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Erro de tipo e erro de proibição?

A doutrina distingue, com base no Código Penal (arts. 20 e 21), erro de tipo de erro de proibição, pressupondo uma outra distinção entre representação do fato e representação da ilicitude do fato. No primeiro caso, há erro de tipo (v.g., portar maconha supondo ser tabaco); no segundo, existe erro de proibição (v.g., portar pequena quantidade de maconha para uso pessoal, supondo permitida pela legislação atual). No erro de tipo, o autor não sabe o que faz, e se soubesse não o faria. Já no erro de proibição, o autor sabe o que faz, mas acredita que aquilo que faz é lícito.

Volto a esse assunto para mostrar a inconsistência da distinção.

Em primeiro lugar, porque é comum a ambos os erros a suposição, pelo agente, de atuar conforme o direito. Exatamente por isso, se entendermos o dolo como compreensivo da consciência da ilicitude, isto é, compreensivo do conhecimento de agir contrariamente ao direito (dolus malus), conforme entendia a doutrina causalista, não existirá dolo em nenhum dos casos.

Em segundo lugar, porque, no caso de erro inevitável, a conseqüência prática é a mesma para ambas as hipóteses: uma sentença penal absolutória, de modo que a relevância da distinção é puramente sistemática. Com efeito, de acordo com o Código, o erro de tipo exclui o dolo e, pois, a tipicidade; e o erro de proibição isenta o réu de pena e exclui a culpabilidade. Também por isso, quando se tratar de erro evitável, o erro de tipo, excluindo o dolo, permite a punição do crime a título de culpa. Já o agente que incorrer em erro de proibição evitável responderá por crime doloso ou culposo, conforme o caso, embora com redução de pena de 1/6 a 1/3.

Nada impede, no entanto, de lege ferenda, que também aqui os erros (evitáveis) sejam equiparados quanto aos seus efeitos, de sorte a que o agente responda, em ambos os casos, por crime culposo, se punível a esse título. Aliás, a equiparação decorre do fato de que o grau de inculpabilidade é o mesmo em ambos os casos, a justificar tratamento unitário. É que, v.g., o agente que mantém relações sexuais com uma menor de 13 anos, supondo que se trata de alguém com 16 anos, não é substancialmente diferente daquele que, embora sabendo que se trata de menor de 14 anos, supõe, fundadamente, que a sua ação é legítima em virtude do consentimento do ofendido, a afastar a imputação de crime de estupro com presunção de violência. Se evitável o erro, subsistirá a forma culposa, se o crime for punível a título culposo.

Em terceiro lugar, a distinção é inconsistente porque todo erro de tipo encerra um erro de proibição, pois quem não tem a exata representação do fato, tampouco terá idéia da dimensão jurídico-penal do fato. Exemplo: quem leva o celular alheio supondo próprio acredita atuar conforme o direito, pois estaria a fazer uso legal de algo que lhe pertencia.

Mas a recíproca é verdadeira? Todo erro de proibição é um erro de tipo?

Temos que sim, porque os tipos legais de crime são tipos incriminadores que descrevem proibições (de não matar, de não furtar, de não estuprar etc.), motivo pelo qual realizar os elementos do tipo significa, necessariamente, querer e saber atuar contrariamente ao direito, pois, do contrário, não cabe falar de dolo (dolus malus). Afinal, conhecer e realizar o tipo é conhecer e realizar a proibição que ele encerra, voluntária e conscientemente. Nesse sentido, quem tem maconha supondo tabaco tanto quanto quem a tem imaginando permitida incorre no mesmo erro sobre o caráter proibido do fato.

Ademais, os tipos de crime não descrevem acontecimentos físicos, mas proibições de condutas humanas que de algum modo remetem a elementos valorativos, afinal não existem “fatos” puros nem fatos simples; só existem interpretações, e isso não é mera interpretação que possa ser apagada como “retorno científico aos fatos”; um “exame de sangue” não é “o sangue” (Flávio Kothe). Pense-se, por exemplo, nos tipos de assédio sexual, prática de ato obsceno em lugar público etc.

Note-se, mais, que o conhecimento ou desconhecimento do fato só assume relevância jurídico-penal quando associada a um tipo legal de crime.

Além disso, há tipos em que esta distinção entre representação do fato e representação da ilicitude do fato é praticamente impossível, em virtude de a norma incriminadora remeter, explicitamente, a elementos normativos, a exemplo do “sem autorização”, “sem licença”, “indevidamente” etc.

Portanto, todo erro de proibição é um erro de tipo, porque o tipo contém, explícita ou implicitamente, a matéria objeto da proibição jurídico-penal.

Por tudo isso, urge superar a aludida distinção, conferindo-lhes tratamento jurídico-penal unitário.

 

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