silva Moura; idem, apelação crime n° 70019472026, relator Des. Roque Miguel Fank. No primeiro acórdão referido o relator assinalou que “a exploração comercial do sexo é hoje conduta aceita sem maiores restrições pelo grupo social: proliferam serviços de tele-sexo, desenvolve-se a indústria pornográfica, expandem-se as redes de motéis, saunas, drive in, boates e uma variedade de casas noturnas, onde se vende sexo explicitamente, tudo devidamente licenciado e autorizado pelo poder público”.

 

Em verdade, a rejeição do projeto, se vier a se consumar, consagrará preconceito e hipocrisia intoleráveis; hipocrisia, porque, não fosse suficiente o fato de casas de prostituição existir em praticamente todas as grandes cidades do país, há hoje divulgação, venda ou oferecimento de sexo, mais ou menos explicitamente, na tv, no cinema, nas revistas, nos jornais, na internet, hotéis, casas de massagem etc., sendo por vezes difícil diferençar a prostituição do que não o é. Em semelhante contexto, ignorar a prostituição constitui uma manifesta hipocrisia, sobretudo numa sociedade de consumo e hedonista, que é, aliás, a mesma hipocrisia da repressão aos jogos de azar (jogo do bicho etc.), típicas infrações sem vítima. Subjacente a tudo isso está sempre a questão moral, religiosa inclusive, a demonstrar que a propalada secularização do Estado é mais aparente do que real.

 

Ademais, deixar de legalizar e regulamentar a prostituição adulta, ao contrário do que pretende o parecer, não é combatê-la, mas apenas ignorá-la e mantê-la na clandestinidade, condenando-a à marginalidade, sem nenhum tipo de controle ou proteção (sanitário, policial, trabalhista, previdenciário etc.), a permitir todo tipo de abuso e danos relativamente às prostitutas e clientes. Na verdade, se quisermos defender a dignidade da pessoa humana, devemos tratar a prostituta como pessoa humana, respeitando-lhe a autonomia da vontade, e não tratá-la como um tipo inferior e, pois, incapaz de decidir por conta própria.

 

Por fim, é direito de toda pessoa adulta livre dispor de seu corpo como melhor lhe aprouver, porque, embora tenhamos o direito de ser preconceituosos – e todos o somos, mais ou menos – não temos o direito de fazer do nosso preconceito um direito, sobretudo quando isso implique marginalização social do outro e negação da sua liberdade de decidir sobre seu próprio destino.

A prostituição enfim deve ser encarada, ao menos do ponto de vista político, como uma atividade como outra qualquer (prestação de serviço), em que uma pessoa deseja a companhia, o carinho ou o corpo da outra, a qual se dispõe a atendê-la mediante pagamento. Não é preciso dizer que o projeto a ser votado jamais pretendeu legitimar a prostituição infantil, que deve ser objeto de prevenção e repressão por meio de políticas sociais e penais.

Paulo Queiroz

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Não é fácil prefaciar qualquer trabalho de Paulo Queiroz, principalmente quando ele homenageia o prefaciador. O largo tirocínio no Ministério Público Federal, os longos anos de magistério universitário e as inúmeras palestras proferidas por esses brasis afora, congeminados, descortinaram-lhe novos horizontes. E aí está a literatura jurídica pátria engrandecida com mais um trabalho que honra sobremodo as nossas tradições.

A prescrição é a mais relevante, a mais complexa, a mais controversa e a mais frequente causa de extinção da punibilidade. Nem todos concordam com a prescrição e sempre houve quem propusesse a sua abolição total ou parcial sob a justificativa de ser um dos fundamentos da impunidade.

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