É consenso entre os processualistas que a prisão preventiva para garantia da ordem pública não tem finalidade cautelar. E efetivamente não o tem.
Com efeito, a mais importante motivação para a decretação da prisão preventiva1, qual seja, evitar a reiteração de crimes, não tem, a rigor, fundamento processual, mas penal: prevenção especial/individual, dado o perigo concreto da prática de novas infrações.
Afinal, o processo ou processos em si mesmos não sofrem, em princípio, dano algum com o provável cometimento de futuros delitos e a deflagração de novas investigações.
O que de fato em está em causa, relativamente à prisão provisória de membros de organizações criminosas, delinquentes habituais, multirreincidentes etc., é a segurança dos indivíduos, típica finalidade penal, e não a utilidade do processo.
Mas reconhecer a ausência de cautelaridade significa que a prisão provisória é forçosamente inconstitucional, tal como entende parte da doutrina?
Não!
É que, para reconhecer essa ideia extrema, teríamos de partir, lógica e coerentemente, de uma premissa igualmente extrema, isto é, que o princípio da presunção de inocência é absoluto e não comporta uma tal exceção.
Ocorre que, se essa tese estiver correta, teríamos de concluir, logicamente, que toda e qualquer medida cautelar pessoal ou real, e não só a prisão preventiva para evitar a reiteração de delitos, seria inconstitucional, já que sempre implicaria um juízo provisório de culpa e, pois, uma relativização (indevida) do princípio da não culpabilidade.
Mas a doutrina não chega a tanto. E nem poderia.
Sim, porque a absolutização de todo e qualquer direito ou garantia importa, inevitavelmente, na negação mesma do direito. Consequentemente, absoluto nenhum direito é. Com efeito, sequer o direito à vida o é, tanto que a lei admite a pena de morte nalguns casos excepcionais; é assegurada a legítima defesa; e o aborto está autorizado para certos casos. E tão importante quanto o direito à liberdade de expressão é o direito à honra, igualmente protegido constitucionalmente, razão pela qual, a pretexto de absolutizar o primeiro, extinguir-se-ia o segundo (e vice-versa).
A ausência de cautelaridade não é, pois, sinônimo de inconstitucionalidade.
Finalmente, a decisão sobre decretar ou não um prisão encerra, para além do juízo de culpa, um juízo jurídico-político que, como tudo que é político, está contaminado por uma série de valores e interesses jurídica e constitucionalmente relevantes e concretamente ponderáveis.
Em suma, efetivamente, a prisão preventiva deve ter, como regra, caráter processual; mas, excepcionalmente, é legitimável por razões penais, não cautelares.
1O art. 312 do CPP dispõe: A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).