Prescrição e aditamento da denúncia

5 de julho de 2021

De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a decisão de recebimento de aditamento da denúncia interrompe a fluência do prazo prescricional quando houver modificação substancial da imputação, com a inclusão de novos fatos ou novos corréus:

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO ADULTERADA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. LAPSO NÃO IMPLEMENTADO. RECEBIMENTO DO ADITAMENTO DA DENÚNCIA. MARCO INTERRUPTIVO. ART. 117, I, DO CÓDIGO PENAL? CP. INCIDÊNCIA DO VERBETE N. 83 DA SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA? STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. “A decisão que recebe o aditamento espontâneo próprio real material configura novo marco interruptivo da prescrição, porquanto referida peça acrescenta aspectos fáticos que determinam alteração substancial da narrativa anterior” (RHC 89.527/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 3/4/2018, DJe 11/4/2018).

2. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no AREsp 1727601/GO, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 13/10/2020, DJe 20/10/2020)

PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. 1. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DO RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. 2. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. LAPSO NÃO IMPLEMENTADO. RECEBIMENTO DO ADITAMENTO. INCLUSÃO DE CRIME PARA CORRÉU. MARCO INTERRUPTIVO. ART. 117, § 1º, DO CP. 3. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.

1. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.

2. Cuidando-se de aditamento para incluir novos crimes aos corréus, tem-se que o recebimento da referida peça é marco interruptivo para todos os denunciados, com relação a todos os crimes, nos termos do que consta do art. 117, § 1º, do Código Penal. Nesse encadeamento de ideias, não há se falar em prescrição, porquanto não implementado o lapso, entre o recebimento do aditamento à denúncia e a publicação da sentença condenatória, necessário ao reconhecimento da extinção da punibilidade.

3. Habeas corpus não conhecido.

(HC 414.685/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 20/02/2018, DJe 27/02/2018)

PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO OU REVISÃO CRIMINAL. NÃO CABIMENTO. FURTO QUALIFICADO. ADITAMENTO DA DENÚNCIA. DESCRIÇÃO DE NOVO FATO CRIMINOSO. MODIFICAÇÃO DO MARCO INTERRUPTIVO DA PRESCRIÇÃO. PRESCRIÇÃO CONFIGURADA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.

1. Ressalvada pessoal compreensão diversa, uniformizou o Superior Tribunal de Justiça ser inadequado o writ em substituição a recursos especial e ordinário, ou de revisão criminal, admitindo-se, de ofício, a concessão da ordem ante a constatação de ilegalidade flagrante, abuso de poder ou teratologia.

2. O recebimento do aditamento é o marco interruptivo da prescrição quando há alteração substancial dos fatos anteriormente narrados denúncia, passando a descrever novo fato criminoso.

3. Resta caracterizada a prescrição retroativa da pretensão punitiva, pela pena concreta (3 anos e 6 meses de reclusão), quando transcorrido prazo prescricional superior a 8 anos entre a data do fato (5/6/1999) e do recebimento do aditamento (12/5/2011) de crime praticado anteriormente à Lei 12.234/2010.

4. Habeas corpus não conhecido, mas concedida a ordem de ofício para reconhecer a prescrição da pretensão punitiva, nos termos do art.

107, IV, do CP.

(HC 273.811/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 05/04/2016, DJe 18/04/2016)

Temos, porém, que é preciso fazer várias distinções importantes.

Com efeito, o aditamento da denúncia (ou da queixa) pode: a) incluir novos denunciados; b) incluir novos crimes; c) incluir novos fatos ou circunstâncias com repercussão sobre a tipificação (v.g., causas de aumento de pena, qualificadoras etc.); d) apenas corrigir dados da denúncia, ora relevantes para fins prescricionais (novas datas, idade do réu etc.), ora irrelevantes para esse fim (correção do nome do denunciado etc.).

Inicialmente, temos que as decisões judiciais que interrompem a prescrição só podem produzir efeitos em relação aos réus prejudicados pela decisão (v.g., recebimento da denúncia, condenação etc.), não podendo atingir aqueles beneficiados por ela (rejeição de denúncia, absolvição etc.) ou não mencionados expressamente, sob pena de violação aos princípios da legalidade penal e culpabilidade. É preciso, portanto, dar interpretação conforme a Constituição ao art. 117, §1º, do CP (ver artigo específico).

Mais: a decisão judicial capaz de interromper a prescrição produz efeitos nos exatos termos em que foi proferida.

Além disso, ato da parte não pode produzir efeito sobre a prescrição (v.g., oferecimento de denúncia, adiamento da denúncia etc.). Como regra, somente as decisões judiciais podem interrompê-la.

Consequentemente, a decisão que acolher (não a decisão que rejeitar) o aditamento da denúncia ou da queixa, segundo as possibilidades mencionadas, produzirá os seguintes efeitos: a) interromperá a prescrição em relação aos novos denunciados no aditamento. Não produzirá efeito algum sobre os réus já contemplados na decisão originária de recebimento da denúncia. Haverá aqui, portanto, mais de uma causa interruptiva de prescrição: a decisão originária de recebimento da denúncia e a decisão de acolhimento do aditamento; b) interromperá a prescrição em relação aos novos delitos objeto do aditamento. Não produzirá efeito sobre aqueles crimes objeto da decisão originária de recebimento da peça acusatória. Haverá aqui mais de uma causa interruptiva da prescrição, à semelhança da situação anterior. No caso de inclusão simultânea de novos réus e novos crimes, são aplicáveis os mesmos critérios.

Exemplos: após recebida a denúncia, em 20 de maio de 2021, o juiz recebe, em 20 de julho de 2021, aditamento contra B, imputando-lhe o mesmo crime (coautoria ou participação). Nesse caso, a prescrição foi interrompida para A em 20 de maio e para B em 20 de julho.

Se, em vez de acrescentar novo réu, o aditamento imputasse um novo crime a A, a prescrição seria interrompida para o primeiro delito em 20 de maio e em 20 de julho para o segundo.

No caso de a decisão que acolheu o aditamento alterar, total ou parcialmente, para impor uma tipificação penal mais gravosa (v.g., admitir causa de aumento de pena ou qualificadora, emendatio libelli etc.), a prescrição será regulada, a partir dessa decisão, conforme a nova imputação admitida. Quanto à situação anterior à decisão de recebimento do aditamento, a prescrição será regulada na forma da tipificação até então admitida (v.g., furto, não roubo ou furto simples, não furto qualificado etc.). Ou seja, se já tiver havido prescrição, segundo a imputação admitida inicialmente, a decisão de aditamento da denúncia não poderá ter efeitos retroativos.

Se, ao contrário, o aditamento propuser uma tipificação mais branda (v.g., furto, não roubo, furto simples, não qualificado etc.), a prescrição será regulada com base na nova classificação penal admitida na decisão.

Por fim, quando for admitido aditamento para apenas corrigir dados da denúncia ou da queixa (novas datas, idade do réu etc.), favoráveis ou não ao réu, como se trata de uma correção de erro, deve produzir efeitos retroativos, independentemente de serem relevantes ou não para fins prescricionais.

Em suma: o aditamento da denúncia só interrompe a prescrição em relação ao que foi de fato aditado. Afinal, as causas interruptivas ou suspensivas da prescrição devem ser interpretadas de modo a preservar os princípios da legalidade e culpabilidade, evitando-se a comunicabilidade de circunstâncias de caráter pessoal que resultem da decisão de recebimento do aditamento da denúncia/queixa (CP, art. 30).

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